O Rio de Janeiro revela-se uma cidade cada vez mais sitiada pelo crime organizado. Na manhã de 28 de outubro de 2025, carros blindados da polícia entraram nos complexos do Alemão e da Penha para prender líderes de quadrilhas. Houve tiroteios, avenidas foram bloqueadas, ônibus sequestrados, universidades e escolas foram fechadas, e drones lançaram explosivos improvisados sobre os policiais que avançavam. Até o início desta terça-feira 29, o estado já havia confirmado 81 pessoas presas e 121 mortos na Operação Contenção, entre eles quatro policiais, no confronto mais sangrento da em um único dia no Rio em décadas.
A economia criminosa do Brasil deixou os becos para ocupar também salas de reuniões, constar de balanços patrimoniais e cadeias de suprimentos essenciais. Na última década, o mercado criminoso do Brasil se expandiu por todos os estados e até mesmo em outros continentes. As maiores facções de drogas, como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV), estão no centro de redes franqueadas.
As milícias do Rio, grupos paramilitares formados por policiais na ativa e aposentados, monetizam o controle territorial por meio de proteção, transporte, construção e serviços públicos. À medida que esses grupos se profissionalizaram, eles diversificaram suas operações, que vão do tráfico de cocaína ao contrabando de ouro, pagamentos digitais e serviços públicos. Quando os grupos armados do Brasil competem por mercados ilícitos, a violência pode atingir níveis comparáveis aos de zonas de guerra.
Nada ilustra melhor o novo modelo de negócios do que o comércio ilegal de combustíveis. Como escrevi no The Conversation no final de agosto, as autoridades executaram cerca de 350 mandados em oito estados na Operação Carbono Oculto, alegando bilhões de reais lavados por meio de importações de derivados de petróleo e uma rede de mais de mil postos de gasolina.
De 2020 a 2024, cerca de R$ 52 bilhões em fluxos suspeitos passaram por fintechs, uma delas agindo como um banco paralelo. Fundos fechados supostamente investiram em usinas de etanol, frotas de caminhões e um terminal portuário, dando aos lucros ilícitos um verniz de respeitabilidade.
No mercado financeiro, os investidores estão cientes dos perigos. Nos últimos meses, os fundos de investimento finalmente começaram a tratar a infiltração criminosa como um risco material. Os analistas estão analisando cada vez mais quais cadeias logísticas, instituições de pagamento e fornecedores regionais podem estar expostos.
Governança criminosa
Equipes de segurança corporativa estão mapeando extorsão e controle das milícias em setores da cadeia produtiva com a mesma atenção dedicada às ameaças cibernéticas. A reação do mercado aos ataques de agosto, feitos em resposta à operação “Carbono Oculto”, foi um lembrete: o crime organizado não apenas gera violência, mas distorce a concorrência, prejudica as empresas em conformidade e impõe um imposto oculto aos consumidores. Não é de surpreender que, em setembro, o Ministro da Fazenda Fernando Haddad tenha anunciado a criação de uma nova unidade policial dedicada a combater crimes financeiros.
A “governança criminosa” se espalhou das prisões para os centros financeiros. Nos feudos do Rio, as quadrilhas e milícias operam como bandidos tradicionais, controlando o território e as cadeias de suprimentos. Enquanto isso, as franquias do PCC e do CV se expandiram para o interior e para a Amazônia, buscando auferir lucros maiores através do contrabando de ouro e madeira e da logística fluvial ilícita. Essas facções estão operando além das fronteiras, com organizações criminosas da Colômbia, Peru e Venezuela.
Ferramentas de fiscalização não acompanharam a evolução do crime
O número de vítimas humanas continua a ser impressionante, mesmo com a melhora das estatísticas agregadas nacionais. Em 2024, o Brasil registrou 44.127 mortes violentas intencionais, o nível mais baixo desde 2012, mas que ainda assim significa mais de 120 homicídios por dia. A geografia da intimidação se expandiu: uma pesquisa do Datafolha encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública constatou que 19% dos brasileiros – cerca de 28,5 milhões de pessoas – vivem atualmente em bairros com presença clara de facções ou milícias, um aumento de cinco pontos em um ano.
As ferramentas de fiscalização do Estado não acompanharam a evolução do modelo de negócios do crime organizado. Incursões espetaculares e ocupações temporárias trazem manchetes e contagem de corpos, mas pouca perturbação do mercado. As polícias estaduais, há muito consideradas as mais letais do mundo, raramente desarticulam grupos criminosos.
As políticas estaduais e municipais também tornaram-se cada vez mais vulneráveis: financiamento de campanhas ou contratos de obras públicas e licenciamento tornaram-se canais para o poder do crime. A operação federal em agosto foi uma rara exceção e a prova de um conceito: o do trabalho integrado de policiamento visando o dinheiro do crime, não apenas os homens com rifles.
Se os legisladores brasileiros estão falando sério, eles precisam tratar o crime organizado como uma falha do mercado nacional e reagir em nível nacional. Isso começa colocando o governo federal no comando de forças-tarefa interinstitucionais permanentes que unam a polícia federal, a procuradoria-geral, a autoridade fiscal, as unidades de inteligência financeira, os reguladores de combustível e de mercado, além do Banco Central.
É preciso mais condenações e menos contagens de corpos
Essas equipes precisarão de um mandato claro para operar além das fronteiras estaduais e realizar quatro tarefas simples: rastrear pagamentos de risco em tempo real; publicar uma lista confiável de quem realmente é proprietário de empresas que controlam combustível, portos e outros ativos estratégicos; conectar dados fiscais, alfandegários, de concorrência e de mercados para que uma bandeira vermelha em um lugar acione verificações nos outros; e usar tribunais rápidos para congelar e recuperar dinheiro sujo.
Os incentivos precisam ser alterados para que a polícia e os promotores sejam recompensados por condenações e apreensões de ativos, e não pela contagem de corpos. E onde grupos criminosos assumiram o controle de serviços como transporte ou serviços públicos, eles precisam ser colocados sob controle federal temporário e realizar licitações limpas e monitoradas de perto para devolvê-los aos fornecedores legais.
O Brasil já provou que pode realizar grandes incursões com efeitos devastadores contra o crime. O teste agora é fazer com que o trabalho mundano da lei – investigações, criação de casos, conformidade e contabilidade – seja mais decisivo do que o espetáculo. Se isso não for possível, o próximo fechamento de uma grande cidade será uma só uma questão de tempo.





