A condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro por tentativa de golpe acirrou, no campo da direita, uma disputa entre os possíveis candidatos a presidente da República. Por enquanto, os governadores Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP), Romeu Zema (Novo-MG), Ratinho Júnior (PSD-PR) e Ronaldo Caiado (União-GO) tentam se viabilizar com o apoio de Bolsonaro.
Embora a indicação do ex-presidente tenha potencial de tornar competitivo um dos governadores na eleição de 2026, falta nessa equação um exame mais atento para o lado da demanda. Muitas vezes identificada como um bloco homogêneo, em razão do posicionamento ideológico, a base bolsonarista apresenta diferenças que podem tornar o trabalho dos candidatos do campo da direita mais difícil do que aparenta, principalmente após o 8 de janeiro.
Desde 2018, o Brasil passa por um realinhamento ideológico, no qual o bolsonarismo expressa, com maior nitidez, uma direita com base social e bastante competitiva. Mas do que exatamente falamos quando classificamos “eleitores bolsonaristas”?
Para tentar responder a essa pergunta, o cientista político e professor da Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP/UERJ), João Feres Júnior, examinou uma bateria de 12 perguntas de natureza ideológica aplicadas com eleitores que votaram, no primeiro turno de 2022, em Jair Bolsonaro. Publicado recentemente na revista Opinião Pública, o estudo “O bolsonarismo como fenômeno de opinião pública” apresenta um quadro interessante das nuances existentes entre esses eleitores.
Estudo revela perfis dos eleitores
Com uso da técnica de clusterização, que consiste em medir o quanto os entrevistados apresentam respostas semelhantes às perguntas, Feres conclui que o bolsonarismo é formado por eleitores que não necessariamente pensam igual, apesar de terem votado no ex-presidente. Embora Bolsonaro seja o ponto de encontro desses eleitores, as razões do comportamento eleitoral desse segmento se dividem em três grupos.
O primeiro deles é o mais coeso e bem delimitado. Esse segmento é formado por eleitores liberais nas questões relativas aos valores familiares e progressistas em relação a políticas sociais e à intervenção do Estado na economia. Esse quadro sugere que a principal razão do voto em Bolsonaro tenha sido o sentimento antipetista mais forte que se espalhou no Brasil desde o início da Lava Jato, em 2014.
O segundo grupo tem como motivação central a demanda por segurança. O conservadorismo moral ou liberalismo econômico, nesse caso, é menos expressivo. Neste grupo, 69% apoiam a pena de morte e 75% se opõem à proibição da venda de armas. É um perfil também mais autoritário: 82% apoiam a militarização de escolas e 75% justificam um golpe militar “diante de muita corrupção”.
O terceiro segmento é o mais conservador nos costumes e fortemente associado à identidade evangélica. É um grupo que representa a base religiosa mobilizada por pautas morais e de defesa da família tradicional. Cerca de 89% são contra o casamento gay, por exemplo, e 62% apoiam a prisão por aborto. Este grupo revela uma contradição estratégica fundamental. Apesar do forte conservadorismo, ele é progressista em políticas de transferência de renda, com apenas 20% de oposição ao Bolsa Família. Em outras palavras, este eleitorado vota com base em valores morais, mas defende o apoio social do Estado.
Com esses resultados, podemos classificar os grupos como “Liberais Antipetistas”, progressistas nos costumes e movidos pela oposição ao PT; “Punitivistas Pragmáticos”, focados em lei e ordem; e os “Conservadores Religiosos”, o núcleo movido por valores familiares, mas dependente de políticas sociais.
Conciliação de expectativas
Esse quadro apresenta um ponto de partida para os estrategistas do campo da direita, que terão que alinhar um discurso que considere essas três dimensões das expectativas dos eleitores para ampliar a transferência de voto do ex-capitão.
No entanto, esse quadro precisa ser conjugado com a mais recente conjuntura política do país. Entre 2022 e 2026, tivemos o 8 de janeiro, as decisões do governo Trump contra o Brasil, o posicionamento de Eduardo Bolsonaro e a condenação do ex-presidente por tentativa de golpe de Estado. Esse cenário cria um complicador para o campo da direita ao menos no primeiro turno de 2026. O apoio de Bolsonaro está condicionado ao alinhamento direto com as ideias do ex-capitão e sua família, mais precisamente ao discurso anti-instituições.
Nesse sentido, os Liberais Antipetistas, especialmente, atenderão ao chamado do ex-presidente? Ou, o que é pior para a direita, os partidos poderão se movimentar para buscar uma candidatura alternativa, que seja antipetista, conservadora e punitivista, mas sem o discurso anti-instituições?
A um ano da eleição de 2026, esses eventos e o posicionamento das lideranças bolsonaristas no período vêm produzindo alinhamentos com essa base eleitoral. Se é certo que o apoio do ex-presidente amplia o potencial competitivo de um candidato, não é igualmente certo que os três grupos bolsonaristas se movimentarão em bloco na mesma direção. Os eventos pós-2022 criaram condições para novos discursos (respeito à democracia e às instituições), situação que potencializa candidaturas do campo da direita, sem o apoio de Bolsonaro, mas conservador, antipetista, punitivista e a favor das instituições.
Esta análise foi produzida e publicada com apoio do INCT ReDem – Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Representação e Legitimidade Democrática, financiado pelo CNPq.