Segundo o Boletim do 1º quadrimestre de 2025 do Mapa de Empresas, mais de 90% das empresas no Brasil são micro e pequenas empresas (PMEs), mas elas respondem por menos de 30% do PIB nacional.
Essa contradição revela um sistema econômico que concentra riqueza em poucos — enquanto a base da economia, que gera empregos e movimenta a vida real, permanece ignorada, como defende Mauro Oddo Nogueira em seu livro “Um Pirilampo no porão: um pouco de luz nos dilemas da produtividade das pequenas empresas e da informalidade no Brasil”.
Enquanto milhões de pequenos empreendedores lutam diariamente para gerar empregos e movimentar o comércio local, uma parcela minúscula de gigantes corporativos abocanha a maior fatia da riqueza produzida. Segundo dados do estudo “Grandes Grupos – 200 maiores” elaborado e publicado pelo jornal Valor Econômico (2020), apenas 200 empresas de grande porte já correspondem a cerca de 63,5% de todo o PIB brasileiro deixando milhões de negócios menores dividirem os restos.
Numerosos e invisíveis
Em outras palavras, embora numerosos, os pequenos negócios permanecem invisíveis nas estatísticas de riqueza, reflexo de um modelo que privilegia a concentração econômica em detrimento da base da sociedade.
É paradoxal: quem mais emprega e movimenta a vida nos municípios é quem menos “conta” nas grandes métricas econômicas. As PMEs brasileiras geram cerca de 65% dos empregos formais e representam 7 de cada 10 postos de trabalho no país – um pilar fundamental da estrutura social e econômica.
Só em 2023, mesmo em meio a juros altos e economia instável, essas empresas abriram mais de 1,1 milhão de vagas com carteira assinada, respondendo por impressionantes 80% de todos os empregos formais criados no ano, enquanto as grandes corporações geraram apenas cerca de 14%.
Essa disparidade escancara que, embora fundamentais à economia real — do mercadinho ao salão de bairro, da agricultura familiar à pequena startup — as PMEs permanecem subdimensionadas nas grandes métricas macroeconômicas. O modelo econômico concentra ganhos de produtividade e mercado em setores dominados por grandes corporações: energia, bancos, telecomunicações — onde há altas barreiras à entrada para os pequenos.
Pouco crédito, baixa produtividade
Sem apoio efetivo, muitos pequenos negócios enfrentam baixa produtividade, dificuldades de acesso a crédito e inovação, e acabam presos a um ciclo de subvalorização. De fato, a produtividade média das PMEs no Brasil ainda é cerca de metade da das grandes empresas em economias emergentes, o que limitaria sua capacidade de crescer e contribuir com mais PIB.
O Brasil dispõe de instrumentos chamados avançados — o Simples Nacional, o MEI que formalizou milhões — e mecanismos emergenciais como o Pronampe, lançado na pandemia para injetar capital de giro nas PMEs. Mas essas políticas ainda são episódicas e muitas vezes inacessíveis.
Em 2023/24, houve a recriação do Ministério de Pequenas Empresas e programas como Acredita e Desenrola, juntos com expectativa de injetar montantes relevantes de crédito nos próximos três anos. Essas iniciativas sinalizam reconhecimento político da importância estratégica dos pequenos.
Ainda assim, a burocracia, exigência de garantias e falta de assistência técnica inviabilizam o acesso para muitos empreendedores. O Simples facilita, mas não elimina a complexidade tributária. A falta de políticas de inovação e adaptação tecnológica direcionadas às PMEs deixa muitas estagnadas.
Exemplos na União Europeia
Se o Brasil patina, temos países que já estão com seu olhar voltado para os micro e pequenos empreendedores. Na União Europeia há um entendimento claro: PMEs são a base da economia. Lá, elas correspondem a 99% dos negócios e geram dois em cada três empregos, com apoio deliberado via crédito, redução de barreiras e incentivo à inovação.
Na Alemanha, cerca de 900 cooperativas cidadãs de energia foram formadas, permitindo que comunidades produzam, vendam e gerem seu próprio fornecimento energético — negócio sustentável e local com respaldo legal e político..
O Reino Unido, por exemplo, em cidades como Manchester e Preston prioriza contratos públicos com fornecedores locais — resultando em 73% do orçamento da prefeitura destinado a negócios regionais, fortalecendo empresas da comunidade sem aumentar custos do Estado.
Esses modelos mostram que fortalecer pequenos negócios não é utopia — é estratégia inteligente. Com apoio político e visão, eles podem se tornar protagonistas do desenvolvimento local e inclusivo.
A relação “90% das empresas contribuindo com 30% do PIB” não é apenas um dado — é um manifesto: nosso modelo de desenvolvimento não valoriza quem sustenta o país. Se a maioria dos empregos vem das PMEs, elas deveriam ter participação proporcional na criação de riqueza.
Valorizar pequenos empreendedores significa reconstruir o ambiente de crédito, inovação e mercado para eles — com educação técnica, simplificação real da burocracia e apoio contínuo em tecnologia e exportação. Não se trata de assistencialismo, mas de reconhecer sua centralidade econômica.
Com isso trago a pergunta: por que seguimos aceitando a narrativa de que grandes corporações são os motores do país, quando são os pequenos negócios que empregam e transformam o território? Se continuarmos a ignorá-los, persistiremos em um modelo injusto — que enriquece poucos e precariza a base.
A verdadeira mudança passa por colocar as PMEs no centro das políticas públicas e do planejamento econômico. Reposicionar as pequenas empresas como protagonistas não é apenas justo, é fundamental para um Brasil mais resiliente, inclusivo e equilibrado. O momento de agir é agora.