A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), com sede em Paris, acaba de divulgar o relatório The Economic Benefit of Promoting Healthy Ageing and Community Care (ou “O benefício econômico da promoção do envelhecimento saudável e do cuidado comunitário”).
Uma curiosidade sobre a publicação é que o título divulgado previamente era “No place like home: Promoting prevention and care in the community” (“Não há lugar como o lar: promovendo prevenção e cuidados na comunidade”). A alteração de última hora é sintomática do ponto de vista de pesquisadores da área do envelhecimento sobre um tema muito presente no debate público sobre a longevidade: o “envelhecer em casa” (em inglês, “ageing in place”).
Como está evidente, mas não custa reforçar, trata-se de escolher permanecer em sua própria casa na velhice diante da opção de uma institucionalização em residenciais para pessoas idosas – muito mais comuns em parte da Europa e nos Estados Unidos do que no Brasil, onde calcula-se que apenas 1% da população idosa vive em Instituições de Longa Permanência para Pessoas Idosas (LPIs).
Embora seja um desejo notório das pessoas envelhecerem em suas casas, o custo social tem se revelado alto, sobretudo para aquelas pessoas com algum grau de dependência.
Essa é uma questão desafiadora para a implementação da Política Nacional do Cuidado (Lei 15.069/2024) e para o Plano Nacional do Cuidado, em plena efetivação por parte do governo federal.
Envelhecer em casa é uma poupança para os cofres públicos
Faz tempo que o “ageing in place” tornou-se um discurso midiático impulsionado, inclusive, por governos da Europa para reduzir os gastos de institucionalização, principalmente em países nos quais os modelos de seguridade social oferecem subsídios para a instituição por cada pessoa idosa residente, por exemplo, a França. Ou seja, envelhecer em casa é uma poupança para os cofres públicos.
Em alguns países, portanto, o envelhecer em casa tem sido quase uma imposição do Estado para economizar e atender às exigências de políticas de austeridade fiscal. Isso diminui a pressão por abertura de novas ILPIs públicas e gratuitas, embora acentue a crise global do cuidado.
Nos países pesquisados pela OCDE, metade da população entre 65 e 74 anos tem ao menos duas condições crônicas e um em cada cinco tem limitações para desempenhar as atividades básicas ou instrumentais da vida diária.
A humanidade não está envelhecendo com melhor saúde
Uma constatação de pesquisas citadas no relatório, e cada vez mais consensual, é que a humanidade não está envelhecendo com melhor saúde diante das possibilidades e conhecimentos médicos. Na década 2011-2021, apenas Coreia do Sul e Polônia apresentaram redução em incidência de duas doenças crônicas na velhice. Na outra ponta, Portugal registrou até um crescimento.
De nenhuma maneira, a intenção da OCDE é contestar o envelhecimento em casa. No entanto, a organização apresenta os desafios de políticas públicas para fazer desse desejo uma meta da sociedade, de políticas públicas e impedir que se transforme em mais um instrumento de transferência do cuidado para as famílias e, notadamente, para as mulheres, com total absolvição do Estado na tarefa de cuidar.
A OCDE constata que as quatro políticas chave para a implementação do “envelhecer em casa” estão atrasadas na maioria dos países: prevenção, adaptação dos sistemas de saúde para atender ao crescimento da demanda de doenças crônicas não-transmissíveis, atendimento domiciliar e o cuidado comunitário.
Todas essas políticas são premissas para o envelhecimento em casa, do contrário esse “sonho” se transforma em custos impossíveis, sobretudo em países como o Brasil, comprometendo o bem-estar e pressionando ainda mais o sistema público de saúde, seja por chamados de urgência evitáveis ou aumento de internações.
A alfabetização em saúde permite que as pessoas façam escolhas saudáveis
Um dos pontos destacados pelos técnicos da OCDE é a educação em saúde. De acordo com o relatório, a limitada alfabetização em saúde dos idosos representa uma barreira à adoção de estilos de vida saudáveis e ao gerenciamento eficaz de condições crônicas por conta própria. A alfabetização em saúde permite que as pessoas façam escolhas de estilo de vida saudáveis e, ao mesmo tempo, gerenciem melhor doenças complexas.
No entanto, dados das Pesquisas de Indicadores Relatados por Pacientes (PaRIS) da OCDE mostram que pessoas com 75 anos ou mais apresentam níveis mais baixos de alfabetização em saúde do que pessoas com idades entre 45 e 55 anos. Da mesma forma, os níveis de alfabetização digital em saúde também são menores entre idosos do que entre jovens, indicando que o uso de ferramentas digitais e fontes online para informações sobre saúde é mais difícil para idosos.
Para envelhecer em casa é preciso campanhas de massa
Isso significa dizer que, se desejamos envelhecer em casa, é preciso investimento em campanhas de massa, por veículos de comunicação aos quais a população idosa tenha mais acesso, embora sem desprezar os meios digitais, onde as pessoas idosas cada vez mais estão conectadas e por onde circula mais desinformação.
Um exemplo da necessidade de mais educação em saúde são o números de sedentarismo entre a população idosa. Entre os países pesquisados, o sedentarismo é ainda muito alto, segundo a OCDE, comprometendo o envelhecimento saudável e trazendo desdobramentos econômicos.
A atividade física pode reduzir em 15% o número de pessoas com 65 anos ou mais que sofrem ao menos uma queda e, na totalidade, diminuir a incidência de quedas em 38%. Em 2019, pouco mais de uma em cada quatro pessoas com 65 anos ou mais atingiu as recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS) de pelo menos 150 minutos de exercícios de intensidade moderada por semana.
Mais campanhas educativas perenes de conscientização e motivação são necessárias, além de informação sobre maneiras alternativas de se exercitar em casa. O sedentarismo é global, mesmo países ricos apresentam baixo índice de atividade física entre as pessoas idosas.
É nesse ponto que entre a importância de programas de cuidado em domicílio. Uma visita de um profissional de gerontologia ou de saúde ou um agente comunitário pode fazer a diferença. A OCDE mostra que, além de promover ações preventivas e de auxílio, programas como o PAI (Programa de Acompanhamento de Idosos), de São Paulo, ou o Maior Cuidado, de Belo Horizonte, reduzem a desigualdade social por meio de educação em saúde, portanto deveriam ser prioridade do Plano Nacional de Cuidado.
A educação em saúde é uma ação transversal das políticas de prevenção, adaptação de residências, reorganização dos sistemas de saúde pública e implementação do cuidado comunitário. Ela é, inclusive, imprescindível para a constituição bem-sucedida de outras formas de moradia, como co-housing, co-living etc.
Ao analisar a literatura e as recomendações da OCDE, é possível concluir que um Plano Nacional de Cuidado precisa dialogar estreitamente com a comunicação e educação em saúde e isso passa obrigatoriamente pela criação de um serviço público domiciliar de cuidado no país.
Esse é um desafio global. Nenhum país conseguiu equacionar de forma satisfatória essa necessidade da sociedade superenvelhecida do século XXI. A oferta de serviços de assistência domiciliar em vários países, afirma a OCDE, não garante que as pessoas possam levar uma vida independente em casa. Isso vai depender da qualidade do serviço.
Atualmente, 40% dos países têm limitações nas horas de assistência, o que implica em necessidades não atendidas e custos diretos (out of pocket) para as pessoas idosas, o que vem cristalizando o cuidado como uma notável fonte de endividamento, acentuando o fenômeno que denominei, junto com a antropóloga Guita Grin Debert (Unicamp), de financeirização da velhice.
Este artigo foi redigido com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp, processo nº 2024/19.433).





