O oceano está sob uma pressão crescente. As atividades humanas diárias geram impactos que se acumulam no ambiente marinho, desde o transporte de mercadorias em navios até a exploração de petróleo e gás, passando pela poluição que sai das cidades. Diversas pesquisas mostram como essa soma de estressores é uma das maiores ameaças à fauna marinha, podendo afetar a biodiversidade em escala global.
Para tentar proteger o oceano, uma das principais ferramentas que temos são as Unidades de Conservação marinhas. Mas elas estão, de fato, protegendo as espécies nos locais mais críticos?
Na tentativa de responder a essa questão no Brasil, conduzimos um estudo abrangente como parte da tese de doutorado de Guilherme Maricato, pelo Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Evolução da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), que contou com colaboradores de diversas outras instituições.
Nosso foco foi em duas espécies-chave: a baleia-de-bryde, uma espécie de baleia que não migra, e o golfinho-nariz-de-garrafa, encontrado em águas costeiras e oceânicas ao redor do mundo. Escolhemos essas espécies porque seus hábitos as tornam particularmente vulneráveis aos impactos causados pelo ser humano no meio ambiente.
A notícia, infelizmente, não é boa: nossos resultados, que acabam de ser publicados na revista Marine Pollution Bulletin, mostram que as áreas mais importantes para a sobrevivência delas são também as mais ameaçadas.
As “áreas preferidas” dos cetáceos
Por meio de análises espaciais, particularmente modelos de distribuição de espécies, desvendamos as preferências desses animais.
Cruzamos milhares de registros de ocorrência de baleias-de-bryde e golfinhos-nariz-de-garrafa com dados ambientais que podem influenciar a presença desses animais. Por exemplo, características como a temperatura da água, a profundidade e até a produtividade do oceano, que é um indicador de alimento.
Com isso, criamos um mapa mostrando as áreas mais adequadas para as espécies em questão. O resultado indicou, de forma contundente, que a região sudeste do Brasil é a “área preferida” delas. Sobre a plataforma continental, essas áreas estão em águas mais rasas (até 1000 m) e ricas em nutrientes, muitas vezes associadas a águas mais frias e encostas íngremes do fundo do mar, que trazem alimento à superfície.
O problema da sobreposição
No entanto, as “áreas preferidas” (ou mais adequadas) que identificamos não são exclusivas de baleias e golfinhos. O sudeste também é uma área economicamente importante para o Brasil no mar, impulsionado pelas atividades nas bacias de Santos e de Campos, onde recentemente foi descoberto um novo poço de petróleo.
Em uma segunda etapa da pesquisa, sobrepusemos nosso mapa de áreas mais adequadas para as espécies com um mapa de atividade humana. Isso incluiu a presença de portos, blocos de exploração de petróleo e gás e rotas de embarcações diversas.
O resultado é uma sobreposição quase perfeita. Onde as baleias-de-bryde e os golfinhos-nariz-de-garrafa mais costumam estar coincide com o local onde a atividade humana é mais intensa.
Por que as unidades de conservação não estão protegendo esses animais?
O Brasil expandiu sua cobertura de proteção nos últimos anos, criando quatro grandes áreas de conservação marinha, o que é uma ótima notícia. No entanto, o xis da questão está na qualidade dessa proteção.
Em 2024, também participamos de um esforço colaborativo global, cujos resultados foram publicados na revista científica Marine Policy. Eles revelaram que a grande maioria da área demarcada como protegida do Brasil, na verdade, permite atividades que não condizem com a conservação da biodiversidade.
Essa falha de qualidade também ficou clara no nosso estudo. Descobrimos que a maioria das Unidades de Conservação marinhas no Sudeste, mesmo as mais efetivas, são costeiras. Elas não alcançam as áreas adequadas para as espécies em questão, que são mais impactadas pela exploração de petróleo e gás.
E quanto às áreas protegidas oceânicas que o Brasil criou? Elas estão, em grande parte, em locais que não são os mais adequados para essas duas espécies ou não possuem conflitos com a atividade humana. Na prática, há um debate se estamos protegendo os lugares certos ou se estamos deixando os pontos mais críticos de biodiversidade e conflito desprotegidos.
Os impactos reais do conflito
O risco de colisão com navios é constante. Baleias e golfinhos precisam vir à superfície para respirar e, em áreas de tráfego intenso como o sudeste, o risco de serem atingidos por embarcações é alto. Já o ruído constante – tanto dos motores de navios quanto da exploração de petróleo e gás – interfere na orientação, comunicação e caça de baleias e golfinhos.
Além disso, há o risco de emalhe em redes de pesca, principalmente em áreas com intensa atividade pesqueira, resultando em uma captura acidental (bycatch). Finalmente, a poluição vinda dos portos e derramamentos de óleo pode degradar a saúde desses animais e enfraquecer seus sistemas imunológicos.
Nosso mapa final, que chamamos de “índice de exposição”, resume a história: as zonas em azul-escuro mostram as áreas mais adequadas para os animais, onde há mais estressores e a proteção é baixa.
Um mapa para o futuro
Nossos resultados são um importante alerta. Não basta apenas criar Unidades de Conservação marinhas. Elas precisam estar nos locais certos, protegendo as espécies onde elas são mais vulneráveis. E mostramos que é uma necessidade urgente rever as estratégias de conservação no Brasil.
Além de fortalecer a rede de Unidades de Conservação marinhas, precisamos de ações de manejo específicas para reduzir os conflitos. Enquanto a redução da velocidade de navios pode proteger as baleias de colisões, a criação de zonas de exclusão de pesca e o uso de repelentes acústicos podem evitar que golfinhos fiquem presos em redes.
O mais importante, porém, é que essas ações sejam aplicadas nos locais de maior exposição, para que a conservação seja, de fato, efetiva. Proteger a biodiversidade e manter a atividade econômica é um desafio complexo, mas agora já temos um mapa para começar essa conversa.
_Este projeto contou com financiamentos da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), da Coordenação de Pessoal de Nível Superior (Capes) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Também agradecemos o apoio do Laboratório de Ecologia e Conservação Marinha (ECoMAR-UFRJ), Projeto Baleia Jubarte, Projeto Ilhas do Rio, Projeto de Monitoramento de Cetáceos, Sistema de Apoio ao Monitoramento de Mamíferos Marinhos, Marine Conservation Institute e Projeto Coral Vivo. E a publicação deste artigo contou com o apoio da Capes. _








