No dia 28 de outubro, 2.500 agentes das Polícias Militar e Civil do Rio de Janeiro conduziram uma operação nos Complexos do Alemão e da Penha, na Zona Norte do Rio. A chamada “Operação Contenção” terminou com 121 mortos, entre eles 4 policiais. O governo do Estado do Rio alega que as vítimas eram integrantes de quadrilhas de traficantes de drogas que operavam naquelas regiões.
O governador do Rio, Cláudio Castro, disse que a operação mais letal da história do estado foi “um sucesso” na luta ao narcotráfico. Na verdade, é muito mais provável que essa operação não mudará muito a realidade do tráfico de drogas na cidade, nem acabará com o mais amplo problema do crime organizado.
Modelo não é novo e já não deu certo
As razões para isso se encontram na história das quadrilhas e do policiamento no Rio e na realidade dos arranjos entre elas e partes das forças policiais, como mostrei em meu livro recém-publicado sobre a história das quadrilhas e facções cariocas.
Primeiramente, o modelo adotado na Operação Contenção não é novo – senão no número dos mortos: ela é simplesmente a versão extrema de operações que se repetem desde a década de 1980. Letalidade da polícia é fenômeno comum no Rio, e atingiu níveis recordes há alguns anos (1.814 mortes decorrentes de intervenção policial em 2019).
A grande maioria das operações repetem o mesmo padrão: intervenções rápidas, focadas em prisões, apreensões de drogas e armas, e – de fato – mortes de suspeitos. Com a exceção da política de Pacificação dos anos 2010, essas operações claramente não visam a garantir uma presença estável das polícias em territórios controlados pelas quadrilhas criminais. A Operação Contenção segue este padrão, que nunca obteve sucesso até agora.
Estrutura vertical das quadrilhas
O que é mais importante é que as quadrilhas do Rio se adaptaram a sobreviver a esse padrão de operações. Desde a década de 1980, as quadrilhas de traficantes adotam a mesma estrutura vertical, com um dono no topo, um fiel escudeiro abaixo dele, alguns gerentes de boca ou de produto, e um grupo mais amplo de “vapores” e “soldados”. Esta estrutura é flexível, já que pode mudar de acordo com as condições do tráfico local. E todos os seus membros são substituíveis.
Quadrilhas têm tamanho pequeno, comparado ao número de habitantes dos territórios que eles controlam – então, sempre existem bastante recrutas disponíveis para compensar as baixas. Do aviãozinho mais novo até o dono, ninguém é indispensável. Já na década de 1980, quadrilhas importantes, como as da Rocinha ou do Borel, conseguiam substituir até os seus donos no espaço de algumas horas. Prisões e mortes não atrapalham muito o trabalho do tráfico.
Corrupção alimenta
Como nem traficantes querem morrer, porém, a melhor opção para continuar as suas atividades criminais costuma ser pagar propina. Corrupção na polícia então se tornou uma das razões principais para a sobrevivência das quadrilhas do tráfico no Rio de Janeiro. Antes da expansão das milícias, no final da década de 1990, os jornais relatavam casos de propina paga para evitar a repressão ao tráfico – o chamado “arrego”. Esses esquemas emergem em toda a Região Metropolitana do Rio, de Duque de Caxias a Niterói e São Gonçalo.
Até nas investigações que desencadearam a Operação Contenção existem provas de colaboração entre policiais militares e traficantes, seja na recuperação de carros ou no pagamento de propina para liberar um integrante da quadrilha preso. Infelizmente, a morte de 121 pessoas não vai representar nenhum avanço na luta contra a corrupção no Estado e nas polícias em particular.
Neste momento, porém, existe a possibilidade de que esse “baque” no Comando Vermelho tenha um efeito positivo temporário de choque contra a facção. A expectativa é que uma ação de tamanha letalidade possa deter ações violentas de quadrilhas afiliadas ao CV, e especialmente as menores, que têm menos recursos para enfrentar uma reação violenta da polícia.
Se isso acontecesse, poderíamos assistir à redução ou até à parada da expansão do CV no Rio em curto prazo, especialmente se milícias e quadrilhas do Terceiro Comando Puro (TCP) percebessem a oportunidade para (re)tomar territórios. Uma outra consequência possível seria a mudança de criminosos cariocas e originários de outros estados para fora do Rio. Porém, nenhuma dessas hipotéticas mudanças constituiria uma alteração radical das dinâmicas do tráfico na cidade.
É preciso focar na asfixia financeira das quadrilhas
Enfrentar com mais eficácia o crime organizado necessita de uma política de segurança muito diferente. Sabemos que prisões e mortes, inclusive no nível da Operação Contenção, não vão desmantelar as quadrilhas do Rio – também porque tamanha letalidade não é sustentável num quadro criminal complicado como o do Rio, com a presença do TCP e de múltiplas milícias.
É preciso que as polícias se concentrem em reprimir todos os grupos criminais no mesmo modo, evitando alegações de que se focam mais no CV do que nas outras quadrilhas. É preciso também mudar para um policiamento focado nos fluxos financeiros e na repressão da lavagem de dinheiro desse grupos, tornando os negócios ilícitos muito menos lucrativos, no modelo da operação da PF em São Paulo do 25 de setembro.
É necessário um foco maior na luta contra a corrupção nas Polícias do Rio. Com o fortalecimento das Corregedorias internas e de autoridades independentes que possam recolher as denúncias do cidadãos, o Estado do Rio poderia tornar mais difícil para as quadrilhas sobreviverem à repressão e, assim, reconstruir a confiança nas instituições.
