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Água sólida: hidrogéis biodegradáveis podem ajudar a agricultura e o reflorestamento a resistirem à seca

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Água sólida: hidrogéis biodegradáveis podem ajudar a agricultura e o reflorestamento a resistirem à seca

Nos últimos anos, a seca deixou de ser uma preocupação apenas de agricultores ou comunidades de regiões áridas. Ela se tornou um fenômeno global, com impactos diretos na segurança alimentar, na saúde pública e na economia. Em 2023, quase metade da área terrestre mundial (48%) enfrentou pelo menos um mês de seca extrema, segundo o relatório Global Drought Outlook: Towards a drier world, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Isso significa que milhões de pessoas conviveram com a escassez de água em algum momento do ano.

Como pesquisador que atua em soluções baseadas na natureza, vejo esse quadro não apenas como uma estatística alarmante, mas como um chamado à ação. A crise climática tem intensificado os eventos de seca que – ao contrário de outras catástrofes naturais abruptas – é silenciosa e prolongada. Ela compromete lavouras inteiras, inviabiliza projetos de restauração e pode levar à morte plantas em larga escala. Quando falamos em crise hídrica, falamos em ameaça à vida como um todo.

Foi nesse contexto que, na Universidade Estadual de Londrina (UEL), começamos a investigar alternativas de baixo custo e ambientalmente seguras para aumentar a sobrevivência de mudas agrícolas e florestais. Uma dessas alternativas é o hidrogel biodegradável superabsorvente – popularmente conhecido como “água sólida”.

O que são hidrogéis?

Hidrogéis são redes tridimensionais de polímeros com grande capacidade de absorver líquidos, como água, sem se dissolver. Dependendo de sua composição, podem reter de 10% a 100% do próprio peso seco ou volume em fluídos.

Aplicados ao solo, funcionam como pequenas esponjas: armazenam água em períodos chuvosos e a liberam gradualmente durante a estiagem, aumentando a resistência das plantas ao estresse hídrico. Esse efeito é especialmente importante para culturas sensíveis à seca ou em regiões de clima instável.

Os hidrogéis considerados superabsorventes são capazes de reter mais de 100% de seu peso em água. Eles podem ser de origem sintética, natural ou híbrida. Os sintéticos, em geral, têm maior capacidade de absorção e durabilidade, mas costumam ser não biodegradáveis e potencialmente poluentes. Já os naturais, produzidos a partir de polissacarídeos (como amido e quitosana) ou proteínas (como gelatina e colágeno), apresentam vantagens ambientais: são biodegradáveis, biocompatíveis e pouco tóxicos.

Porém, os polissacarídeos em sua forma natural não conseguem formar a rede necessária para manter a água retida. Para isso, são usadas substâncias químicas como o glutaraldeído – eficiente, mas tóxico e ambientalmente insustentável. Uma alternativa promissora é o uso de produtos naturais, como o ácido cítrico, que é renovável, biodegradável e não tóxico.

Apesar do interesse crescente por soluções verdes, a maioria dos hidrogéis disponíveis para agricultura ainda é sintética, não biodegradável. É nesse ponto que nossas pesquisas entram: desenvolver materiais biodegradáveis, sustentáveis e de baixo custo, capazes de oferecer desempenho comparável ou superior.

Desenvolvendo hidrogéis biodegradáveis

Nosso grupo testou diferentes combinações de biopolímeros para produzir hidrogéis superabsorventes. Utilizamos três polissacarídeos – celulose, amido e goma xantana – e uma proteína, a gelatina. A escolha não foi aleatória: usamos celulose derivada de resíduos agroindustriais, abundantes e de baixo custo; amido de milho, disponível em larga escala e barato; goma xantana, conhecida por suas excelentes propriedades de viscosidade; e gelatina, que possui grande capacidade de formar géis.

Amostras de hidrogel secos (à esquerda) e após 24 horas em hidratação (à direita). Fonte: acervo pessoal.

Misturamos diversas proporções desses ingredientes, que depois foram reticulados – ou seja, conectados em rede – pelo ácido cítrico, formando hidrogéis com boa capacidade de retenção de água e resistência mecânica. Nos testes de intumescimento, eles retiveram de 187% a 492% do próprio peso em água.

