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Análise: Estado brasileiro funciona como uma engrenagem de redistribuição de privilégios

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Análise: Estado brasileiro funciona como uma engrenagem de redistribuição de privilégios

Elon Musk acusa Donald Trump de estar ligado ao escândalo de Jeffrey Epstein. Trump ameaça cortar contratos bilionários com a SpaceX, etc. O episódio e seus desdobramentos parecen o roteiro de um reality show político – e talvez seja mesmo. Mas serve como alerta: quando o poder econômico se sente dono do poder público, o interesse coletivo é o primeiro a ser descartado. No Brasil, alianças entre governos e grandes fortunas seguem a mesma lógica. A diferença é que aqui, raramente causam escândalo. Foram naturalizadas.

A briga Trump–Musk é só uma chave de leitura. O que ela escancara, nós vivemos todos os dias: a submissão do Estado a interesses empresariais concentrados. A população, especialmente a mais pobre, paga a conta — em forma de desigualdade, serviços públicos precários e ausência de justiça fiscal. O Brasil vive, há décadas, sob a lógica do patrimonialismo e do fisiologismo. E o custo disso é social, institucional e ético.

Histórico emblemático

Casos emblemáticos ajudam a entender como chegamos até aqui. Nos anos 1990, o escândalo dos “Anões do Orçamento” revelou o uso de emendas parlamentares para desviar recursos públicos por meio de obras fantasmas e entidades de fachada. Em 2006, o caso dos “Sanguessugas” mostrou como verbas federais para ambulâncias eram distribuídas a partir de negociações espúrias entre empresários e congressistas. Em vez de desaparecer, a prática evoluiu.

Mais recentemente, o chamado “orçamento secreto” permitiu que bilhões de reais fossem distribuídos sem critérios públicos, favorecendo parlamentares alinhados ao Executivo. Muitas vezes, os recursos iam parar nas mãos de empresas com vínculos políticos em prefeituras e estados. Os critérios técnicos foram substituídos por acordos informais de conveniência.

Outro mecanismo são os benefícios fiscais concedidos a grandes empresas. Em estados como Goiás, Amazonas ou Mato Grosso do Sul, programas de incentivo industrial garantem isenções bilionárias sem contrapartidas bem definidas. Segundo dados da Receita Federal, em 2025 os estados brasileiros deixarão de arrecadar mais de R$ 266 bilhões por conta dessas renúncias. Esse dinheiro poderia financiar escolas, hospitais, creches e programas sociais.

No plano federal, a captura regulatória também mostra como o poder econômico molda as regras do jogo. Agências como ANEEL ou ANTT muitas vezes operam pressionadas por setores que deveriam regular. O resultado é previsível: tarifas moldadas por conveniência, licitações desenhadas sob medida e políticas públicas que beneficiam grupos específicos.

Regulamentação do lobby está entre as soluções

Esse conjunto de práticas revela algo maior: o Estado brasileiro funciona, em muitos aspectos, como uma engrenagem de redistribuição de privilégios. A máquina pública, ao invés de garantir direitos e reduzir desigualdades, tem servido como ferramenta de manutenção da desigualdade. Romper esse ciclo exige ação em três frentes.

Primeiro, transparência integral. Emendas, incentivos e contratos precisam ser acessíveis em tempo real, com identificação clara de beneficiários e metas públicas de retorno social.

Segundo, fortalecimento das instituições de controle. Tribunal de Contas da União, Controladoria-Geral da União e Ministério Público Federal precisam se concentrar menos em escândalos pontuais e mais em desvios estruturais, recorrentes e institucionalizados.

Terceiro, regulamentação formal do lobby. O acesso de empresas e grupos econômicos ao poder não pode seguir operando informalmente. Uma lei de lobby com registro público, agendas obrigatórias e divulgação de interlocuções reduziria a assimetria de acesso ao Estado.

Dar nomes aos responsáveis exige cautela e evidência jornalística. O objetivo aqui não é a acusação, mas a análise. Já sabemos que o problema não são apenas os indivíduos, mas o modelo que permite que eles operem com tanta fluidez.

O episódio entre Trump e Musk gerou ruído internacional. No Brasil, episódios semelhantes costumam ser resolvidos em silêncio — muitas vezes com aplausos. Enquanto elites econômicas e políticas seguirem definindo prioridades públicas a portas fechadas, o Estado continuará falhando em sua função mais básica: servir à sociedade, e não aos donos do poder.

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