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A guerra do Ozempic: Dinamarca, Canadá, EUA, China e Brasil lutam pela patente do medicamento mais lucrativo do planeta

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A guerra do Ozempic: Dinamarca, Canadá, EUA, China e Brasil lutam pela patente do medicamento mais lucrativo do planeta

A perda de uma patente — ou sua expiração — costuma ser antecedida por uma movimentação intensa nos bastidores da indústria farmacêutica. Esta se torna especialmente atraente para os players quando está em jogo o medicamento mais lucrativo do mundo e a empresa mais valiosa do setor no momento: a dinamarquesa Novo Nordisk. O foco, nesse caso, é o Ozempic (semaglutida), medicamento que se tornou símbolo global da revolução farmacológica no tratamento do diabetes tipo 2 e da obesidade — e centro de disputas de mercado bilionárias.

Em julho de 2025, uma notícia surpreendeu o setor: a Novo Nordisk havia perdido a patente do Ozempic no Canadá. O motivo seria a falta de pagamento de uma taxa de manutenção de apenas US$ 450 em 2019, valor que garantiria dois anos adicionais de exclusividade. A empresa nunca conseguiu apresentar uma explicação clara, abrindo espaço para especulações: erro administrativo, cálculo estratégico ou decisão consciente de abandonar a patente?

Fato é que o episódio ganhou repercussão global graças a Derek Lowe, diretor de Biologia Química e Terapêuticas do laboratório Novartis e um dos comentaristas mais influentes da indústria farmacêutica mundial. Desde 2002, Lowe mantém o blog In the Pipeline, hospedado atualmente na revista Science, que se tornou referência para executivos, cientistas e investidores. Em 2010, o blog já recebia entre 15 e 20 mil acessos diários. Isso faz com que análises publicadas por ele tenham peso imediato no mercado, ajudando a moldar percepções sobre empresas e estratégias do setor. Não por acaso, quando chamou o caso de “Erro Canadense”, a expressão rapidamente se tornou consagrada para definir o episódio.

Foi também durante uma entrevista a Lowe que outro peso pesado da Big Pharma, o executivo Richard Saynor, CEO da Sandoz, comentou que a Novo Nordisk jamais havia pedido a patente da semaglutida no Canadá — informação que se provaria incorreta. Confrontando a fala de Saynor, o entrevistador trouxe documentos que mostravam que o pedido de patente no Canadá existia, mas fora abandonado por falta de pagamento das taxas anuais desde 2018. O desinteresse da empresa permanece sem explicação clara, reforçando a percepção de falta de transparência tanto na condução do caso pela Novo Nordisk quanto nas declarações públicas que o cercaram.

Neste jogo, a Novo Nordisk, a Novartis e a Sandoz não são peças estranhas umas às outras. Ao contrário, movimentam-se no mesmo tabuleiro, especialmente nos tribunais, onde estiveram juntas – porém, em lados opostos – por alguns anos em disputas judiciais. No imbróglio canadense, estão novamente reunidas, quando um diretor da Novartis aponta o suposto erro da Novo Nordisk, que, ao perder a patente, abre espaço para a produção de genéricos, no caso, pelo laboratório Sandoz, que, por sua vez, até 2023, era uma divisão do laboratório Novartis.

O imbróglio canadense poderia ficar restrito apenas a um quiproquó jurídico, mas, cabe lembrar que a patente americana do Ozempic só expira em 2032. Por outro lado, o governo americano faz duras críticas a Novo Nordisk devido aos altos preços que o laboratório pratica nos Estados Unidos, chegando mesmo a chamar o seu antigo CEO para depor em uma comissão do Congresso. Assim, a produção de genéricos no Canadá, com preços até 70% mais baratos, pode levar os americanos a fazer compras maciças do medicamento naquele país.

Por fim, a China, onde a patente vai expirar em 2026 e que consegue produzir semaglutida em pó a 7 centavos de dólar. Tal façanha possibilitou que, em seis meses, ela abastecesse as farmácias de manipulação americanas com insumo suficiente para 1,5 bilhão de doses de Wegogy. Após intensas batalhas judiciais, alegando proteger a saúde da população, a Novo Nordisk conseguiu tornar ilegal a produção de semaglutida pelas farmácias de manipulação nos EUA. Porém, agora, oito companhias chinesas se preparam não mais para vender insumos, mas para lançar seu genérico de Ozempic no mercado americano, garantindo menores preços e maior competitividade.

No Brasil, a próxima grande batalha

O Ozempic se transformou em palco de uma guerra transnacional. No Canadá, a Novo Nordisk deixou dúvidas quanto à expiração de uma patente estratégica. Na Dinamarca, o imbróglio canadense expôs fragilidades internas e afastou investidores. No Brasil, a disputa pela produção local e pelo acesso ao medicamento promete reconfigurar o mercado em 2026. Seja como for, a semaglutida é hoje mais que um remédio. Pode ser vista como um símbolo das tensões entre inovação, mercado e saúde pública em escala global.

