A política tem se transformado em espetáculo e o palco principal são as redes sociais. Entre memes, ironias e insultos, o escracho tornou-se o idioma dessa nova política: uma prática de desmoralização pública e ridicularização deliberada do outro, convertida em estratégia de poder comunicacional.
Falta pouco menos de um ano para as eleições presidenciais de 2026. Esta será a terceira eleição com a participação ativa das redes sociais, mas agora vivemos um cenário em que campanhas se tornaram contínuas e personalizadas, no que podemos definir como comunicação populista: um estilo de comunicação que se adapta à política atual para reforçar a polarização entre “nós” e “eles”, desqualificando instituições e qualquer forma de pluralismo social.
Hoje, isso acontece por meio de uma conexão mais direta e segmentada entre o político e a sociedade, contornando as mediações tradicionais da mídia, dos partidos ou de especialistas.
Diante desse cenário, o que realmente mudará? Antes de tentar prever o futuro, sugiro olhar para as duas últimas décadas, através de estudos científicos que buscam compreender e explicar como a comunicação populista moldou a forma de fazer política e até mesmo de percebê-la.
A juventude e o cansaço político
Estamos na quarta onda populista mundial. As três primeiras foram: a primeira, entre 1945 e 1980, com um caráter principalmente histórico e descritivo, buscando mostrar a continuidade entre os períodos pré e pós-Segunda Guerra Mundial. A segunda onda, entre 1980 e 2000, passou a incorporar mais teorias das ciências sociais, especialmente interpretações baseadas na modernização e nas mudanças socioeconômicas daquele período. A terceira onda, a partir dos anos 2000, é marcada pela consolidação do populismo como objeto central de pesquisa comparada, com maior rigor conceitual e foco no populismo de direita radical na Europa.
A onda atual é marcada por uma polarização política, social e afetiva, ou seja, uma divisão que se alimenta mais do “gostar ou não gostar” do outro do que de divergências ideológicas concretas. Os estudos dessa fase consideram radicalização e o uso intensivo das redes sociais. O resultado é o fechamento em grupos homogêneos, pouco abertos ao diálogo, que reduzem o espaço do pluralismo e fortalecem práticas hegemônicas.
Acompanhar o comportamento da juventude atual, que é quem vivencia a política por meio das redes sociais, apresenta caminhos para o futuro da relação com a política mediada pelas redes sociais. Entre os jovens, a polarização se reflete na exaustão que relatam. A política aparece menos como espaço de debate e mais como um campo de agressões, ironias e desentendimentos.
Dados da Pesquisa Juventudes do Brasil, de 2021, apontam que 82% dos jovens têm baixa confiança nos partidos políticos e 80% no Congresso Nacional, enquanto as igrejas e as Forças Armadas são apontadas como instituições de maior confiança. Esse deslocamento da confiança ajuda a explicar a afinidade crescente com discursos autoritários e a rejeição às formas tradicionais de representação.
Outros estudos reforçam esse quadro. No relatório Juventudes e Democracia na América Latina, jovens brasileiros relatam dificuldade de diálogo político dentro de casa, especialmente quando os pais têm visões mais conservadoras. A política, nesse ambiente que deveria ser seguro, torna-se sinônimo de conflito, agressão e ruptura afetiva, o que desestimula a expressão de opiniões próprias.
O Atlas das Juventudes, de 2021, indica que, embora os jovens se informem sobre política pelas redes sociais, não as veem como um espaço ideal de participação. Nelas, a política é associada a sentimentos de ansiedade, medo e ódio; como algo que deve ser evitado. O ambiente das redes sociais, marcado por ataques e desinformação, alimenta uma percepção da política como algo negativo e cansativo.
Apesar de não ser o espaço ideal, é justamente na rede social que a política vem sendo feita, principalmente a partir do início da década de 2010, em várias redes e plataformas. Olhar para a rápida transformação da política das redes nos últimos anos permite compreender porque a política é percebida como algo negativo e que gera ansiedade.
Redes sociais e a ascensão do escracho
Principalmente desde 2016, as práticas de comunicação populista passaram a ser centrais, utilizando a lógica do engajamento algorítmico para reforçar cisões e exaltar personalidades. A política vem se transformando em um espetáculo constante de confronto e desgaste emocional, com o escracho se tornando a linguagem comum no debate público.
A virada do século marcou a transição da política institucional para a política personalizada. Mas foi a partir da campanha de Donald Trump em 2016 que essa política tornou-se a política do escracho. O uso das redes sociais pelos líderes populistas transformou o tom do debate público: o que antes era diplomático e mediado pelas instituições passou a ser pessoal, emocional e, principalmente, performático.
