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Análise: As “cúpulas do clima” da ONU funcionam, só que não do jeito que seus críticos pensam

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Análise: As “cúpulas do clima” da ONU funcionam, só que não do jeito que seus críticos pensam

É fácil ser cínico em relação ao “circo” anual das negociações climáticas da ONU que ocorre na “COP” – a Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima.

À medida que os delegados se reúnem no porto amazônico de Belém, no Brasil, para a COP 30 deste ano, as reclamações de sempre voltam: as cúpulas são muito grandes e burocráticas e não estão avançando o suficiente. Após três décadas de conferências anuais, as emissões globais continuam aumentando – e os críticos dizem que o processo está falhando.

Mas isso não é o ponto principal. As emissões estão aumentando muito mais lentamente agora do que teriam aumentado sem o regime da ONU. Em 2009, cientistas climáticos alertavam que, se os países não reduzissem suas emissões, o mundo enfrentaria um aquecimento de até 6 °C.

Antes do Acordo de Paris em 2015, a previsão de business as usual (“manutenção do status quo”) era de cerca de 4 °C. Hoje, a ONU projeta que, sem políticas adicionais, o mundo aquecerá cerca de 2,5 °C.

Esse declínio constante ocorreu porque, ao contrário da crença popular, o mundo realmente está agindo contra as mudanças climáticas.

Nos últimos 15 anos, a queda dramática nos custos da energia renovável, particularmente solar e eólica, levou a um aumento surpreendente em seu uso. Este ano ou no próximo, as energias renováveis gerarão mais eletricidade do que o carvão pela primeira vez.

A mesma transição rápida vem ocorrendo com os veículos elétricos, que agora representam mais de um quinto das vendas globais de automóveis.

Os céticos dizem que isso se deve à inovação tecnológica, não às conferências da ONU. Mas a inovação não “acontece” simplesmente: ela é impulsionada por políticas que a tornam lucrativa.

Nos últimos 20 anos, governos em todo o mundo introduziram padrões de eficiência de combustível, metas de energia renovável e subsídios que estimularam as empresas a melhorar as novas tecnologias.

À medida que os preços caíram – especialmente desde que a China começou a produzir em massa tecnologias verdes na década de 2010 –, as metas puderam ser mais rigorosas, levando a custos ainda mais baixos. Tem sido um círculo virtuoso: políticas impulsionando a inovação e vice-versa.

O poder silencioso do Acordo de Paris

É por isso que o processo climático da ONU é importante. O Acordo de Paris obriga todos os países a estabelecer metas e planos climáticos cada vez mais rigorosos a cada cinco anos.

Sem essa estrutura internacional coordenada, haveria poucas chances de tantos países — com diferentes ciclos políticos e circunstâncias econômicas — seguirem simultaneamente na mesma direção. É esse compromisso global que impulsiona o crescimento dos mercados de baixo carbono.

Mas, continuam os críticos, os planos nacionais não são suficientes. Um aquecimento de cerca de 2,5 °C pode ser melhor do que 6 °C, mas ainda assim será catastrófico.

É verdade que o Acordo de Paris tem uma falha fundamental (embora politicamente necessária): ele estabelece uma meta de temperatura global, mas deixa a cargo de cada país decidir o que fará para alcançá-la. Quando o novo conjunto de compromissos nacionais é somado, eles ainda não se alinham com a meta de 1,5 °C a 2 °C. A “lacuna de emissões” resultante parece provar que os críticos estão certos.

O investimento chinês ajudou a reduzir o custo da energia solar e de outras fontes renováveis. why2husky / shutterstock

Mas essa conclusão seria precipitada. Os compromissos nacionais, conhecidos como “contribuições nacionalmente determinadas”, ou NDCs, não são previsões.

Sob um tratado juridicamente vinculativo, os países não desejam estabelecer metas que eventos imprevistos possam impedir que sejam cumpridos. Mas muitos, incluindo a China, veem as NDCs como pisos e não tetos – uma declaração política de intenção mínima.

A nova NDC da China é um exemplo disso. Muitos comentaristas a descreveram como “decepcionante”. Mas, ao anunciá-lo, o presidente Xi Jinping disse explicitamente que o país se esforçaria para superar suas metas. Seu histórico nos últimos 15 anos mostra que ele tende a fazer exatamente isso.

Outro motivo para otimismo é que os países em desenvolvimento ainda não sabem quanto apoio financeiro receberão. Mas isso ficará gradualmente mais claro nos próximos anos. Na COP 30, o Brasil e o Azerbaijão, anfitrião do ano passado, apresentarão o “Roteiro de Baku a Belém”, um plano para arrecadar US$ 1,3 trilhão (cerca de R$ 5,35 trilhões) por ano em financiamento climático internacional até 2035.

Se pelo menos parte disso for concretizado, muitas economias emergentes poderão reduzir as emissões mais rapidamente (e fazer mais para se adaptar às mudanças climáticas) do que sugerem seus planos atuais.

As cúpulas cumpriram seu papel

Por fim, as ações climáticas estão cada vez mais ocorrendo fora das negociações formais. O Acordo de Paris de 2015 já estabeleceu a arquitetura. Agora, o progresso depende menos da negociação de novas regras e mais da sua implementação.

É por isso que o Brasil descreveu a COP 30 como a “COP da implementação”, com foco no “mundo real” do desenvolvimento econômico, redução da pobreza, tecnologias verdes e financiamento de investimentos. A conferência deve anunciar novas iniciativas importantes em áreas como proteção das florestas tropicais, combustíveis sustentáveis, agricultura regenerativa, mercados de carbono, emissões de metano, combate a incêndios florestais, infraestrutura pública digital, impostos sobre passagens aéreas e financiamento para adaptação.

Quando os críticos atacam o grande número de participantes das cúpulas, eles não percebem que muitos desses participantes têm interesse prático nessas e em outras soluções para as mudanças climáticas.

No futuro, o Brasil e outros países esperam que essas grandes cúpulas climáticas sejam muito mais voltadas para iniciativas setoriais e financeiras do que para a negociação de regras cada vez mais detalhadas da ONU. A ação climática está entrando em uma nova era. E este é precisamente o regime internacional funcionando como foi projetado: uma estrutura para incentivar ambição, coordenação e responsabilidade cada vez maiores.

É claro que não podemos ser complacentes. À medida que os EUA se retiram do Acordo de Paris, seu presidente intensifica suas contramedidas para impulsionar os combustíveis fósseis e minar as energias renováveis. A política climática global tornou-se, nesse sentido, uma batalha entre visões alternativas do nosso futuro energético e industrial, e agora está sendo travada nos governos nacionais e nas salas de reunião das empresas tanto quanto nas salas de negociação da ONU.

Não há dúvida de que a transição para a energia limpa está acontecendo. Mas seu ritmo — e, portanto, até que ponto o aquecimento global pode ser retardado — depende da confiança das empresas de que ela continuará. E isso requer que os governos permaneçam comprometidos com as metas climáticas, para que os investimentos e as inovações verdes continuem lucrativos.

Minar essa confiança ao descartar as conferências climáticas da ONU como inúteis traz o risco de retardar esse progresso. Os críticos da COP gostam de se considerar corajosos reveladores da verdade aos poderosos. Mas eles podem acabar sendo apenas cúmplices involuntários de Donald Trump.

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