Também analisamos as amostras em microscópio para observar a porosidade, um fator determinante para absorção e liberação da água. Poros abertos permitem absorção rápida, mas reduzem a resistência mecânica do material. Já os poros fechados tornam a absorção mais lenta, porém aumentam a durabilidade e permitem uma liberação mais controlada.

Os hidrogéis produzidos apresentaram uma proporção adequada entre poros abertos e fechados, o que favorece tanto a retenção quanto a resistência estrutural – algo essencial para aplicação em solos agrícolas.

Imagens de Microscopia Eletrônica de Varredura evidenciam a porosidade de amostras de hidrogel. Fonte: acervo pessoal.

Outro aspecto observado foi a estabilidade térmica: os hidrogéis demonstraram boa resistência ao calor, sofrendo a primeira alteração a 142 °C, quando o glicerol se decompõe, e começando a se deformar apenas a 212 °C, temperatura em que a gelatina se degrada.

Testes em solo e sementes

Para verificar a aplicação prática, testamos o hidrogel mais promissor em solos sob estresse hídrico. Os resultados foram expressivos. A capacidade de retenção de água aumentou em todas as concentrações testadas, mas o solo com 5% de hidrogel foi o mais eficiente. Em experimentos de germinação com milho, a taxa subiu de 76% no solo controle para 93%. Concentrações mais altas, como 10%, foram menos eficazes, com germinação de 86%.

Outro benefício observado foi a liberação gradual de nutrientes como carbono e nitrogênio durante a biodegradação do material, contribuindo para o incremento da biomassa microbiana no solo e o crescimento saudável das plantas. E, além de reter água, os hidrogéis também podem armazenar nutrientes dissolvidos no solo. Sua rede tridimensional permite encapsular esses elementos e liberá-los de forma regulada, acompanhando os ciclos de absorção e desabsorção de água. Assim, os hidrogéis podem ajudar a reduzir o uso excessivo de fertilizantes e minimizar problemas ambientais ligados à lixiviação – quando nutrientes são levados pela água da chuva para lençois freáticos e rios.

Outras frentes de pesquisa

Os hidrogéis são apenas uma das linhas de investigação do nosso laboratório. Também atuamos em diferentes soluções de base biológica para apoiar a agricultura e o reflorestamento diante da crise climática.

Fazemos parte do NAPI Biodiversidade: RESTORE, uma iniciativa pública do Paraná, apoiada pela Fundação Araucária, voltada a desenvolver soluções inovadoras para reflorestamento e sistemas produtivos sustentáveis.

Nosso grupo de pesquisa também coordena o Centro Temático em Materiais Biodegradáveis Avançados Aplicados à Transição Ecológica em Bases Bioeconômicas – TRANSFORMAT, apoiado pela FINEP e com participação de pesquisadores de três outras Universidades públicas: UFABC, UNESP e UNIFESSPA.

Entre outros projetos em andamento, temos desenvolvido tubetes e espumas biodegradáveis produzidos a partir de resíduos agroindustriais, que substituem plásticos convencionais no cultivo de mudas. Também estudamos microrganismos isolados de solos florestais, capazes de estimular o crescimento das plantas, aumentar sua resistência à seca e ampliar a captura de carbono.

Além disso, investigamos os chamados micomateriais, produzidos a partir de fungos. Pode soar inusitado pensar em fungos como alternativa tecnológica, mas muitas espécies apresentam propriedades impressionantes, entre elas a capacidade de agregar partículas e reter água, o que abre espaço para aplicações promissoras na agricultura em ambientes de clima seco.

Um caminho mais sustentável

O grande valor dessas iniciativas está no que elas representam para o futuro. A agricultura, base da alimentação mundial, enfrenta pressões sem precedentes: alimentar uma população crescente, reduzir o impacto ambiental e lidar com eventos climáticos extremos. O reflorestamento é uma das principais estratégias para mitigar os efeitos da crise climática, mas esbarra na dificuldade de garantir a sobrevivência das mudas em ambientes hostis.

A ciência permite buscar soluções biodegradáveis como alternativas simples, acessíveis e sustentáveis para aumentar a resiliência das plantas e garantir maior sucesso nessas iniciativas. Esse caminho aponta o caminho que precisamos trilhar, olhando para a natureza, entendendo seus mecanismos e utilizando-os como inspiração para enfrentar os desafios da crise climática, que nós mesmos criamos.

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