Artigos falsos contaminam a literatura científica, alimentam uma indústria corrupta e atrasam pesquisas legítimas

por The Conversation
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Artigos falsos contaminam a literatura científica, alimentam uma indústria corrupta e atrasam pesquisas legítimas

Na última década, entidades privadas furtivas em todo o mundo industrializaram a produção, venda e disseminação de pesquisas acadêmicas falsas, prejudicando a literatura científica sobre a qual todos, de médicos a engenheiros, confiam para tomar decisões que podem afetar vidas humanas.

É extremamente difícil ter uma dimensão exata do problema. Cerca de 55.000 artigos acadêmicos já foram retratados até agora por diversos motivos, mas cientistas e empresas que investigam a literatura científica em busca de sinais reveladores de fraude estimam que há muito mais artigos falsos em circulação – possivelmente até várias centenas de milhares. Essas pesquisas falsas podem confundir e atrapalhar estudos legítimos, com os pesquisadores tendo que percorrer densas equações, evidências, imagens e metodologias para descobrir que foram inventadas.

Mesmo quando os artigos falsos são descobertos – geralmente por “detetives amadores” que dedicam seu próprio tempo para isso – os periódicos acadêmicos geralmente demoram a se retratar, permitindo que estes estudos manchem o que muitos consideram sacrossanto: a vasta biblioteca global de trabalhos acadêmicos que apresentam novas ideias, analisam outras pesquisas e discutem descobertas.

Esses artigos falsos estão atrasando pesquisas que ajudam milhões de pessoas com medicamentos e terapias que salvam vidas, desde o câncer até a COVID-19. Dados de analistas mostram que campos relacionados ao câncer e à medicina são particularmente mais atingidos, enquanto áreas como filosofia e arte são menos afetadas. Alguns cientistas chegaram a abandonar o trabalho de suas vidas porque não conseguem manter o ritmo dado o número de artigos falsos que precisam combater.

O problema reflete uma mercantilização mundial da ciência. Universidades, e os financiadores de suas pesquisas, há muito tempo usam a publicação regular em periódicos acadêmicos como condição para promoções e estabilidade no emprego, gerando o mantra “publicar ou perecer” (“publish or perish” no original em inglês).

Agora, porém, os fraudadores se infiltraram no setor de publicações acadêmicas para priorizar lucros em detrimento de conhecimento. Armados de destreza tecnológica, agilidade e vastas redes de cientistas corruptos, eles estão produzindo artigos falsos sobre tudo, desde genes obscuros ao uso da inteligência artificial na medicina.

Esses artigos são absorvidos pela literatura científica global mais rapidamente do que podem ser eliminados. Cerca de 119.000 artigos de periódicos acadêmicos e documentos de conferências são publicados toda semana, ou mais de 6 milhões por ano. As editoras estimam que, na maioria dos periódicos, cerca de 2% dos artigos submetidos – mas não necessariamente publicados – são provavelmente falsos, embora esse número possa ser muito maior em algumas publicações.

Embora nenhum país esteja imune a essa prática, ela é particularmente acentuada nas economias emergentes, onde os recursos para fazer ciência de boa-fé são limitados e onde os governos, ansiosos para competir em escala global, incentivam o “publicar ou perecer”.

Como resultado, há uma movimentada economia subterrânea online para todas as coisas relacionadas à publicação acadêmica. Autoria, citações, até editores de periódicos acadêmicos estão à venda. Essa fraude é tão predominante que tem seu próprio nome: “paper mills” (“fábricas de artigos”), uma expressão que remete a “term-paper mills”, nome dado nos EUA à prática em que os alunos trapaceiam pedindo que outra pessoa escreva os trabalhos acadêmicos de fim dfe período para eles.

O impacto sobre as editoras é profundo. Em casos de grande visibilidade, artigos falsos podem prejudicar os resultados financeiros de um periódico. Indexadores científicos importantes – bancos de dados de publicações acadêmicas dos quais muitos pesquisadores dependem para fazer seu trabalho – podem excluir da lista periódicos que publicam muitos artigos suspeitos. Há uma crítica crescente de que as editoras legítimas poderiam fazer mais para rastrear e colocar na lista negra as periódicos e autores que publicam regularmente artigos falsos que, às vezes, são pouco mais do que frases encadeadas geradas por inteligência artificial.

