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Análise: Só uma ciência orientada para o impacto conseguirá enfrentar os problemas do nosso tempo

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Análise: Só uma ciência orientada para o impacto conseguirá enfrentar os problemas do nosso tempo

A curiosidade é a força motriz original da ciência — foi ela que impulsionou grandes avanços do conhecimento ao longo dos séculos. No entanto, diante dos imensos desafios socioambientais contemporâneos, torna-se essencial pensar uma ciência que também dialogue diretamente com soluções concretas. Em tempos marcados pelo negacionismo, esse movimento pode parecer arriscado, pois corre o risco de ser instrumentalizado. Ainda assim, uma ciência orientada para o impacto é indispensável para enfrentar a complexidade e a urgência dos problemas que definem o nosso tempo.

Crises climáticas, perda de biodiversidade, desigualdade social, instabilidade política e avanços descontrolados em inteligência artificial formam um cenário em que simplesmente “saber mais” já não basta. Precisamos de uma ciência que produza conhecimento com impacto social e ambiental, capaz de enfrentar problemas complexos e urgentes — ela precisa de direção.

A ciência está sob ataque — e precisa se reinventar

Nos Estados Unidos, mais de US$ 10 bilhões em cortes de financiamento público devem abalar a infraestrutura científica do país, como denunciou a Forbes. O impacto desse desmonte, que afeta milhares de pesquisadores e projetos, terá efeitos globais.

Diante desse cenário, o setor filantrópico tenta preencher o vácuo. Fundos privados, fundações e coalizões surgem com a proposta de apoiar pesquisas estratégicas e políticas públicas baseadas em evidências. Um bom panorama está na análise publicada pela presidente da Scientific Philantrppy Alliance.

Mas os desafios não são apenas orçamentários. Um estudo recente revelou que a ciência está produzindo cada vez mais, mas inovando menos: há uma queda consistente na taxa de descobertas disruptivas, apesar do crescimento no número de publicações.

Novos modelos, novas ferramentas

A boa notícia é que alternativas estão surgindo. Durante o congresso Sustainability Research and Innovation (SRI), realizado em junho em Chicago — um espaço já tradicional de encontro entre pesquisadores, projetos e instituições voltadas à sustentabilidade — mais de 40 organizações internacionais participaram do evento paralelo _Funders Forum on Collective Impact for a Sustainable Future. _

A reunião fechada reuniu agências governamentais, filantropias, fundos de impacto e universidades para um diálogo crítico sobre como alinhar melhor as estratégias de financiamento para apoiar a pesquisa em sustentabilidade, a inovação e transformações sistêmicas. Houve um reconhecimento compartilhado de que uma ciência verdadeiramente transformadora exige não apenas mais recursos, mas também novos mecanismos, novas coalizões e novas formas de confiança.

Dentre modelos inovadores, um exemplo que se destaca são os Focused Research Organizations (FROs) — estruturas híbridas que combinam a estabilidade de laboratórios acadêmicos com a agilidade de startups. Eles são projetados para enfrentar grandes desafios científicos que não se encaixam nos formatos tradicionais de financiamento. Apesar das críticas de que poderiam colocar em risco o investimento público em ciência, parece ser uma resposta interessante aos vazios entre o financiamento público e privado.

Outro caso a ser acompanhado, em termos de financiamento vem da Holanda, com uma iniciativa experimental que aposta em “projetos impossíveis” — pesquisas que desafiam os limites atuais de viabilidade. Em resposta às limitações dos modelos convencionais de financiamento à pesquisa — frequentemente competitivos, rígidos e inadequados para os tipos de trabalho transformador necessários diante dos desafios complexos da atualidade. Liderada pela Foundation We Are, a força-tarefa New Ways of Funding da Dutch Climate Research Initiative (KIN) reúne pesquisadores e profissionais para repensar como os sistemas de financiamento podem apoiar melhor pesquisas colaborativas, transdisciplinares e orientadas para a ação.

No âmbito de tecnologias emergentes, também é possível encontrar bons exemplos, como a plataforma FutureHouse que explora como agentes de IA podem impulsionar ciência aberta e colaborativa. Mesmo com esse tipo de avanço em termos de ferramenta, não será suficiente para acelerar o impacto, sem transformar o cenário global de como a ciência é feita: onde, por quem e como.

A centralidade do Sul Global

Um ponto recorrente nas discussões é a urgência de descentralizar o poder na ciência. O professor Marcelo Knobel, presidente da TWAS, publicou recentemente um apelo por maior inclusão de cientistas da chamada maioria global. E ainda assim o impacto será limitado se não incluirmos iniciativas que busquem fortalecer a articulação entre diferentes formas de produção de conhecimento. O estudo Cuagu e Inovação, focando no contexto do Brasil, mostra caminhos possíveis para que conhecimentos tradicionais e locais sejam reconhecidos e valorizados no Sistema Nacional de Inovação.

Para além das limitações em termos de resultados de uma ciência transdisciplinar e conectada aos contextos, essa participação insuficiente pode gerar impactos no financiamento e no próprio estabelecimento das agendas de pesquisa e transformação. Como o caso recente das decisões do encerramento da divisão de saúde global da Gates Foundation: quem decide as prioridades da ciência global? Como evitar que recursos sejam direcionados com base em interesses distantes das realidades locais?

O que está em jogo

Diversos analistas alertam para a necessidade de novos marcos de avaliação da ciência. O Global Development Network propõe repensar os critérios de excelência, ampliando a noção de impacto e relevância GDN. Outros argumentam que é hora de medir também o quanto a ciência é inclusiva, e não apenas produtiva Global Policy Journal.

A ciência do futuro precisa unir curiosidade e responsabilidade, rigor e inclusão, imaginação e ação coordenada. E para isso, ela precisa ser financiada, avaliada e institucionalizada de forma diferente. Ela deve ser transdisciplinar, participativa e deve atender aos anseios de um mundo mais justo, adaptado às mudanças climáticas e prospero para todos.

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