“Paulo Leminski era um elo entre a cultura e a contracultura. Ao mesmo tempo, erudito e popular, fácil e difícil, caprichoso e relaxado. Sempre libertário na forma e no conteúdo.”
O poeta e músico Arnaldo Antunes compartilhou memórias da relação que tinha com o autor homenageado pela 23ª Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), na noite desta quarta-feira (30) durante a mesa de abertura do evento.
Além de apresentar e comentar obras de seu amigo Leminski, o artista lembrou cenas que viveram juntos e contou da parceria entre os dois na arte. Foi aplaudido diversas vezes após recitar poesias e cantar no palco. Ao final, os aplausos vieram do público em pé.
“Quando eu conheci a poesia dele, era como uma peça que se encaixava, para mim, entre a poesia concreta e a tropicália”, lembrou.
Homenageado desta edição, Paulo Leminski (Curitiba, 1944-1989) é conhecido especialmente pela poesia. No entanto, ele foi também ensaísta, biógrafo, músico, publicitário, judoca faixa-preta e tradutor de autores como Samuel Beckett, James Joyce e Petrônio.
“Ele discorria com desenvoltura sobre poesia de várias épocas, línguas e culturas. Mas era uma erudição sem ostentação, sem empáfia nenhuma, trazendo dos clássicos o que era vital, o que continua a nos dizer alguma coisa hoje em dia”, disse Antunes.
Abertura da 23ª Festa Literária Internacional de Paraty, no Auditório da Matriz – Rovena Rosa/Agência Brasil
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O Auditório da Matriz estava lotado para o evento, mas quem ficou de fora também conseguiu assistir à abertura da Festa pelo Auditório da Praça – um telão e cadeiras sob uma grande tenda, instalados ao lado da Igreja da Matriz. A transmissão pôde ser vista a partir da praça em frente e também das ruas laterais.
Curadora da Flip, Ana Lima Cecilio contou que a poesia está espalhada pela cidade, não só no programa principal, mas no palco Caprichos e Relaxos e em todas as casas parceiras.
“O Leminski serviu como norte pra montar uma programação, além de cheia de poesia, com muita arte misturada. Ele fazia também música e pensava poemas visuais. Isso está refletido na programação inteira”, disse.
A curadora lembrou que Leminski, além de amigo, foi uma grande inspiração para Antunes: “Eles eram muito próximos, não só na amizade mas também na arte. É uma bela abertura pra inaugurar essa festa na cidade, que está linda”.
Amizade e parceria
Entre as histórias da carreira de Leminski, Arnaldo Antunes ressaltou as biografias bastante diversas que ele escreveu. “Ele fez a biografia de [Jesus] Cristo, de [Matsuo] Bachô, de Cruz e Souza e de [Leon] Trotsky. Isso revela a explosão dos interesses dele, o olhar multifacetário que ele tinha.”
Arnaldo Antunes contou que conheceu a obra do Leminski antes de conhecê-lo pessoalmente. O primeiro contato foi com o romance Catatau, que ganhou de presente no final dos anos 70.
“Me deslumbrou pelo seu jorro extenso e intenso de insights”, disse Antunes.
“Eu li sem me prender ao enredo, mas tomado por aqueles jogos sonoros de aliterações, paronomásias, redes de sons e sentidos e subversões sintáticas – tudo que ele trazia”, acrescentou.
Paulo e Arnaldo se conheceram pessoalmente por volta de 1985: “Eu lembro de ter uma empatia imediata com ele quando conheci. Ele era do tipo da pessoa que te deixava inteiramente à vontade logo de cara.”
Arnaldo Antunes contou que algumas vezes chegou a hospedar Leminski e sua esposa à época Alice Ruiz, também poeta, em seu apartamento em São Paulo, que ficava na esquina da Avenida Paulista com a Avenida Consolação, onde morava com Go, com quem era casado.
“Eu lembro deles chegando, o Paulo chegava com um casaco de couro, já punha um disco do Sex Pistols na vitrola e falando mil coisas, fazia uma resenha cultural incrível de tudo que estava acontecendo. Tocava as músicas dele no violão, ele tinha um jeito meio brutalista de tocar violão, bem incorporando a coisa punk”, lembrou o cantor.
Em uma dessas visitas, eles compuseram uma música juntos. “É uma canção chamada UTI, que foi gravada por uma banda chamada Clínica”, disse, tirando risos do público.
Abertura da Festa Literária Internacional de Paraty, no Auditório da Matriz – Rovena Rosa/Agência Brasil
Vida e poesia
Ao recordar um Rèveillon que passaram juntos na presença de vários amigos, Arnaldo contou como Leminski vivia a poesia: “Ele chegou nesse Réveillon dando de presente para as pessoas, eu não sei se manuscritos ou datilografados, os poemas mais recentes que ele havia feito, presenteando as pessoas”, lembrou.
“Isso é um exemplo de como ele vivia a poesia. A criação das artes em geral não é algo para comentar a vida, é uma manifestação de vida. E o Leminski entendia isso melhor do que ninguém.”
Para Antunes, Leminski é dessas pessoas que fazem falta para a cena cultural. “Foram poucos anos de convívio, mas que deixam muitas saudades”, disse.
“Na cena cultural, ele faz muita falta, assim como o Wally Salomão, o Décio Pignatari, o Haroldo de Campos, a Cássia Eller, o Itamar Assunção, o Zé Celso. São esses buracos que ficam”, acrescentou.
Programação oficial
O programa oficial da festa internacional de Paraty é composto por 21 mesas literárias, com autores brasileiros e estrangeiros, e curadoria de Ana Lima Cecilio. Confira a programação.
As mesas ocorrem no Auditório da Matriz, com transmissão ao vivo no Auditório da Praça, pelo site e YouTube da Flip e pelo canal Arte1.
Entre os poetas convidados, nesta edição, estão Alice Ruiz, Claudia Roquette-Pinto, Lilian Sais, Marília Garcia e Sergio Vaz.
*A repórter viajou a convite da Motiva, patrocinador e parceiro oficial de mobilidade da Flip 2025.