É neste contexto que o Brasil se prepara para ser o palco de uma disputa estratégica. O país é um dos maiores mercados de Ozempic, tendo movimentado R$ 3,7 bilhões em 2023. Em 2025, o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Regional Federal da 1ª Região negaram pedidos de extensão da patente feitos pela Novo Nordisk, fixando sua expiração para março de 2026.

Enquanto isso, a farmacêutica brasileira EMS lançou no Brasil os medicamentos Olire e (obesidade) e Lirux (diabetes tipo 2) em agosto de 2025, a primeira alternativa nacional. Diferentemente do Ozempic, cujo princípio ativo é a semaglutida, mais potente e aplicada uma vez por semana, o Olire e o Lirux contêm liraglutida, também um análogo do hormônio GLP-1, que exige aplicação diária e promove uma perda de peso mais modesta.

A liraglutida foi aprovada pela primeira vez em 2009 nos Estados Unidos, e em 2010 no Brasil, como Victoza, para o tratamento de diabetes tipo 2. Anos depois, ganhou também a indicação para obesidade, sob a marca Saxenda. Como muitos medicamentos inovadores, entrou no mercado protegida por um conjunto de patentes, cuja principal refere-se à “substância ativa” (composition of matter), que confere exclusividade sobre a molécula.

A patente central da liraglutida expirou em 2021, o que em tese abriria caminho para a entrada de genéricos ou biossimilares. No entanto, a Novo Nordisk conseguiu prolongar a proteção de mercado em vários países. Por esta ação, o laboratório foi advertido, em maio de 2024, pela Federal Trade Commission dos Estados Unidos, devido ao uso de práticas abusivas. Especificamente, a advertência referia-se às _junk-patents. Tal prática consiste em cercar a patente principal com o registro de uma série de patentes secundárias, que, de fato, não objetivam promover inovação, nem avanço tecnológico. Na verdade, é utilizada para retardar a entrada de genéricos no mercado, afastando-se dos objetivos do sistema de patentes e terminando por encarecer o preço dos medicamentos.

A disputa pelo mercado brasileiro

A expiração das patentes acelerou a estratégia da Novo Nordisk de “migrar” pacientes da liraglutida para a semaglutida, inclusive financiando estudos científicos neste sentido. Mais eficaz e de aplicação semanal, a nova molécula rapidamente se tornou carro-chefe, puxando a fila de receitas bilionárias. Agindo da mesma forma, a empresa repetiu o jogo de construção de um “mosaico de patentes”, combinando proteção da substância com patentes de dispositivos e formulações.

O lançamento dos análogos nacionais deve alterar significativamente o tabuleiro do mercado brasileiro e influenciar os planos dos grandes laboratórios. Pode antecipar, por exemplo, a corrida por versões mais baratas da própria semaglutida, cuja patente chega ao fim em 2026. Nesse cenário, a Biomm, farmacêutica brasileira especializada em biotecnologia, já anunciou que pretende lançar a sua versão de semaglutida assim que a patente expirar.

A Novo Nordisk, por sua vez, tem se preparado para assegurar sua liderança e se proteger da concorrência de genéricos locais. A empresa anunciou R$ 6,4 bilhões em investimentos na expansão de sua fábrica em Montes Claros (MG), com previsão de conclusão em 2028. Em paralelo, a Biomm, em parceria com a indiana Biocon, inaugurou uma unidade de produção de semaglutida em Nova Lima (MG). Outras farmacêuticas nacionais — como EMS, Hypera e Cimed — também se preparam para disputar o mercado com apoio financeiro do Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDS).

No entanto, os laboratórios ainda não obtiveram a cereja do bolo. A Comissão de Incorporação de Inovações Tecnológicas (CONITEC), órgão do Ministério da Saúde, reiterou em agosto de 2025 seu parecer de junho, negando a incorporação e oferta das duas substâncias no Sistema Único de Saúde. A Comissão justificou tal negativa no caso da semaglutida, com base em estudos que apontavam, entre outros fatores, um custo-efetividade desfavorável, no qual o gasto mínimo seria da ordem de 3,4 bilhões em cinco anos, chegando a até 7 bilhões.

Em breve 2026 chegará, e será interessante ver como a situação vai evoluir. Na mesa, ficam questões importantes para uma maior competitividade do mercado, como as restrições à importação de ingredientes farmacêuticos ativos (IFAs) e o papel da sentença do Supremo Tribunal Federal em uma maior economia do Sistema Único de Saúde na compra de medicamentos.

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