
Nos últimos 50 anos, o Brasil emergiu como um dos gigantes agrícolas mundiais. Ao se tornar um dos principais exportadores globais de soja, carne bovina, café e açúcar, o Brasil impulsionou significativamente sua economia e colocou o país no centro do sistema alimentar global. Esse desenvolvimento agrícola, no entanto, teve um custo.
A expansão da agricultura impulsionou a ampla conversão da vegetação natural em pastagens, terras cultiváveis e florestas plantadas. Grande parte dessa expansão ocorreu em áreas críticas para a conservação da biodiversidade e o armazenamento de carbono terrestre. Só nos últimos 40 anos, as terras agrícolas se expandiram em aproximadamente 109 milhões de hectares, uma área quase duas vezes maior que a França metropolitana.
O Brasil abriga alguns dos hotspots de biodiversidade mais importantes do mundo. Ao mesmo tempo, seus ecossistemas são sumidouros de carbono essenciais, armazenando grandes quantidades de carbono que são fundamentais para mitigar as mudanças climáticas. A pressão contínua da expansão agrícola ressalta a necessidade urgente de conciliar a produção com a conservação da biodiversidade e o sequestro de carbono.
Nosso novo estudo explora como as mudanças futuras no uso da terra no Brasil podem afetar a biodiversidade, o clima global e a economia agrícola até 2050. Consideramos duas Trajetórias Socioeconômicas Compartilhadas (SSPs), cada uma delineando um futuro potencial distinto para o mundo e para o Brasil.
Entre elas, a SSP3 descreve um cenário caracterizado por rivalidade regional, forte dependência de combustíveis fósseis, nacionalismo acentuado e desafios significativos tanto para a mitigação quanto para a adaptação climática. Sob esse cenário, espera-se que as terras agrícolas no Brasil se expandam ainda mais devido ao aumento da demanda por alimentos, e apenas modestas melhorias na produtividade das colheitas. Em contrapartida, o SSP1 representa um futuro sustentável, enfatizando a mitigação e adaptação climática proativa, a adoção de energia limpa e a proteção dos ecossistemas naturais. No SSP1, projeta-se que as terras agrícolas no Brasil se contraiam, graças à redução da demanda por alimentos e melhorias substanciais na produtividade.

Onde a agricultura se expande é importante
No cenário SSP3, cerca de 52 milhões de hectares de terras naturais seriam convertidos para uso agrícola a fim de atender à crescente demanda por alimentos, afetando todos os biomas do Brasil, regiões que abrangem grandes ecossistemas com condições climáticas ou ecológicas semelhantes e um tipo específico de vegetação. Essa expansão gera um aumento projetado de 28% na receita agrícola entre 2025 e 2050, mas acarreta prejuízos ambientais significativos.
A perda de vegetação natural deve liberar um total de 12 gigatoneladas de CO2 durante esse período. Em média, isso resultaria em 0,5 gigatonelada por ano, o que é superior à taxa de emissão anual do Brasil proveniente do uso da terra durante a década de 2010. A biodiversidade também seria afetada, com cerca de 70% das espécies de mamíferos que estudamos, incluindo o lobo-guará e o macaco-bugio, perdendo habitat no mesmo período.
Nossos resultados mostram que os impactos ambientais dependem não apenas da extensão da expansão agrícola, mas também de onde ela ocorre. O desmatamento deve ser evitado na Amazônia e na Mata Atlântica, pois ambos os biomas são ricos em carbono e biodiversidade, e o desmatamento tem um grande impacto sobre ambos. Nesses biomas, quer o desmatamento ocorra na borda da floresta ou no interior, ele libera quantidades substanciais de CO2.
Para a biodiversidade, no entanto, a localização é decisiva: o desmatamento em áreas de alta biodiversidade (incluindo Terras Indígenas e Unidades de Conservação, áreas oficialmente designadas no Brasil que recebem proteção legal) ameaça desproporcionalmente espécies com habitats restritos. Por exemplo, o Saguinus bicolor, uma espécie de primata com um dos menores habitats da Amazônia, deve perder mais de 7% de sua área de distribuição restante, restringindo ainda mais uma área que já é limitada.

Restauração com baixas perdas econômicas
No cenário SSP1, prevê-se que a diminuição da demanda por alimentos leve ao abandono de terras agrícolas, liberando vastas áreas para restauração ao seu estado natural. Entre 2025 e 2050, a receita da agricultura deverá cair 31%, mas isso traz compensações ambientais positivas.
Espera-se que mais de 12,4 gigatoneladas de CO₂ adicional — aproximadamente o equivalente a cinco anos de emissões da União Europeia provenientes de combustíveis fósseis e da indústria — sejam sequestradas, o que representará uma importante contribuição para a mitigação das mudanças climáticas. Além disso, prevê-se que os habitats de dois terços das espécies de mamíferos que estudamos se expandam.
Curiosamente, esses resultados indicam que a restauração de terras ao redor das áreas remanescentes ricas em biodiversidade e carbono poderia trazer benefícios ambientais substanciais com perdas agroeconômicas relativamente modestas. Nessas áreas, a restauração resultaria em uma perda de receita agrícola de apenas US$ 5 a US$ 10 por tonelada de carbono ganha. Em comparação, o Sistema de Comércio de Emissões da União Europeia atualmente precifica o carbono em cerca de US$ 70 por tonelada, sugerindo que o reflorestamento estratégico no Brasil poderia ser uma estratégia de mitigação das mudanças climáticas altamente econômica.
Isso é particularmente relevante, pois o Brasil lançou recentemente seu próprio Sistema de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE). Além de aumentar o sequestro de carbono, o reflorestamento dessas áreas geraria benefícios colaterais substanciais para a biodiversidade, criando uma oportunidade sinérgica para promover ambos.

Lições para um futuro mais sustentável
Conciliar a agricultura com a biodiversidade e o clima é fundamental para a transição sustentável do Brasil. Os futuros desenvolvimentos globais na demanda por alimentos e na produtividade agrícola determinarão quanta terra o país dedicará à agricultura e, por extensão, quanta pressão será exercida sobre seus ecossistemas. Quanto mais terra for necessária para a produção, maiores serão os impactos sobre a biodiversidade e o armazenamento de carbono.
Se a expansão for inevitável, várias estratégias podem ajudar a reduzir as consequências ambientais. A expansão agrícola deve ser cuidadosamente planejada, evitando áreas ricas em carbono e biodiversidade, e não deve incluir o desmatamento em áreas profundas das florestas. Ao mesmo tempo, os esforços de restauração focados em áreas ricas em biodiversidade e carbono podem trazer benefícios ambientais substanciais a um custo econômico relativamente baixo.
O caminho do Brasil rumo ao uso sustentável da terra depende, em última análise, de duas questões essenciais: quanta terra é necessária e qual terra deve ser usada.





