Ad image

A IA tem realmente o poder de transformar positivamente as vidas da maioria global?

9 Min Read
A IA tem realmente o poder de transformar positivamente as vidas da maioria global?

a white man's hand and a white robot hand reach out to each other over a glowing depiction of the globe

Imagem feita no Canva Pro por Ameya Nagarajan para Global Voices.

Por Aaron Spitler

Muito tem sido escrito sobre como a inteligência artificial (IA) pode transformar a economia global. Um relatório recente da Conferência das Nações Unidas sobre o Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD) projetou que o mercado de IA será avaliado em US$ 4,8 trilhões até 2033. Para os entusiastas da IA, essa previsão demonstra como a tecnologia será um trunfo para todos os países. Entretanto, a organização chegou a uma conclusão diferente: o crescimento do setor poderá beneficiar principalmente o Norte Global. As numerosas barreiras, desde infraestrutura técnica inadequada até oportunidades educacionais insuficientes, têm impedido que a maioria global colha os frutos da revolução da IA. Olhando além da empolgação inicial, a realidade pode ser que essa divisão só piore. Vale a pena avaliar como a IA pode dividir o mundo entre os que têm e os que não têm.

No micronível, a adoção da IA nas indústrias representa um problema para os trabalhadores em países de baixa renda. Mais especificamente, a automação de tarefas classificadas como repetitivas ou banais pode resultar na eliminação de empregos em larga escala, colocando em risco a subsistência de milhares de pessoas dos países da maioria global. Os desafios apresentados pela IA à maioria global não se limitam a uma perturbação econômica. De forma mais ampla, muitas ferramentas de IA adotadas pelo público foram criadas no Norte Global, refletindo as necessidades e prioridades de um grupo restrito. Preocupantemente, essas soluções também foram treinadas com dados repletos de preconceito contra a maioria global, digitalizando estereótipos e temas recorrentes que perduram por séculos. Por fim, sem ações, a expansão da IA pode ser um fracasso para as nações com menos recursos.

Fomentando a incerteza econômica

Questões sobre como a IA vai abalar a força de trabalho são generalizadas. No entanto, seus impactos podem ser sentidos de forma desproporcional na maioria global. A publicação Foreign Policy  destacou que as empresas nesses países, focadas na redução de custos e obtenção de ganhos de eficiência, estão avaliando como a IA pode substituir o trabalho realizado por humanos. Os trabalhos que não requerem conhecimento significativo são frequentemente os primeiros a serem cortados. Como resultado, os trabalhadores da maioria global que não possuem as habilidades requisitadas podem perder os empregos dos quais dependem. Em comparação com seus pares no Norte Global, as oportunidades para esses indivíduos impulsionarem suas competências são mais raras. Enfrentando poucas opções para aprimorar suas qualificações profissionais e a crescente competitividade no mercado de trabalho, os trabalhadores da maioria global podem, em breve, estar em situação precária.

A tensão que essa turbulência econômica pode exercer sobre as redes de segurança social desses países também merece atenção. O blogue do Centro para o Desenvolvimento Global (CDG) abordou esse ponto, observando que muitos países não dispõem de medidas de segurança robustas e confiáveis em vigor para proteger os cidadãos contra dificuldades financeiras. Quando picos de desemprego afetam sistemas de proteção social subfinanciados e subdesenvolvidos, sua capacidade para apoiar os cidadãos desempregados é estendida ao limite. Como resultado, aumenta a probabilidade de que muitos tenham que enfrentar a pobreza, criando um problema que afeta vastos segmentos da população geral. Embora alguns possam subestimar a perda de emprego relacionada à IA como inevitável, os efeitos secundários que ela pode ter sobre a resiliência de uma sociedade não devem ser negligenciados.

Digitalizando hierarquias culturais

Os problemas com as ferramentas de IA não são apenas sobre o seu uso; muitos também podem ser atribuídos à forma como foram desenvolvidas. O Projeto Syndicate defendeu essa hipótese, argumentando que as tecnologias baseadas em IA que se popularizaram foram concebidas para os consumidores do Norte Global. Importá-las para países onde não foram desenvolvidas, sem levar em conta fatores como o contexto cultural, diminui sua eficácia. Consequentemente, a probabilidade de essas “soluções” causem mais problemas para a maioria dos usuários globais pode ser superior ao aceitável. Embora alguns países tenham começado a elaborar normas para minimizar os danos causados pela IA, muitos ainda não têm infraestrutura política para enfrentar esse desafio multidisciplinar. Nessas situações, o dano talvez já tenha sido causado.

Os produtos aprimorados pela IA no Norte Global que depois se disseminaram para a maioria global apresentam falhas em mais de um aspecto. Conforme apontou a Wired, eles também são codificados com os valores das pessoas dessas regiões, difundindo uma visão de mundo que pode não se ajustar às experiências da maioria global. Essas ferramentas, treinadas com dados que mostram uma representação limitada da vida na maioria global, são vendidas aos consumidores que vivem nesses países como algo valioso. Na realidade, são um problema, uma vez que promovem preconceitos e mentiras sobre determinadas comunidades nos resultados que produzem. Com poucas vias de utilização, os críticos das ferramentas de IA centradas no Ocidente frequentemente se esforçam para apresentar alternativas, conscientes de que seus recursos são insignificantes em comparação aos das empresas localizadas na Europa e na América do Norte.

Projetando Soluções Igualitárias

Ao avaliar a evidência, é razoável concluir que a IA tem potencial para exacerbar as desigualdades que afetam a maioria global. Mesmo assim, esse resultado não é definitivo. Para abordar como a IA pode mudar a vida das pessoas, especialmente ao afetar seus meios de subsistência, os legisladores dessas regiões devem adotar medidas para ajudar seus eleitores. Lançar iniciativas para desenvolver competências e fortalecer programas sociais, por exemplo, pode ser um caminho para ajudar os cidadãos a saírem da vulnerabilidade econômica. Além disso, estabelecer espaços onde líderes em todo o sul global possam discutir regras e padrões para a IA deve ser priorizado, uma vez que essas iniciativas permitiriam às autoridades governamentais aprofundarem seus conhecimentos. É essencial ressaltar que as ideias sugeridas nesses fóruns pudessem ser integradas às regulamentações centradas nas necessidades individuais, garantindo que as políticas fossem adequadas às suas preocupações mais urgentes.

Desenvolver ferramentas de IA precisamente ajustadas à maioria global também faria uma diferença significativa. Para atingir essa meta, é indispensável fomentar, nessas regiões, o desenvolvimento de um ecossistema digital que apoie os inovadores locais. Por meio do trabalho em conjunto, os países da maioria global podem adquirir a capacidade de desafiar o domínio do norte global nessa área, cujas ferramentas imperfeitas (se não prejudiciais) têm invadido seus mercados. Essa colaboração poderia resultar em uma proliferação de ferramentas mais adequadas aos contextos da maioria global e, ao mesmo tempo, reduzir o número de produtos que reproduzem estereótipos sobre essas comunidades. Tais medidas poderiam ajudar a reduzir a lacuna de IA na nossa comunidade internacional, dando lugar a um mundo em que a tecnologia efetivamente trabalhe para todos.


Aaron Spitler é um pesquisador cujos interesses se concentram na interseção entre tecnologias emergentes e direitos humanos. Ele trabalhou em várias empresas na área de política tecnológica, incluindo a União Internacional de Telecomunicações, a Internet Society e o Centro Berkman Klein da Universidade de Harvard. Sua paixão é garantir que a tecnologia seja utilizada como uma força para o bem.

Share This Article
Sair da versão mobile