O Brasil e outros países da América Latina e Caribe investem bilhões anualmente em subsídios para combustíveis fósseis — na forma de isenções fiscais, controle de preços e incentivos indiretos.
Embora apresentados como medidas de proteção ao poder de compra, principalmente dos mais pobres, esses subsídios também alimentam distorções profundas: aumentam o consumo de energia poluente, concentram benefícios entre os mais ricos e reduzem o espaço fiscal para políticas sociais mais justas.
Crise do petróleo nos anos 70 intensificou subsídios
Os subsídios à energia no Brasil têm origem em políticas adotadas ao longo do século XX, com destaque para as medidas implementadas a partir das crises do petróleo nos anos 1970. Segundo os Adilson de Oliveira e Tara Laan, autores do artigo “Lessons Learned from Brazil’s Experience with Fossil-Fuel Subsidies and their Reform”, até a década de 1970 esses subsídios foram sendo ampliados de forma gradual, favorecendo principalmente a indústria, consumidores de regiões específicas e usuários de gás liquefeito de petróleo (GLP).
As crises do petróleo ocorridas nos anos 1970 intensificaram esse apoio, que atingiu patamares insustentáveis nos anos 1980. Embora o foco principal dessas políticas fosse estimular a industrialização, elas também serviram a objetivos sociais e ambientais. Um de seus objetivos principais era assegurar que a energia permanecesse acessível para todos, especialmente as famílias de baixa renda, garantindo que essas famílias de baixa renda tivessem acesso a energia a preços acessíveis.
Hoje, essas políticas continuam sendo mantidas principalmente pela dificuldade de se reestruturar sistemas de apoio estatal em contextos de desigualdade e temor da impopularidade trazida com uma redução ou retirada de subsídios.
Muitas tentativas de implementar reformas energéticas frequentemente desencadearam em reações sociais fortes e ampla insatisfação popular. Além disso, em muitos países, os combustíveis fósseis são os principais vetores energéticos disponíveis.
No Brasil, os subsídios aos combustíveis fósseis representaram mais de R$ 80 bilhões em 2023, segundo monitoramento feito pelo Inesc. Parte significativa desses valores foi destinada a renúncias fiscais sobre combustíveis e gás natural, que beneficiam de forma desproporcional os consumidores com maior renda — os que mais consomem esses produtos.
Recursos públicos devem garantir transição ecológica justa
Em um artigo publicado na revista Global Environmental Change, eu e Yan Vieites, Bernardo Andretti, Mariana Weiss e Michelle Hallack argumentamos que eliminar de forma programada os subsídios aos combustíveis fósseis seria uma maneira eficaz de avançar tanto na agenda ambiental quanto na justiça social. Isso permitiria que os recursos públicos fossem redirecionados para políticas sociais mais eficientes.
Embora os subsídios aos combustíveis fósseis ainda sejam amplamente praticados na América Latina e Caribe, eles geram algumas ineficiências e alguns impactos indesejados. Apesar de serem frequentemente defendidos como forma de garantir energia acessível, as famílias mais ricas acabam capturando a maior parte dos recursos dos subsídios, já que consomem mais energia em seu dia a dia. Sendo assim, os subsídios poderiam ser melhor utilizados de forma a garantir uma transição ecológica justa e com ações mais concentradas na população de baixa renda.
Uma pesquisa realizada em 11 países latino-americanos, incluindo o Brasil, com mais de 5 mil participantes, mostrou que a maioria das pessoas quase não tem conhecimento sobre a existência de subsídios para combustíveis fósseis — principalmente para combustíveis, e em menor grau para eletricidade. Além disso, os cidadãos, em geral, gostariam que os subsídios fossem aumentados em seus países.
No entanto, o estudo mostrou que aceitação pública para a retirada de subsídios depende fortemente do tipo de argumento apresentado. Quando os cidadãos são expostos às consequências negativas atuais dos subsídios — como o impacto fiscal, o estímulo à poluição ou a injustiça distributiva — eles se mostram mais favoráveis à mudança.
Já quando o foco está apenas nos benefícios futuros prometidos, como melhorias em saúde ou educação, a aceitação é menor. Ainda mais eficaz é a apresentação de informações completas e equilibradas, que incluam tanto custos quanto potenciais ganhos.
A psicologia social aplicada ao comportamento econômico ajuda a entender por que essa política continua tão difícil de ser reformada. Um dos efeitos mais poderosos é a aversão à perda: as pessoas reagem mais fortemente à perspectiva de perder algo que já possuem (como o desconto no combustível) do que à promessa de um benefício futuro incerto.
Outro fator é a ambiguidade informacional: quando a mudança de política é apresentada de forma genérica ou sem clareza nos impactos, aumenta a resistência, especialmente entre os grupos mais vulneráveis.