
O Cerrado brasileiro é o segundo maior bioma do Brasil, ocupando impressionantes 26,2% do território nacional. Além de ser o berço de oito das 12 regiões hidrográficas brasileiras, o Cerrado é um verdadeiro tesouro de biodiversidade e abriga uma grande variedade de espécies, muitas dessas endêmicas do bioma, ou seja, encontradas apenas nesse ambiente.
Sua riqueza e endemismo fazem do Cerrado a savana tropical mais biodiversa no mundo. Um dos grandes fatores que explicam essa diversidade excepcional é o mosaico dinâmico de vegetação na paisagem.
Entre suas formações vegetacionais, destacam-se as florestas, com árvores altas e de dossel fechado; as formações savânicas, caracterizadas por árvores e arbustos tortuosos espalhados entre gramíneas e ervas; e as formações campestres, dominadas por gramíneas e outras vegetações herbáceas. Cada uma dessas formações abriga comunidades distintas, mas interconectadas.
As ameaças ao Cerrado brasileiro
Atualmente, o Cerrado é um dos biomas mais ameaçados do Brasil. No Cerrado está a principal fronteira agrícola do país, e essa atividade tem causado ampla destruição do ecossistema, resultando em intensas mudanças ambientais e perda de biodiversidade.
Nos últimos 50 anos, o bioma foi ocupado e destruído em ritmo acelerado, resultando na degradação de cerca de 45% de sua área. E, embora em 2024 tenha havido redução na perda de áreas naturais em todos os biomas brasileiros, o Cerrado foi o bioma com maior área reduzida, ultrapassando a própria Amazônia.
A destruição do Cerrado intensifica as preocupações com a sustentabilidade do bioma, que depende de interações ecológicas complexas, como a polinização. A polinização é a transferência de pólen entre as flores, processo essencial para que frutos e sementes se formem.
Cerca de 90% das plantas com flores dependem, total ou em algum grau, da ação de animais para realizar a polinização e garantir sua reprodução. E a polinização desempenha um papel fundamental na manutenção da biodiversidade e no funcionamento do ecossistema. Além disso, ela fornece serviços ecossistêmicos essenciais, que sustentam a produção de alimentos e geram valor econômico, uma vez que aproximadamente 70% das espécies cultivadas dependem desse processo.
A polinização e a manutenção da biodiversidade
Considerando a importância do Cerrado para a biodiversidade global e sua dependência de serviços ecossistêmicos essenciais, como a polinização, realizamos um estudo em que compilamos o conhecimento sobre a biologia reprodutiva das plantas com flores e suas interações com polinizadores, evidenciando seu papel na manutenção do bioma.
Nele, mostramos que a maioria das plantas com flores do bioma depende de polinização para completar seu ciclo reprodutivo. Muitas espécies possuem um sistema de incompatibilidade, ou seja, não conseguem formar frutos com o pólen do próprio indivíduo. Portanto, dependem da polinização cruzada, quando o pólen é transferido entre flores de plantas diferentes. Dessa forma, essas plantas necessitam da atuação dos animais polinizadores, que promovem esse transporte de pólen, garantindo o sucesso na reprodução e a manutenção das espécies.
Mas não são só plantas que dependem da polinização, os polinizadores também dependem das flores e dos recursos que elas oferecem, como o pólen, néctar e outros recursos, para sua sobrevivência.
As abelhas são os principais polinizadores da maioria das espécies de plantas do Cerrado. Das pequenas às grandes, diurnas ou noturnas, elas desempenham um papel essencial ao viabilizarem, por meio da polinização, a reprodução de diversos grupos de plantas, incluindo plantas típicas da região, como o pau-santo, a lobeira (fruto preferido do lobo-guará), o murici, entre outros.

E as abelhas não estão sozinhas nessa missão. Beija-flores, morcegos, besouros e outros pequenos insetos também são polinizadores importantes no Cerrado. Um exemplo marcante é o pau-terra, uma das espécies arbóreas mais abundantes do bioma, cuja reprodução depende principalmente da polinização por mariposas. Outro exemplo é o pequi, árvore-símbolo do Cerrado, cuja polinização depende principalmente dos morcegos.
Isso evidencia que os polinizadores são essenciais também para a produção sustentável de frutos de espécies nativas alimentícias amplamente utilizadas pelos povos tradicionais do Cerrado, como o pequi, o araticum e o murici, que possuem profundo valor cultural e geram renda para as populações locais.
Protegendo os polinizadores
Ao contrário do que muitos imaginam, de que savanas ou campos são pobres em diversidade e, por isso, podem ser sacrificados, nosso estudo destaca que o mosaico de formações vegetacionais é um fator central na dinâmica da manutenção dos polinizadores do Cerrado.
Isso porque as espécies de plantas florescem em diferentes épocas do ano, distribuídas pelas diversas formações vegetais. Esse padrão gera uma complementaridade de habitats ao longo do mosaico, garantindo recursos contínuos para os polinizadores que se movem entre habitats na paisagem.
Diante da destruição contínua do Cerrado, surge um desafio para sua conservação: a necessidade de proteger não apenas as florestas, mas também outros habitats. Embora as formações florestais associadas a corpo das águas sejam legalmente protegidas, por si só elas são insuficientes para manter a diversidade de polinizadores.
Sem a proteção integrada de paisagens complexas interconectadas por polinizadores, as funções ecossistêmicas certamente declinarão, pois a redução das populações de polinizadores levará à reprodução insuficiente das plantas e ao eventual colapso de suas populações.
Isso reforça a importância da conservação de paisagens frequentemente negligenciadas, como os campos e as savanas, garantindo a diversidade das formações vegetais e, consequentemente, a manutenção da biodiversidade do bioma.
É evidente que, apesar de sua importância já comprovada pela ciência, o Cerrado ainda recebe pouca atenção das autoridades e da própria população brasileira. Grande explicação disso vem do contexto histórico que volta os olhos para ecossistemas florestais, como a Amazônia, mas não valoriza da mesma forma a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos benéficos de outros biomas, como o Cerrado brasileiro, algo que tem sido tema de debate à medida que se aproxima a COP 30.
Por isso, divulgar o conhecimento sobre o Cerrado e sua importância ecológica é fundamental, pois só cuidamos do que conhecemos. É urgente o fortalecimento de políticas públicas que garantam a proteção de todo o bioma, para, assim, assegurar os serviços de polinização, a riqueza biológica e seu futuro.





