Captura de tela do vídeo da CIA sobre recrutamento de informantes chineses, disponível no canal oficial da agência no YouTube. Uso Legal. A legenda em chinês diz: “E agora percebo que meu destino é tão precário quanto o deles’.
A Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos (CIA) divulgou dois vídeos nas redes sociais no dia 1º de maio, tentando recrutar autoridades chinesas para atuar como informantes. Em resposta, o governo chinês afirmou que tomaria as medidas necessárias para reprimir “atividades de infiltração e sabotagem de forças estrangeiras anti-China”.
Embora os vídeos abordem frequentes preocupações que muitos chineses sentem em relação ao regime de partido único da China, muitos ainda consideram a propaganda dos Estados Unidos pouco atraente.
A CIA vem recrutando informantes russos por meio das redes sociais desde 2022. Alegando que a iniciativa na Rússia foi bem-sucedida, a agência ampliou seus esforços de recrutamento para a China, Irã e Coreia do Norte em outubro do ano passado, publicando vídeos com instruções para que potenciais recrutados entrassem em contato por meio do site oficial da CIA, utilizando redes privadas virtuais (VPNs) criptografadas e confiáveis ou a rede TOR.
Os vídeos mais recentes da CIA voltados ao recrutamento de informantes chineses têm como alvo tanto autoridades de alto escalão quanto de baixo escalão do Partido Comunista Chinês (PCC). O narrador do primeiro vídeo retrata um alto funcionário angustiado com a campanha anticorrupção conduzida sob a liderança do presidente Xi Jinping. Ele diz:
在黨內,我一邊往上升,一邊看著職位比我高的人,一個個被棄如弊履。但現在,我意識到我的命運與他們同樣,岌岌可危…
À medida que subo na hierarquia do partido, vejo aqueles em cargos mais altos sendo descartados como sapatos velhos. E agora percebo que meu destino é tão precário quanto o deles…
O alto funcionário acabou entrando em contato com a CIA para proteger sua família. O vídeo completo está logo abaixo:
O segundo vídeo é apresentado sob a perspectiva de um funcionário de escalão inferior, frustrado com o aparente fracasso do sistema de partido único, que ele alega beneficiar uma minoria privilegiada.
黨教育我們,只要勤奮地遵從領導指定的道路就會前途無量,原本應該大家分享的一片天,如今只剩下少數獨享,讓我不得不開創自己的路。
O partido nos ensina que podemos ter um grande futuro se seguirmos o caminho designado pelos líderes. No entanto, aquilo que deveria ser compartilhado por todos está sendo monopolizado por poucos. Eu preciso seguir meu próprio caminho.
Assista ao vídeo aqui:
As preocupações retratadas nos vídeos estão relacionadas à campanha anticorrupção que já dura uma década e à luta por poder dentro do partido desde que Xi Jinping assumiu a liderança do Partido Comunista Chinês (PCC) em 2012. A repressão tem sido ampla, atingindo tanto “tigres” quanto “moscas”, metáforas políticas para grandes e pequenos casos de corrupção.
Entre os principais casos de “tigres” estão a queda do ex-chefe de segurança nacional Zhou Yongkang e a sua rede, iniciada em 2013; operações contra forças políticas regionais em Guangdong, Shanxi, Sichuan e Jiangsu, iniciadas em 2012; o expurgo do Exército de Libertação Popular em 2023; a limpeza no setor bancário e financeiro iniciada em 2024, entre outros.
No ano passado, o número de membros do partido punidos por diferentes níveis de corrupção disparou para 889 mil, quatro vezes mais que os 182 mil registrados em 2013. Segundo um relatório recentemente divulgado pelo gabinete do diretor de Inteligência Nacional dos EUA, pelo menos 5 milhões de autoridades chinesas estão implicados em casos corrupção entre 2012 e 2024.
A rápida diminuição do Soft Power dos EUA
Embora os vídeos tenham abordado as tensões políticas dentro do Partido Comunista Chinês (PCC), muitos consideram as narrativas pouco convincentes, em grande parte porque os Estados Unidos perderam sua superioridade moral sob a presidência de Donald Trump. Durante o governo Trump cortes drásticos de ajuda internacional e financiamento de mídia, guerras tarifárias com o resto do mundo, além de repressões internas a valores liberais e a políticas de diversidade, fizeram com que os EUA deixassem de ser vistos como defensores globais da democracia e da liberdade.
Nesse contexto, um vídeo de contra-propaganda à CIA, produzido pelo vlogueiro “Executive K” (em chinês, K总), baseado em Guangzhou, ganhou mais visibilidade. O blogueiro copiou o gênero e o cenário dos vídeos da CIA em uma produção gerada por IA, incentivando os cidadãos norte-americanos a lutarem por sua liberdade.
