Imagine uma cidade grande, na qual toneladas de medicamentos vencidos são descartados e passam por estações de tratamento ineficientes e acabam desaguando em rios, lagos e solo, afetando peixes e até a água que bebemos. Esses medicamentos são persistentes no ambiente, o que significa que não se degradam de forma fácil sozinhos, podem acumular e causar toxicidade para organismos aquáticos ou até problemas de saúde para nós.
O foco do trabalho em uma das minhas linhas de pesquisa está em tornar a degradação desses produtos de forma mais eficiente, por meio da química, testando a adição de pequenas quantidades de substâncias a materiais semicondutores ou cristalinos. A estratégia visa modificar as propriedades elétricas, ópticas e estruturais, com a meta de degradar poluentes complexos no meio ambiente. Não apenas para os fármacos, mas também para pesticidas. E tenho certeza, o futuro da minha pesquisa é promissor, ainda que os materiais da química que servem como as matrizes a serem modificadas no meu trabalho sejam conhecidos na comunidade científica.
Dedico-me ao desenvolvimento de fotocatalisadores – substâncias sólidas capazes de acelerar reações químicas por meio da absorção de luz, sem serem consumidas nesse processo. Em outras palavras, tratam-se de processos que utilizam a energia da luz, seja ultravioleta (UV) e visível, para ativar reações químicas, com aplicações cada vez mais urgentes no contexto ambiental. Para se ter uma ideia, testamos a degradação de medicamentos como propranolol e metoprolol, usados para tratar hipertensão e problemas cardíacos; carbamazepina – anticonvulsivante para epilepsia e dores neuropáticas – e os antivirais como lopinavir e ritonavir, que foram amplamente utilizados no tratamento de HIV e até em tentativas contra Covid-19. Nossa pesquisa propõe soluções limpas, utilizando luz solar e materiais acessíveis.
Soluções com escalabilidade
Outra frente do meu trabalho é a escalabilidade: como transformar materiais promissores em laboratório em soluções reais, acessíveis e eficazes para o tratamento de água em grande escala ou em dispositivos portáteis movidos à luz solar. A aplicação prática em condições reais é essencial para validar o potencial desses materiais. E suas possibilidades vão além da água: incluem purificação do ar e geração de energia limpa, como a produção de hidrogênio.
Num mundo cada vez mais atento às tecnologias sustentáveis, acredito que a fotocatálise está se tornando uma peça-chave nas soluções ambientais do presente e do futuro. Mas para mim, essa pesquisa também tem uma dimensão pessoal profunda. É uma forma de reconstrução.
Uma história que começa em Chernobyl
Sou ucraniano, nascido em 1984 em Prypjat – a cidade que, dois anos depois, se tornaria símbolo de uma tragédia nuclear, com o acidente de Chernobyl. Meu avô, Alexander Nazarkovsky, era engenheiro mecânico-elétrico sênior na usina. Após o desastre, minha família foi evacuada para Kyiv. Lá cresci e mais tarde, em 2002, iniciei minha trajetória acadêmica na Taras Shevchenko National University of Kyiv, onde fiz o bacharelado e o mestrado. Fiz meu doutorado no Chuiko Institute of Surface Science, vinculado à Academia Nacional de Ciências da Ucrânia (NASU) na área de Físico-Química, enfocando o desenvolvimento de nano-óxidos, que têm propriedades físico-químicas únicas e distintas dos mesmos matérias em escalas macroscópicas, tornando-os úteis em diversas aplicações.
Infelizmente, minha trajetória foi interrompida de forma brusca em fevereiro de 2022, com o acirramento da guerra entre Rússia e Ucrânia. Enfrentamos dificuldades imensas até meados de 2023, quando tive a sorte de ser acolhido pelo Programa Luiz Pinguelli Rosa de Apoio à Mobilidade e Instalação de Pesquisadores Originários de Regiões em Conflito, da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj).
Na época, recebi um convite do professor Rogério Navarro, da PUC-Rio, e hoje continuo meu trabalho em parceria com professor Bojan Marinkovic, aqui no Brasil – o país que, anos antes, já havia me acolhido para um pós-doutorado que resultou em 14 publicações científicas no grupo do professor Volodymyr Zaitsev, do Departamento de Química na PUC Rio. Isso, acredito, facilitou muito minha vinda.
Ciência com sotaque, mas sem barreiras
Desde o primeiro dia no Rio de Janeiro, me senti em casa. Como cientista, costumo perceber nas primeiras horas se um lugar tem o “clima” necessário para que eu consiga continuar meu trabalho. Aqui, encontrei não apenas esse clima, mas também uma afinidade com a minha alma e expectativas.
Claro que no início me deparei com desafios: eu não falava português e me comunicava em inglês. Mas a comunidade científica brasileira é acolhedora e, felizmente, muitos pesquisadores falam inglês. Meus primeiros seminários foram ministrados nesse idioma, o que me permitiu já formar as primeiras conexões acadêmicas.
Hoje, o Brasil continua me surpreendendo positivamente. A diversidade étnica, cultural e natural do país alimenta minha curiosidade e entusiasmo. Encontrei um equilíbrio raro entre trabalho e vida pessoal – e um ambiente onde a ciência pode florescer.
Construindo pontes científicas
Na PUC-Rio, ajudei a fundar o grupo Napam (Nanomateriais Avançados para Aplicações Ambientais) junto a dois professores do Departamento de Engenharia Química e de Materiais. Tenho colaborado e dado consultoria a alunos tanto nas etapas experimentais quanto na interpretação de resultados, especialmente utilizando métodos quimiométricos, o tratamento e visualização de dados, machine learning, processamento digital de imagens. Compartilho softwares, divulgo eventos científicos e já participei de parcerias que se expandiram para além da universidade.
Um exemplo disso é a experiência com o ex-aluno Lucas Tonetti, hoje pós-doutorando na UFRJ. Ele me convidou para integrar uma startup que está sendo montada em fase de incubação na COPPE/UFRJ e será voltada à transformação de resíduos químicos em catalisadores, utilizando tecnologias verdes.
Atualmente, colaboro com grupos de diferentes áreas e instituições, incluindo os departamentos de Engenharia Química e de Materiais, Química e Física da PUC-Rio, além de centros como o CBPF; Inmetro; Instituto de Química, Programa de Engenharia de Nanotecnologia da COPPE, Laboratório de Intensificação de Processo e Catálise na UFRJ; Laboratório de Catálise Molecular na UFRGS; Uerj e instituições na Europa. Mantenho, inclusive, vínculos com colegas da Ucrânia e da Universidade Marie Curie-Skłodowska, na Polônia.
A ciência como resistência
Minha família permanece na Ucrânia. Meu irmão, que serviu como soldado, foi gravemente ferido em 2024 e hoje passa por um longo processo de reabilitação. Ele carrega no corpo fragmentos de granada e viverá com sequelas permanentes. Meus amigos de infância e escola abandonaram suas carreiras para servir ao exército ou trabalhar na produção de drones. A guerra, infelizmente, transformou a vida de cada cidadão ucraniano.
Para mim, continuar pesquisando é também uma forma de resistir. Gostaria de permanecer no país, construindo pontes ao invés de viver onde se constroem muros. De transformar a dor em energia, literalmente, em luz.