
O que resta daquilo que foi chamado de a “batalha mais decisiva de nossos tempos”? As mudanças climáticas provavelmente têm sido o lembrete mais poderoso de que todos vivemos no mesmo planeta, que é bastante pequeno.
Essa provavelmente foi a razão pela qual a agenda de combate ao aquecimento global teve tanto sucesso nas últimas décadas. Mas também a explicação para o fato de que, mais recentemente, os países ricos perderam o “entusiasmo para combater a crise climática” (como afirmou recentemente o presidente da COP 30, André Correa do Lago, na véspera da inauguração do evento).
Estamos perdendo a confiança em nossa capacidade de governar a globalização, e foi Bill Gates, fundador da Microsoft que se tornou filantropo, quem recentemente esclareceu o que deu errado. E ele fez isso de forma paradoxal, porque suas “três verdades difíceis sobre as mudanças climáticas” são, pelo menos parcialmente, falsas. No entanto, elas indicam claramente três erros estratégicos que nós (os ocidentais) cometemos recentemente.
Uma conferência pré-COP — realizada em Veneza algumas semanas antes do evento de Belém — reuniu cerca de cem gestores, estudantes, acadêmicos, formuladores de políticas e jornalistas, e produziu um manifesto propondo uma abordagem diferente.
Desafio climático não está diminuindo
Infelizmente, não é nem remotamente verdade o que Bill Gates e outros “moderados” estão dizendo sobre um desafio climático que está diminuindo. Não tranquiliza ninguém dizer que “mesmo que o mundo tome apenas medidas moderadas para conter as mudanças climáticas, o consenso atual é que, até 2100, a temperatura média da Terra provavelmente estará entre 2°C e 3°C mais alta do que era em 1850”.
Primeiro, porque ultrapassar a linha vermelha de 2°C estabelecida pelo Acordo de Paris (vinculando todos os países do mundo, exceto Irã, Líbia, Iêmen e, agora, os Estados Unidos) provavelmente seria o suficiente para desencadear pelo menos seis dos 16 pontos de inflexão a partir dos quais as mudanças climáticas ficam fora de controle. Entre eles, os cientistas esperam o colapso das camadas de gelo da Groenlândia e da Antártida Ocidental, enquanto os recifes de corais oceânicos parecem já estar prestes a morrer…
A mesma fonte mencionada por Gates – o Climate Tracker – fornece uma previsão muito mais sombria: um aumento na temperatura entre 2,2°C e 3,4°C, com 10% de chance de que o aumento seja superior a 3,6°C se as políticas atuais não mudarem.
Projeções preocupantes
Mais preocupante ainda é o fato de que, sistematicamente, todos os anos os números tendem a ser decepcionantes em relação às projeções do ano anterior (ou seja, descobrimos que as emissões foram maiores do que o esperado). Por outro lado, as previsões tornam-se mais otimistas em relação ao que precisa acontecer em 2050 ou 2100. Parece que, quanto mais ficamos para trás, mais tendemos a nos convencer de que recuperaremos o tempo perdido no futuro.
. A realidade é que, de acordo com o observatório Copernicus da União Europeia, as temperaturas já estão 2,4°C mais altas do que em 1850, se considerarmos o próprio continente – a Europa – onde estou escrevendo este artigo. E as consequências são visíveis: na década de 1960, as montanhas das Dolomitas, nos Alpes Italianos, abrigavam 33 geleiras. Dessas, apenas nove ainda existem hoje.
Gates está certo ao dizer que não teremos um Armagedom. Mas o que está em jogo é a sobrevivência de algumas das características definidoras (incluindo o esqui e algumas das cidades costeiras mais bonitas do mundo) das próprias sociedades que criaram o problema.
Falsa dicotomia
O segundo erro que Gates (e não só ele) continua a cometer é que precisamos escolher entre diferentes bens publicamente desejáveis onde gastar recursos escassos. Escolher, por exemplo, entre produzir mais vacinas ou tornar as práticas agrícolas sustentáveis nos países em desenvolvimento.
Na verdade, esta dicotomia pode ser falsa, porque ambos os investimentos podem render retornos excelentes, se encontrarmos as métricas certas. Estima-se que uma vacina que custa US$ 100 acrescente um ano de vida livre de doenças por pessoa. Não deve ser difícil traduzir esse ano adicional num impacto que os investidores possam apreciar.
Salvar a Amazônia de ser transformada em uma savana deve render oxigênio, que é seis vezes mais valioso do que as receitas provenientes da exploração madeireira.
Aqui, o verdadeiro desafio não é a alocação de recursos escassos, mas uma reflexão muito mais ampla sobre os mecanismos pelos quais os preços nos mercados financeiros e em outros lugares refletem o futuro. É aí que entra a Conferência de Veneza, por exemplo, com seu forte compromisso de começar a redefinir as métricas que as empresas e os gestores de ativos utilizam.
A questão da energia
Em terceiro lugar, a ideia dos “prêmios verdes” (green premiums). A noção é que a produção da energia de que precisamos inevitavelmente requer um custo extra para ter uma pegada ecológica menor. Embora Gates pareça otimista quanto à capacidade futura das tecnologias para mitigar as mudanças climáticas, aqui ele parece, paradoxalmente, subestimar o que essas tecnologias já alcançaram hoje.
As energias renováveis são — de acordo com o World Energy Outlook recém-divulgado pela Agência Internacional de Energia na COP 30 — muito mais baratas do que as fósseis. E elas não vêm apenas com um “desconto verde” que as torna muito mais acessíveis a bilhões de pessoas que sofrem com a pobreza energética. Elas também oferecem um modelo de produção de energia muito mais estável, pois dependem menos de poucos fornecedores.
As tecnologias são cada vez mais capazes de fazer ainda mais do que um otimista como Bill Gates parece pensar. O único obstáculo que precisamos remover não é a falta de progresso, mas a resistência (muitas vezes injusta) dos incumbentes (a indústria dos combustíveis fósseis).
O manifesto de Veneza é bastante claro sobre isso: devemos ver as mudanças climáticas não apenas como algo que divide pessoas boas e más, mundos em desenvolvimento e desenvolvidos, mas como uma batalha entre inovadores e defensores de um status quo que é politicamente mais forte nos países ocidentais.
A “dura verdade” sobre as mudanças climáticas é que nós – no chamado Ocidente – cometemos o erro de pensar que essas questões globais (não apenas as mudanças climáticas, mas também a fome, por exemplo) podem ser deixadas para os empresários que se tornam filantropos quando se aposentam e decidem “retribuir” com uma parte da sua fortuna.
Uma coalizão diferente
A coalizão que projetos como a conferência de Veneza estão formando é diferente. É composta por pessoas que colocam questões como as mudanças climáticas no centro de sua estratégia. Empresas – como a chinesa BYD ou seguradoras como a AXA – que entendem que a sustentabilidade fará a diferença entre o sucesso e a extinção dos negócios.
Acadêmicos que finalmente perceberam que as mudanças climáticas os forçam a fazer pesquisas com o objetivo de encontrar possíveis soluções. Mídia que tenta construir narrativas sobre as mudanças climáticas que possam criar comunidades em torno de ideias. Formuladores de políticas que veem a globalização como um desafio, e não como uma ameaça diante da qual recuar para um nacionalismo impraticável.
A mudança climática ainda é a melhor oportunidade que temos para devolver o futuro às nossas próprias vidas. Em nossos comportamentos e cálculos sobre o que é conveniente e o que não é. Devemos aproveitá-la com menos retórica e mais confiança em nossa capacidade de resolver problemas.