[美国版]选择抗争的原因:创造美好未来
Reasons for choosing to fight: Create a better future pic.twitter.com/weQxgxcpQs— K总 (@KFCQZ) May 4, 2025
Razões para escolher lutar: construir um futuro melhor
No vídeo, o narrador, um cidadão dos EUA chamado John, diz:
Our government told me ‘hard work pays off,’ but all I see is that Wall Street elites manipulate finance, politicians are taking bribes, and it seems like Israel is the real power pulling the strings behind us. And we ordinary people can only struggle to survive…
Nosso governo me dizia que ‘trabalho duro compensa’, mas tudo o que vejo é que as elites de Wall Street manipulam as finanças, os políticos aceitam subornos, e parece que Israel é o verdadeiro poder controlando as coisas por trás dos panos. E nós, pessoas comuns, só nos resta lutar para sobreviver…
Amplamente compartilhado por influenciadores pró-China no Twitter, o vídeo viralizou desde seu lançamento, em 4 de maio.
Apresentação pouco realista dos vídeos de recrutamento
Além da diminuição do soft power dos EUA, o blogeiro chinês baseado no Japão, Wuyuesanren, explicou em seu canal no YouTube que as “iscas” eram pouco realistas, pois, após uma década de repressão à corrupção, a maioria dos filhos de altos funcionários foi obrigada a retornar à China, e qualquer ligação com forças estrangeiras colocaria em risco a segurança de suas famílias. Quanto aos funcionários de nível inferior, o apelo ao idealismo não funcionaria, já que a maioria dos idealistas já saiu do país ou foi forçada a abandonar seus cargos no governo, pois não havia espaço institucional para que promovessem mudanças.
O blogueiro também criticou a apresentação cinematográfica e glamorizada dos vídeos — os escritórios e as roupas dos altos funcionários eram luxuosos e dramáticos demais, mostrando que os produtores desconhecem a realidade da política chinesa contemporânea.
No Weibo (rede social chinesa), muitos relembraram a notícia de que Pequim desmantelou a rede da CIA na China, com até 20 informantes mortos ou presos em 2012, para mostrar que os EUA são incapazes de proteger seus informantes.
Para confundir
Hu Xijin, comentarista político do jornal estatal chinês Global Times, acredita que a intenção dos vídeos não era realmente recrutar espiões chineses, mas sim semear desconfiança dentro do Partido Comunista Chinês (PCC):
CIA这样干,根本就没指望能真从这个途径捞几个有价值的间谍来。他们的最大目的是想搅浑水。
如果有人上当,真的联系CIA,并被中国反间机构抓住,CIA才不会同情那些想向他们效忠的叛国者。那些人身败名裂,甚至身陷囹圄,CIA什么损失也没有,所有惩罚只能那些人自己承受。中国反间机构抓他们也要消耗一些资源和精力,总之,所有成本都是中国这一边的。
还有一种可能,中国这边没人上当,但是CIA希望通过发这样的视频,增加中国社会内部的怀疑,可以当个“反间计”用。如果有一些人能因此被怀疑成美国间谍,搞得中国一些领域人心惶惶…
A CIA fez isso sem qualquer expectativa real de recrutar espiões úteis. Seu principal objetivo era causar confusão.
Se alguém cair na armadilha, entrar em contato com a CIA e for capturado pelas agências chinesas de contra-inteligência, a CIA não terá nenhuma simpatia por traidores [chineses] que queiram lhe prestar lealdade. A CIA não tem nada a perder se essas pessoas tiverem sua reputação arruinada ou mesmo se forem presas. Elas terão que arcar com a punição. A agência chinesa de contra-inteligência terá que gastar mais recursos e energia para capturá-las; em resumo, todos os custos recaem sobre a China.
Também existe a possibilidade de que ninguém, do lado chinês, caia na armadilha, mas a CIA espera que, ao publicar esse tipo de vídeo, possa aumentar o clima de desconfiança dentro da sociedade chinesa. Isso pode funcionar como uma ‘faca de dois gumes’, levando à acusação de que alguns chineses seriam espiões a serviço dos Estados Unidos. Isso causaria pânico em certos setores chineses…
Por outro lado, Desmond Shum, autor do livro de memórias “Roleta Vermelha”, obra que expõe a corrupção dentro do PCC, acredita que os EUA pagarão um preço por esses vídeos provocativos, pois eles podem atrapalhar uma possível resolução da atual guerra tarifária entre os EUA e a China:
A public CIA call for Chinese insiders to defect transcends typical intelligence operations — it is seen as a direct political provocation. It strikes at the heart of the Party’s fears of internal betrayal and is interpreted in Beijing as an assault on its control and stability — an impact far more consequential than any tariff.
That’s why this video might turn out to be the most consequential — and disruptive — move in the ongoing US–China trade talks. The signal it sends is louder than any tariff and strikes a very personal nerve within the Party.
Um apelo público da CIA para que membros do governo chinês desertem vai além das operações de inteligência convencionais — é visto como uma provocação política direta. Isso atinge o núcleo dos temores do Partido quanto a possíveis traições internas e é interpretado em Pequim como um ataque direto ao seu controle e à sua estabilidade — um impacto muito mais significativo do que qualquer tarifa.
É por isso que este vídeo pode se revelar a ação mais impactante — e desestabilizadora — nas atuais negociações comerciais entre os EUA e a China. A mensagem que ele transmite é mais forte do que qualquer tarifa e atinge um ponto extremamente sensível dentro do Partido.