No ano em que a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas acontece pela primeira vez na Amazônia, é importante recordar a importância dessa escolha. As últimas COPs foram marcadas por quebras de expectativas quanto ao resultado das negociações, mas é inegável que o evento ainda é um momento importante para que a sociedade civil se faça ouvida frente aos impactos da emergência climática.
Assim como os espaços de debates internacionais sobre direitos humanos, a maioria dos processos de negociação sobre o clima ocorrem no Norte Global, em locais de alto custo, dificultando o acesso de boa parte da sociedade civil dos países do Sul.
Com os exemplos da Eco 92 e a Rio+20, o Brasil tem um histórico de grande participação da sociedade civil nos eventos internacionais sobre clima e meio ambiente. Assim, realizar a COP em Belém representa uma oportunidade única para que grupos como os povos indígenas da Amazônia possam ser ouvidos.
Mas como garantir isso quando as suas vozes têm sido negligenciadas pelo próprio governo do estado do Pará?
Ocupação indígena
Por quase um mês, desde o dia 14 de janeiro de 2025, indígenas de diversos povos ocuparam a sede da Secretaria de Educação do Pará após a publicação de uma lei estadual, a Lei 10.820 de 2024, que alterava o sistema de leis aplicáveis ao ensino público estadual.
Ao revogar a Lei 7.806, a referida lei não só acabava com benefícios aos professores da rede estadual de educação, mas também impactava comunidades indígenas, ribeirinhas e quilombolas do estado do Pará, pois extinguia o Sistema de Organização Modular de Ensino Indígena (SOMEI), sistema que garantia o ensino médio presencial às comunidades.
Durante o período de mobilizações, o Governo do Pará chegou a argumentar que o SOMEI seria mantido, abrindo espaço para negociação com relação a alguns termos da lei. No entanto, o Amazonia Vox apurou que a verba destinada ao SOMEI para o exercício de 2025 seria 85% menor do que o designado em 2024. Na mesma matéria, o relato dos professores era de que o estado não estava garantindo a infraestrutura adequada, nem mesmo a alimentação para os alunos: era insuficiente e não respeitava a cultura alimentar local.
Os indígenas denunciaram a ausência da garantia do direito de consulta prévia, livre e informada, tal como estabelece a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Quando o governo anunciou a tentativa de construção de um Grupo de Trabalho para a Política Estadual de Educação Escolar Indígenas sem a participação de vários dos povos afetados, o descontentamento daqueles que ocupavam a SEDUC se tornou ainda maior.
Com isso, finalmente, após 23 dias de ocupação, em 5 de fevereiro de 2025 o governador Helder Barbalho atendeu parcialmente as reinvidicações ao assinar o compromisso para revogação da Lei. A ocupação continuou até a revogação da lei, que aconteceu no dia 12 de fevereiro. Ao final, foi conquistada uma vitória importante para o movimento indígena, como há muito tempo não se via, e que também beneficiou os professores estaduais.
Falta de diálogo histórica
A postura do governo frente aos povos indígenas não surpreendeu. Não foi a primeira vez que não houve escuta e diálogo. A história do estado do Pará é marcada por processos que ignoram os povos indígenas. A construção da usina de Belo Monte é um dos maiores exemplos. Apesar de mais de 30 Ações Civis Públicas iniciadas pelo Ministério Público Federal, o projeto foi conduzido sem qualquer observância da Convenção 169 da OIT.
A Convenção 169 da OIT, também conhecida como Convenção sobre os Povos Indígenas e Tribais, afirma que a consulta prévia, livre e informada é um direito dos povos indígenas. Além disso, determina a necessidade de reconhecimento e proteção dos valores e práticas dos povos indígenas, bem como reconhece o direito destes povos à terra e aos recursos naturais, para possam definir as prioridades da comunidade.
Direito reforçado
Para além da Convenção, ao final de 2024, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP) lançou os Princípios Fundamentais de Direitos Humanos para Organizações Privadas de Conservação e Financiadores. O documento reforça as prioridades contidas na Convenção 169, reconhecendo a importância dos povos indígenas e afrodescendentes para a proteção e conservação da natureza.
A ação do governo do Pará em relação à educação indígena foi e é preocupante, demonstrando o desrespeito à normativa internacional de proteção dos direitos humanos. O caso nos faz questionar se a COP 30 será um espaço verdadeiramente inclusivo, aberto à participação dos povos indígenas nas tomadas de decisões sobre o clima.
No entanto, a vitória da mobilização indígena nos lembra a importância de que a Conferência do Clima seja realizada pela primeira vez na Amazônia, permitindo que aqueles que serão alguns dos mais afetados pelas mudanças climáticas, possam pressionar para que suas vozes sejam ouvidas no evento de negociações multilateral que decidirá nosso futuro.