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Alianças, fronteiras e identidades estão sendo renegociadas em um Oriente Médio em transformação

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Alianças, fronteiras e identidades estão sendo renegociadas em um Oriente Médio em transformação

O Oriente Médio está passando por uma transformação profunda. Ao mesmo tempo em que Israel intensifica sua guerra contra Gaza e enfrenta o colapso da imagem internacional, o regime sírio de Bashar al-Assad chegou ao fim após quase 15 anos de guerra civil e repressão. O Irã, principal aliado de Assad e patrocinador de grupos como Hezbollah e os houthis no Iêmen, vê seu poder diminuir. O resultado é um reordenamento geopolítico que ainda não produziu uma nova liderança clara, mas que alterará os principais eixos de influência na região.

A saída de Assad do poder, confirmada em dezembro de 2024, foi liderada por forças islamistas sunitas que dominaram grande parte do território sírio. O novo governo, chefiado por Ahmed al Shara, antigo líder da organização Hayat Tahrir al Sham, agora tenta estabilizar um país profundamente fragmentado, sem apoio externo decisivo e com uma economia destruída. A queda do regime sírio representa tanto uma derrota para Teerã, que mantinha tropas e conselheiros militares no país, como um sinal de esgotamento do chamado “eixo da resistência” formado por Irã, Síria e Hezbollah.

Esse declínio se acelerou com a guerra em Gaza, iniciada após os ataques do Hamas em outubro de 2023. A resposta israelense, extremamente violenta, gerou destruição em massa e levou a ataques simultâneos no Líbano e no Iêmen. O Hezbollah perdeu parte de sua liderança, os houthis enfrentaram bombardeios intensos e o próprio Irã viu instalações militares e nucleares serem atingidas. Apesar do discurso de resistência, a capacidade real de resposta foi limitada.

Israel saiu fortalecido militarmente, mas cada vez mais isolado diplomaticamente. A brutalidade da guerra em Gaza — com denúncias de limpeza étnica, apartheid e crimes de guerra — vem comprometendo sua imagem no cenário internacional. Países árabes que haviam iniciado a normalização das relações com Israel por meio dos Acordos de Abraão, como Emirados Árabes Unidos e Bahrein, recuaram diante da pressão popular e dos riscos de associação com um governo visto como agressor.

Vitórias militares de Israel nem sempre se convertem em ganhos políticos

A situação atual lembra outros momentos em que vitórias militares não se converteram em ganhos políticos. A ausência de um projeto diplomático por parte de Israel e a tentativa de expandir continuamente suas fronteiras, ocupando partes do Líbano, da Síria e de Gaza, vêm alimentando críticas dentro e fora do país. Mesmo entre os israelenses, cresce o desconforto com uma política de confrontos permanentes que mina a imagem de um Estado fundado em valores democráticos.

No lado palestino, a crise também é interna. A Autoridade Palestina, criada nos anos 1990 como solução transitória após os Acordos de Oslo, está fragilizada e perdeu credibilidade. Acusada de corrupção e colaboração com Israel, não consegue representar efetivamente o povo palestino. O Hamas, apesar de duramente golpeado, segue sendo percebido como símbolo da resistência — mesmo que isso dificulte qualquer negociação internacional. A luta dos palestinos, antes vista como uma questão regional, agora é cada vez mais associada a temas universais como direitos humanos, autodeterminação e justiça internacional.

É possível construir democracias pluralistas no Oriente Médio?

O colapso do regime sírio também reacende uma pergunta essencial: é possível construir uma democracia pluralista no Oriente Médio? O novo governo em Damasco, apesar de ter derrubado uma ditadura, enfrenta o desafio de incluir minorias religiosas, como os alauítas e os cristãos, além de respeitar a autonomia curda no norte do país. O líder interino, com passado ligado ao islamismo militante, tenta agora se apresentar como pragmático e nacionalista. A dificuldade será conciliar sua base de apoio sunita com a diversidade étnica e religiosa do país. O risco é que o novo regime substitua uma ditadura por outra, sem avanços reais em direitos e representação.

Os países árabes vizinhos vivem dilemas parecidos. O Egito enfrenta uma crise econômica profunda, com inflação, desemprego e crescente autoritarismo. A Jordânia, pressionada por Washington a aceitar refugiados palestinos, teme pelo equilíbrio interno. Arábia Saudita e Emirados tentam se reposicionar, percebendo que a aproximação com Israel gerou custos reputacionais e pouco retorno estratégico. A prioridade agora parece ser preservar a estabilidade e evitar novos levantes populares como os das “primaveras árabes”.

Nesse cenário fluido, poucos atores têm capacidade ou interesse em liderar o processo de reconstrução regional. A Rússia e o Irã, antes aliados centrais da Síria, agora estão focados em seus próprios impasses. A Turquia observa à distância, tentando proteger sua fronteira e enfraquecer o nacionalismo curdo. Os Estados Unidos, sob a presidência de Donald Trump, demonstram pouco apetite por envolvimento direto, a não ser quando seus próprios interesses comerciais ou de segurança estão em jogo.

O Brasil, embora distante, também é afetado por esse novo cenário. O país mantém relações diplomáticas com todos os principais atores da região e tem interesse direto na estabilidade do Oriente Médio, tanto pelo impacto econômico quanto pela proteção de comunidades de imigrantes e refugiados. A reconfiguração em curso exige uma diplomacia ativa, sensível às novas dinâmicas regionais e às expectativas da sociedade internacional.

O Oriente Médio ainda não encontrou uma nova hegemonia. A região vive um momento de transição no qual alianças, fronteiras e identidades estão sendo renegociadas. Os próximos meses serão decisivos para saber se surgirá uma nova ordem ou se o vazio de poder abrirá caminho para mais conflitos.

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