A manifestação do Itamaraty condenando os ataques de Israel ao Irã soa, à primeira vista, como uma reafirmação de princípios caros à tradição diplomática brasileira: respeito à soberania, apego ao direito internacional, defesa da paz. Mas a forma com que essas palavras foram colocadas revela mais do que pretendem esconder. É uma resposta que parece moldada para não comprometer ninguém, tampouco oferecer qualquer consequência prática. O Brasil reagiu de forma rápida, mas não ousou sair da moldura confortável das fórmulas diplomáticas genéricas. A crise, no entanto, exige bem mais que isso.
O ataque não foi um episódio periférico. Teerã foi atingida com intensidade militar inédita, altos comandantes e cientistas foram mortos, instalações nucleares foram bombardeadas e canais de negociação foram abruptamente suspensos.
Diante desse cenário, a resposta brasileira restringiu-se a palavras previsíveis. Em tom neutro, expressa “firme condenação” à ação israelense e menciona preocupação com os riscos à paz e à segurança mundiais. Não há menção a consequências políticas, convocação de representantes diplomáticos, articulação com outros membros do BRICS ou iniciativa nos fóruns multilaterais. O governo brasileiro, mais uma vez, opta por uma retórica que preserva sua tradição de neutralidade, mas ignora o novo cenário que ele próprio ajudou a construir ao acolher o Irã no bloco.
O ingresso iraniano no BRICS em 2024 redefiniu o posicionamento do Brasil no sistema internacional. Embora o grupo não preveja mecanismos de defesa coletiva, compartilha princípios que incluem soberania, multipolaridade e contestação à ordem internacional dominada por potências ocidentais. Quando um dos membros é alvo direto de uma ofensiva com esse grau de gravidade, o silêncio ou o gesto protocolar já não são neutros. O Brasil se vê, agora, obrigado a responder a expectativas concretas de solidariedade política — ou a lidar com a acusação de incoerência.
Esse é o dilema que a diplomacia brasileira tenta contornar. O país tem interesses relevantes com os dois lados da disputa. Israel é um parceiro em segurança, agronegócio e tecnologia. Ao mesmo tempo, a aproximação com o Sul Global, consolidada no G20 e no próprio BRICS, exige alinhamento simbólico e, em certos momentos, posicionamentos mais claros. A manifestação oficial brasileira evita qualquer gesto que possa ser interpretado como escolha. Mas, diante da gravidade do ataque, a omissão de gestos concretos já constitui um posicionamento, especialmente quando observada por aliados estratégicos recém-incorporados.
É preciso reconhecer que essa postura enfraquece a própria narrativa internacional que o país vem construindo. O Brasil busca ocupar um lugar de destaque como voz da moderação, defensor da paz e articulador entre polos geopolíticos em conflito. Essa pretensão, no entanto, perde força quando, diante de uma violação de soberania com amplo impacto internacional, a diplomacia brasileira se limita a expressões genéricas. Ela fala, mas não age; e ao não agir, o Brasil se distancia da liderança que afirma desejar exercer.
Em situações como essa, a consistência entre o que o país declara e as medidas que ele de fato adota torna-se evidente e exigida. A comunidade internacional, especialmente os parceiros do Sul Global, observa atentamente a conduta diplomática de cada Estado. Essa capacidade de alinhar discurso e ação revela se um governo está disposto apenas a manter a previsibilidade tradicional ou se pretende transformar intenções diplomáticas em políticas e ações concretas e eficazes.
Neste episódio, o Brasil escolheu não tensionar suas alianças, mas também não reafirmou com clareza o compromisso com o novo desenho multipolar que promove em discursos. O ataque israelense ao Irã representa um teste à consistência da atuação brasileira. Diante dele, as palavras do Itamaraty importam menos pelo que dizem e mais pelo que deixam de fazer acontecer.