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Análise: Brasil precisa decidir se segue os modelos de IA existentes ou se aposta no próprio desenvolvimento

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Análise: Brasil precisa decidir se segue os modelos de IA existentes ou se aposta no próprio desenvolvimento

O mundo está vivendo uma disputa diferente das que marcaram o passado. Hoje, a força de um país não se mede só pelo poder militar ou pelo tamanho da economia, mas pelo domínio da inteligência artificial (IA) e dos semicondutores.

A recente ascensão da DeepSeek, IA chinesa que vem desafiando as gigantes do Silicon Valley, está deixando isso bastante claro. Os Estados Unidos e a China competem para ver quem define o futuro da tecnologia, enquanto a União Europeia, muito mais atrasada neste âmbito, tenta encontrar um espaço nesse cenário.

A América Latina, por sua vez, precisa decidir se segue os modelos existentes ou se aposta no próprio desenvolvimento. O Brasil, maior economia da região, tem condições de liderar essa iniciativa, mas ainda precisa superar desafios estruturais. A IA depende de chips avançados para funcionar, e o controle dessa tecnologia virou questão de soberania.

Os Estados Unidos decidiram limitar o acesso da China a semicondutores de última geração para manter sua vantagem mas isso acabou acelerando o investimento chinês em alternativas próprias. O resultado foi a criação de tecnologias como a mencionada DeepSeek, que está conseguindo oferecer soluções eficientes sem precisar dos chips mais sofisticados.

A Nvidia, principal produtora de semicondutores para IA no Ocidente,sentiu esse impacto de imediato. A entrada da IA chinesa no mercado derrubou o valor de suas ações em centenas e centenas de milhões de dólares, uma demonstração clara de que o equilíbrio de forças está mudando. Hoje, quem controla a tecnologia de IA tem mais influência do que aqueles que dominam setores tradicionais da economia.

Cada vez que uma inovação transforma a sociedade, há um período de disputa para definir qual modelo será consolidado. Com a IA, isso está acontecendo agora. Os Estados Unidos têm um modelo baseado em empresas privadas, como OpenAI e Anthropic, que operam dentro de um sistema regulatório que equilibra inovação e controle governamental. A China, por outro lado, aposta em um modelo de desenvolvimento altamente eficiente, combinando incentivos estatais com regras mais rígidas para garantir que a tecnologia esteja alinhada aos interesses do governo.

Como comentamos, a União Europeia ainda busca um caminho próprio. Mas está difícil. O bloco antecipou e priorizou a regulação antes de realizar investimentos em tecnologia, o que reduziu sua capacidade de competir diretamente com os líderes globais, menos regulados neste campo. Ainda assim, França tem a startup Mistral como uma aposta promissora, mas está distante do nível de empresas como OpenAI ou DeepSeek. O grande problema da Europa tem sido a falta de investimento: enquanto os Estados Unidos destinaram US$ 450 bilhões à IA nos últimos dez anos e a China investiu US$ 250 bilhões, a União Europeia ficou com apenas US$ 50 bilhões. Sem mudanças estruturais, a Europa corre o risco de se tornar dependente das tecnologias criadas por outros países.

A América Latina enfrenta um dilema parecido. Os países da região podem continuar usando a tecnologia desenvolvida por americanos e chineses ou podem tentar construir um modelo próprio. O caminho mais fácil é adotar as plataformas estrangeiras e seguir as tendências impostas pelas grandes potências, mas isso também significa abrir mão de controle sobre a própria infraestrutura digital.

A IA é muito mais que uma questão econômica, ela influencia o acesso à informação, a segurança digital e até as relações de poder dentro da sociedade. Por isso, e por muito mais, ser refém de tecnologias desenvolvidas por países mais adiantados é um problema para o próprio desenvolvimento nacional e latino-americano. O Brasil tem potencial para se destacar nesse cenário, mas ainda depende de tecnologias estrangeiras para quase tudo que a envolve.

As maiores plataformas utilizadas no país pertencem a empresas como Google, Microsoft e Amazon, que operam dentro de suas próprias regras e interesses. Essa dependência significa que boa parte dos dados e da inovação gerada no Brasil acaba beneficiando mercados externos. Algumas iniciativas recentes mostram que existe espaço para mudança. Universidades como a USP (iniciativa C4AI) e a Unicamp (incluindo o projeto “Viva Bem” com a multinacional coreana Samsung) já desenvolvem projetos voltados para IA, e o governo tem buscado formas de incentivar o setor. A infraestrutura, no entanto, ainda é um desafio. O país não possui uma indústria robusta de semicondutores e precisa investir mais em data centers e capacidade de processamento para diminuir a dependência de serviços estrangeiros.

Para que o Brasil possa realmente competir algumas ações são fundamentais:

  1. Investir em chips e computação de alto desempenho – Sem uma infraestrutura sólida, o país continuará dependente da tecnologia desenvolvida no exterior.

  2. Criar IA treinadas com dados locais – Pode parecer exagerado, mas utilizar modelos estrangeiros significa aceitar as limitações e vieses desses sistemas. Desenvolver uma IA própria garantiria maior autonomia na gestão da informação.

  3. Fazer parcerias estratégicas com outros países – Em vez de escolher entre China e Estados Unidos, o Brasil pode buscar acordos tecnológicos com seus parceiros do BRICS Plus (salvo China), para construir uma alternativa mais equilibrada. Com a Índia talvez.

  4. Criar regulamentações que favoreçam o desenvolvimento local – Em vez de apenas seguir as regras impostas por outros países, o Brasil precisa de um marco regulatório que proteja dados nacionais e incentive a inovação.

O mundo está passando por uma transformação tão grande quanto a Revolução Industrial. A IA é muito mais que uma ferramenta, é um elemento central na disputa global por poder e influência. Os países que controlarem essa tecnologia vão definir as regras do jogo nas próximas décadas.

A América Latina tem uma escolha a fazer: pode continuar sendo uma consumidora passiva ou pode investir na construção de um futuro digital mais independente. O Brasil, por seu tamanho e capacidade de inovação, tem tudo para liderar esse movimento. O que falta é uma estratégia clara e investimentos consistentes para transformar esse potencial em realidade. Se não houver uma ação coordenada, a região pode ficar à margem dessa revolução, sem poder de decisão sobre o próprio futuro tecnológico.

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