Pierre Bourdieu já alertava, ainda nos anos 1990, que toda relação de comunicação é uma relação de poder. Hoje, as plataformas digitais amplificam esse poder de forma inédita. As ferramentas de comunicação são tão centrais quanto as ideias, e os algoritmos atuam como mediadores entre políticos, empresas e os usuários, que são também eleitores.
O acelerado avanço tecnológico permitiu que a ação algorítmica microssegmente os usuários, possibilitando a criação de bolhas digitais e o fechamento em grupos muito homogêneos e com pouco espaço real para o debate.
Foi com Donald Trump que a fronteira entre o diplomático e o partidário se rompeu. Trump transformou o Twitter em palco político e, sobretudo, do escracho: passou a insultar adversários, ridicularizar lideranças estrangeiras e atacar instituições democráticas. Essa mudança de tom rebaixou o nível do debate e consolidou o estilo comunicacional privilegiado pela ação algorítmica e de microssegmentação, e isso moldou o populismo digital e a própria comunicação populista atual.
Trump operou uma virada discursiva. Em vez de expor programas ou propostas, centrou-se no que negava e em quem combatia. O escracho tornou-se o método: um ataque performático que combina provocação, ofensa e sarcasmo, sustentado pela lógica algorítmica que premia o conteúdo mais escandaloso.
As redes sociais, guiadas por métricas de engajamento, tornaram-se o espaço ideal para o trolling político – a prática deliberada de provocar e desestabilizar o debate público. O objetivo é deslocar os limites do aceitável e normalizar o intolerável.
No Brasil, a campanha presidencial de 2018 reproduziu essa fórmula. Jair Bolsonaro, então candidato da extrema-direita, soube explorar as dinâmicas das redes sociais e da crise partidária. Seu discurso agressivo, pautado por ataques pessoais, notícias falsas e moralismo, fez do escracho um modo de governar. Assim como Trump, Bolsonaro falava mais como personalidade do que como político, misturando religião, ironia e provocação para fortalecer o vínculo emocional com seus seguidores, usuários assíduos das redes sociais.
A retórica do “nós contra eles” substituiu o debate público por uma disputa afetiva, e o escracho deixou de ser exceção para se tornar tática: um modo de falar, mobilizar e produzir engajamento por confronto, com a ajuda dos algoritmos.
O que tem sido observado entre os jovens adultos a partir de então foi uma maior exaustão. A constante tensão fez com que isso refletisse na percepção da política como algo negativo, conflituosa, capaz de romper afetos entre amigos e familiares. Apesar deste contexto, os jovens adultos encontram meios de fazer sua política, com apoio mais a pautas, ideias e pessoas.
Personalização e maior informalidade na política
Hoje, há uma percepção mais informal da política. Informal no sentido de que os partidos são percebidos de forma secundária, e os políticos passam a se comunicar mais como indivíduos e menos como representantes de um projeto coletivo.
O bolsonarismo, assim como o trumpismo, não é um movimento unificado por programas, mas por afetos e símbolos. O conteúdo é secundário; a forma, o escracho, a performance, é o que mobiliza.
A personalização é o formato que permite o escracho: o líder fala diretamente ao público, produzindo uma sensação de autenticidade e identificação. Essa lógica se reforça nos algoritmos: quanto mais pessoal e provocativo o discurso, maior o alcance. O populismo digital se sustenta, portanto, na ilusão de intimidade e no ciclo de reação, com o engajamento sendo garantido pelo medo, choque e exaustão.
O que esperar de 2026?
A crise partidária permanece, a polarização segue presente e as redes sociais continuam centrais. A diferença é que agora já sabemos que o que antes parecia um “comentário impulsivo” ou um “tweet desconexo” é parte de uma estratégia. O escracho, que antes soava improviso, consolidou-se como método de comunicação populista.
Compreender essa tática é fundamental para lidar com o cenário eleitoral de 2026. As novas regras do jogo, ou as regras que são deliberadamente quebradas, exigem preparação não apenas de partidos e políticos, mas também de cidadãos, votantes e usuários de redes.
Os jovens adultos do Brasil se interessam por política e são pessoas politizadas. Mas esse interesse se mostra de outra forma: mais informal, fragmentado e mediado por algoritmos. A política se tornou parte do consumo digital, algo passível de “seguir”, “curtir” ou “cancelar”. A crise de representação partidária segue em curso, possivelmente acelerada pelas dinâmicas de poder da comunicação. Mas os partidos ainda são parte do jogo e, aos poucos, deverão aprender a jogar com as novas regras. Assim como os eleitores.
