A proposta do artigo abaixo é analisar a política agrária e agrícola do governo Lula 3 (2023-2026) a partir da reativação do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), da ampliação do crédito rural via PRONAF e da relação com os movimentos sociais do campo. A análise se embasa em dados atualizados, documentos oficiais e críticas de movimentos e organizações sociais.
A expectativa de retomada de uma política agrária consistente, com foco nas iniciativas para a agricultura familiar e camponesa, acompanhou a reeleição de Lula em 2022 e sua plataforma de realizar um governo de frente ampla.
Com a recriação do Ministério do Desenvolvimento Agrário (que havia sido extinto no governo Temer) e a retomada do discurso da reforma agrária, setores da sociedade civil organizada, como o MST e a CPT, viram na nova gestão do PT uma possível inflexão diante da hegemonia do agronegócio.
Recentemente foram divulgados dois documentos que trazem uma série de informações e a grave situação sobre a situação estrutural e política da questão agrária no Brasil, são eles:
1 – Política Territorial, Fundiária e ambiental: balanço parcial do governo Lula 3 (2023/2024);
No fim de junho de 2025, o lançamento do novo Plano Safra, com sua previsão assimétrica de prover cerca de R$ 516,2 bilhões para o agronegócio e apenas R$ 89 bilhões para a agricultura familiar evidenciou qual é o projeto agrícola para o país.
Estamos no terceiro ano de governo, e o cenário revela tensões não resolvidas, políticas no estilo “devagar-quase-parando”, um modelo agrário concentrador e uma agricultura ainda essencialmente orientada à exportação.
Além disso, a percepção sobre Tarcísio de Freitas (governador de São Paulo) como sucessor político de Bolsonaro e provável candidato a presidente é avultada no meio do Agro empresarial. Em especial durante os grandes eventos do agronegócio.
Mudança de atribuição e enfraquecimento
O MDA retomou a sua atribuição ministerial no governo Lula 3 com funções ampliadas para a governança fundiária, agroecologia e agricultura familiar. Contudo, há fragilidades institucionais e orçamentárias que limitam a capacidade de implementação dessas iniciativas.
Apesar de compromissos assumidos com movimentos sociais, como os ocorridos na reunião de abril de 2025, no Mato Grosso, os avanços concretos ainda são reduzidos ou restritos a crédito e criação de leis.
A própria estrutura política do governo atual tem colocado o MDA à margem das prioridades do governo, apesar da recente promulgação de normas e leis. A agenda agrária e fundiária não figura entre as prioridades do Executivo, o que se reflete na destinação orçamentária e na influência limitada do Ministério em decisões centrais.
A condução da política agrícola está fortemente voltada às demandas do agronegócio, com apoio do sistema financeiro e de outros ministérios mais influentes, como a Casa Civil e a Agricultura.
O Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) alcançou em 2023-2024 o maior volume de sua história: R$ 71,6 bilhões, com 1,68 milhão de contratos.
O Banco do Nordeste aplicou R$ 9,4 bilhões apenas na região, mais que o dobro do ciclo anterior.
Essa expansão do crédito revela a centralidade da agricultura familiar na pauta governamental, mas não se traduz automaticamente em reforma agrária ou em transformação estrutural do modelo produtivo.
Apesar do crescimento expressivo das linhas de PRONAF Agroecologia (210% em número de contratos), os valores absolutos ainda são baixos. A falta de investimento estruturado em assistência técnica e extensão rural limita a transição agroecológica, rumo a uma produção agrícola sustentável, que gere renda substantiva e produção de alimentos saudáveis e sem veneno.
Reforma agrária: retomada sem diáogo
O “Terra da Gente” foi anunciado como símbolo da retomada da reforma agrária. No entanto, críticos apontam que o programa não apresentou rupturas reais com o modelo de regularização fundiária que já vinha sendo executado desde governos anteriores.
Em vez de acelerar novos assentamentos com infraestrutura e apoio produtivo, o programa priorizou regularizações de áreas já ocupadas há anos, o que gerou a percepção de que o governo está “maquiando” números para inflar o desempenho.
Movimentos como o MST e a CPT alertaram que o programa foi lançado sem diálogo estruturado com as organizações que historicamente constroem a luta pela terra no Brasil. O nome do programa, apesar de simbólico, não foi acompanhado por diretrizes participativas, e o ritmo de implementação segue lento. Há ausência de metas claras, falta de cronogramas públicos e baixa transparência sobre os critérios de seleção das famílias beneficiadas.
No relatório Política Territorial, Fundiária e ambiental: balanço parcial do governo Lula 3 (2023/2024) menciona-se a noção de “caos fundiário” como instrumento – leia-se política – de manutenção da grilagem e da desigualdade territorial. Esse caos continua, na forma da integração indevida entre registros públicos, cadastros e sistemas de informação que permitem a legalização de terras ilegalmente apropriadas, dificultando o mapeamento e a destinação de terras públicas.
A falta de articulação entre os entes federados, INCRA e MDA (a exemplo de diversas políticas púbicas do governo), agrava esse quadro, especialmente em estados como Maranhão, Bahia e Tocantins que são considerados a última grande fronteira agrícola.
Exclusão permanece
Isto é, a permanência da grilagem, da violência contra comunidades tradicionais e povos originários e da ausência de regularização fundiária denunciam a continuidade de uma estrutura excludente. E essa omissão do governo Lula 3 diante dos conflitos fundiários está corroendo sua legitimidade entre os sujeitos do campo.
E ficam as perguntas:
O governo, no que depende apenas dele, está disposto em construir e executar um projeto de desenvolvimento socioambiental rural no Brasil que remeta a coletividade e a participação popular?
O governo age em prol da sustentabilidade e agroecologia para a sociedade brasileira?
E o que foi prometido no Plano de governo eleito em 2022 para a agricultura familiar e camponesa?
O país, em especial a população rural que vive da agricultura familiar e camponesa, segue aguardando estas respostas.