Enquanto lulistas e bolsonaristas se enfrentam em uma disputa permanente no país, um quarto do eleitorado brasileiro permanece indiferente a ambos. São os chamados “Nem, Nem”: cidadãos que não nutrem simpatia nem por Lula nem por Bolsonaro. Longe de serem irrelevantes, eles podem ter um peso decisivo no futuro da política nacional.
Uma pesquisa nacional feita em fevereiro de 2025 pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia – Representação e Legitimidade Democrática (INCT ReDem), da Universidade Federal do Paraná (UFPR), com 1.504 respondentes pelo IPSOS-IPEC , perguntou o seguinte: “Gostaria que me dissesse o quanto gosta de alguns políticos que vou mencionar, com respostas de zero a 10. Lembrando que zero significa que não gosta nada do político mencionado, e 10 significa que gosta muito”.
Os resultados da pesquisa mostraram que 25% dos entrevistados eram indiferentes às duas maiores lideranças políticas nacionais. Mas qual o perfil desse grupo? Apesar de 76% deles demonstrarem pouco ou nenhum interesse pela política, e de 52% estarem “insatisfeitos” ou “muito insatisfeitos” com a democracia brasileira, esses eleitores compareceram às urnas no segundo turno em 2022, o que sugere um engajamento peculiar.
Nem radicais, nem ingênuos
Logo, esse grupo de brasileiros não é, como se poderia supor, alheio às questões políticas. Apesar de tudo, a maioria foi votar e apenas 14% votaram em branco ou anulou. Trata-se de um descontentamento ativo, não de apatia. Além disso, não há fidelidade ideológica a um lado ou outro, nem voto cativo. Eles se dividiram quase matematicamente entre os dois candidatos: 42% votaram em Lula e 44% em Bolsonaro. Há cálculo conjuntural, movido por circunstâncias específicas de cada eleição. O perfil ideológico reforça essa interpretação: 53% se colocam no centro, 34% na direita e apenas 13% na esquerda. Ou seja, não há alinhamento automático esquerda = Lula, direita = Bolsonaro.
Se os “Nem, Nem” não estão radicalizados, nem por isso são politicamente ingênuos. Um terço deles (33,6%) vê tanto bolsonaristass quanto lulistas como ameaças sérias ao Brasil.
Essa predisposição sugere uma espécie de “antipersonalismo”: não rejeitam a política, mas não reconhecem em nenhum dos dois grupos e, por extensão, em seus líderes o papel de representantes legítimos.
Eles são majoritariamente adultos jovens (quase 40% têm entre 16 e 34 anos), apenas 32% têm curso superior, a maioria é de homens (52%) e quase 50% desse grupo pensa que a situação econômica hoje está pior do que antes.
Esse recorte por idade indica um grupo cuja socialização política ocorreu durante a recente polarização, mas que não internalizou os vínculos afetivos dos dois polos. Ao mesmo tempo, a menor escolaridade e a visão negativa sobre a economia (apenas 2,6% avaliam que o país está muito melhor) aumentam a vulnerabilidade social e informacional desse grupo. Isso os torna mais suscetíveis a mensagens simplificadas e campanhas negativas, que acabam reforçando a desconfiança nas instituições. Os “Nem, Nem” são, em certa medida, órfãos de representação, sem canais claros para transformar insatisfação em engajamento construtivo.
Um dos achados mais reveladores é a sua rejeição categórica à violência política: 46% não justificariam atos violentos de lado algum, percentual superior ao de qualquer outro grupo político entrevistado no survey do ReDem.
Em tempos de radicalização, isso os coloca como possível freio à escalada conflitiva. Mas há também riscos em pessoas com esse perfil. A insatisfação com a democracia, o baixo interesse por política e a vulnerabilidade social abrem espaço para que esses eleitores apostem em candidatos aventureiros ou outsiders.
Historicamente, são eleitores como esses que viabilizam eleitoralmente candidaturas que rompem com o padrão tradicional. Não necessariamente por defenderem regimes autoritários, mas pela disposição de apostar em “qualquer coisa diferente” do que está aí.
Grupo pode ser decisivo
Para 2026, é possível especular pelo menos três caminhos para esse grupo: 1) Cooptação gradual, em que candidaturas moderadas consigam atraí-los por meio de propostas concretas e menor personalismo populista; 2) Freio à polarização, pois sua postura crítica (e o crescimento desse contingente) pode obrigar os dois polos (lulistas e bolsonaristas) a ajustarem o discurso para disputar o centro político; ou 3) Desmobilização crescente, pois podem mostrar-se mais desinteressados do que hoje pela política e, por isso, ter baixo impacto nas eleições.
O que está em jogo, portanto, não é apenas o voto desses 25%, mas o sentido do próprio centro político no Brasil. Entender quem são os “Nem, Nem” importa porque esse grupo pode definir o rumo da política brasileira nos próximos anos. São milhões de eleitores que não se orientam por lealdades partidárias ou afetivas, mas por avaliações conjunturais de desempenho e credibilidade. Ignorá-los significa deixar de compreender um quarto do eleitorado que pode tanto abrir espaço para candidaturas moderadas, quanto alimentar saídas radicais.
Em um cenário de polarização persistente, olhar para os “Nem, Nem” é olhar para o centro incerto que pode decidir as próximas eleições e, em última instância, o futuro da democracia no Brasil.
Esta análise foi produzida e publicada com apoio do INCT ReDem – Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Representação e Legitimidade Democrática, financiado pelo CNPq.