Depois que o ativista digital Eli Pariser lançou o livro “O Filtro Invisível: o que a internet está escondendo de você”, a palavra “bolha” caiu nas graças dos usuários de internet, e hoje muitos brasileiros reconhecem que têm a “sua bolha”. Já a expressão “furar a bolha” apareceu logo depois, em referência a algum conteúdo que tenha se tornado conhecido por todo mundo – independente da bolha de cada um.
Pois foi assim que muita gente na imprensa e nas redes sociais se referiu ao tão falado vídeo-documentário “Adultização”, do influencer Felca Bressanim Pereira, que “furou a bolha” e alcançou dezenas de milhões de visualizações em poucos dias. A popularidade do vídeo, que mostra como é fácil ingressar na bolha dos pedófilos e também revela como plataformas digitais e influencers lucram com a chamada “adultização” de crianças e adolescentes, fez com que uma enxurrada de projetos de lei sobre o assunto caísse no colo do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos).
Segundo informações de bastidores do governo, a intenção da Câmara de dar uma resposta clara à pressão da sociedade civil e de entidades ligadas aos direitos da infância, que há meses exigem novas regras para regular a atuação das plataformas digitais, fez com que fosse aprovado, na terça-feira, dia 19 de agosto, o requerimento de urgência do PL 2628/2022, de autoria do senador Alessandro Vieira (MDB).
Chamado de ECA Digital, em referência ao Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990, o PL 2628 possui 40 artigos, que são resumidos em cinco pilares por Lais Peretto, diretora-executiva do Childhood Brasil, no podcast O Assunto:
O primeiro pilar estabelece a obrigatoriedade de segurança desde a concepção, o que significa que plataformas digitais – incluindo redes sociais, jogos eletrônicos e aplicações similares – devem desenvolver seus produtos e serviços priorizando integralmente a segurança de crianças e adolescentes, integrando medidas protetivas em sua própria arquitetura;
O segundo pilar exige transparência algorítmica das plataformas, que devem adotar medidas para prevenir que menores acessem conteúdos perigosos, danosos ou criminosos, como os que envolvem exploração sexual, violência, assédio, bullying, incentivo a vícios e promoção de jogos de azar.
O terceiro trata da remoção ágil de conteúdos ilegais, prevendo mecanismos eficientes para que, uma vez identificados, os conteúdos considerados ilegais ou prejudiciais ao público infanto-juvenil sejam retirados do ar com a máxima celeridade, minimizando seu alcance e impacto;
O quarto é a proibição do perfilamento e da publicidade direcionada, vedando expressamente a utilização de dados de crianças e adolescentes para criar perfis com fins comerciais, além de proibir técnicas de análise emocional e realidades virtual e aumentada para direcionar anúncios a esse público;
Por fim, o quinto pilar estabelece mecanismos robustos de fiscalização e denúncia, cobrando ferramentas acessíveis para que usuários reportem violações, exigindo das plataformas a notificação às autoridades e reterem provas digitais para investigação, e atribuindo ao Poder Público a função de regulamentar e fiscalizar o cumprimento da lei, assegurando sua efetividade.
Entretanto, ainda que a pauta da proteção de crianças e adolescentes seja capaz de furar a bolha que separa o governo da oposição, o PL 2628 tem encontrado resistência na Câmara. Segundo a Agência Brasil, deputada Caroline de Toni (PL-SC), líder do PL, enxergou no texto uma tentativa de censura das redes sociais, dizendo ter sido procurada por representantes de plataformas digitais que alegaram “excesso de regulamentação”.
Já a Agência Pública revela a ação do Conselho Digital, associação de lobby de empresas como Google, Meta, TikTok, Kwai e Discord, que enviou em março de 2024 uma nota técnica ao gabinete do relator do Projeto, deputado Jadyel Alencar (Republicanos), pedindo a exclusão integral do artigo que aborda as obrigações das empresas na retenção de dados de conteúdo abusivo, alegando que a legislação brasileira não deveria “impor barreiras desproporcionais ao acesso e à inovação digital”. A bolha, pelo visto, é bem maior do que muita gente pensava.
Assim, embora o PL 2628 tenha sido finalmente aprovado na Câmara dos Deputados nesta quarta-feira (20/08/2025), ainda que com mudanças feitas pelos deputados (o que demanda um retorno ao Senado para nova votação), a forma como parte dos parlamentares votou contra o projeto escancara uma contradição incômoda. Aqueles que historicamente se apresentam como defensores do lema “salvem as crianças” não hesitaram em rejeitar uma proposta voltada justamente para a proteção de crianças e adolescentes.
Esse posicionamento revela que tais valores não passam de bandeiras eleitoreiras, mobilizadas conforme a conveniência política. O voto contrário ao PL 2628 não apenas ignora a urgência de proteger os mais vulneráveis, como também deixa claro que a prioridade desses parlamentares está em atender aos interesses das Big Techs e em preservar os fundos de seus lobbies, em detrimento da segurança e do bem-estar de crianças e adolescentes.