Para entender melhor o escopo, as ramificações e as possíveis soluções desse ataque em metástase à ciência, nós – um editor colaborador do Retraction Watch, um site que informa sobre retratações de artigos científicos e tópicos relacionados, e dois cientistas da computação da Université Toulouse III-Paul Sabatier e da Université Grenoble Alpes da França, especializados em detectar publicações falsas – passamos seis meses investigando as fábricas de artigos.

Isso incluiu, para alguns de nós, em momentos diferentes, vasculhar sites e publicações em mídias sociais, entrevistar editoras, editores, especialistas em integridade de pesquisa, cientistas, médicos, sociólogos e detetives científicos envolvidos na tarefa de Sísifo de limpar a literatura. Isso também envolveu, para alguns de nós, a triagem de artigos científicos em busca de sinais de falsificação.

Problematic Paper Screener: Procurando por fraudes na literatura científica

O que emergiu foi uma crise profundamente enraizada que fez com que muitos pesquisadores e formuladores de políticas pedissem uma nova maneira para as universidades e muitos governos avaliarem e recompensarem acadêmicos e profissionais da saúde em todo o mundo.

Assim como sites altamente tendenciosos que publicam reportagens disfarçadas para parecerem objetivas estão corroendo o jornalismo baseado em evidências e ameaçando a democracia, a ciência falsa está destruindo a base de conhecimento sobre a qual a sociedade moderna se apoia.

Como parte de nosso trabalho de detecção dessas publicações falsas, o coautor Guillaume Cabanac desenvolveu o Problematic Paper Screener, um sistema automatizado que analisa 130 milhões de artigos acadêmicos novos e antigos todas as semanas procurando nove tipos de pistas indicativas de que um artigo pode ser falso ou conter erros. Uma pista importante é uma “frase torturada” – uma redação estranha gerada por um software que substitui termos científicos comuns por sinônimos para evitar a detecção de plágio direto de um artigo legítimo.

Problematic Paper Screener: Procurando por fraudes na literatura científica

Uma molécula obscura

Frank Cackowski da Wayne State University, em Detroit, estava confuso.

O oncologista estava estudando uma sequência de reações químicas nas células para ver se elas poderiam ser um alvo para medicamentos contra o câncer de próstata. Um artigo de 2018 de 2018 no American Journal of Cancer Research despertou seu interesse quando ele leu que uma molécula pouco conhecida chamada SNHG1 poderia interagir com as reações químicas que ele estava explorando. Ele e seu colega pesquisador da Wayne State Steven Zielske iniciaram uma série de experimentos para saber mais sobre a ligação. Surpreendentemente, eles descobriram que não havia nenhuma ligação.

Enquanto isso, Zielske começou a desconfiar do artigo. Ele observou que dois gráficos que mostravam resultados de diferentes linhagens de células eram idênticos, o que “seria como despejar água em dois copos com os olhos fechados e os níveis saírem exatamente iguais”. Outro gráfico e uma tabela no artigo também continham, inexplicavelmente, dados idênticos.

Zielske descreveu suas dúvidas em uma publicação anônima em 2020 no PubPeer, um fórum online em que muitos cientistas relatam possíveis desvios de conduta em pesquisas, e também entrou em contato com o editor da revista. Pouco tempo depois, a revista retirou o artigo citando “materiais e/ou dados falsificados”.

“A ciência já é difícil o bastante com as pessoas realmente sendo verdadeiras e tentando fazer um trabalho real”, diz Cackowski, que também trabalha no Karmanos Cancer Institute em Michigan. “E é realmente frustrante perder seu tempo com base nas publicações fraudulentas de alguém”.

Dois homens sentados um em frente ao outro em uma mesa cheia de papéis

Os cientistas da Wayne State University Frank Cackowski e Steven Zielske realizaram experimentos com base em um artigo que mais tarde descobriram conter dados falsos. Amy Sacka, CC BY-ND

Ele se preocupa com o fato de que as publicações falsas estão atrasando “pesquisas legítimas que, no futuro, afetarão o atendimento ao paciente e o desenvolvimento de medicamentos”.

Os dois pesquisadores acabaram descobrindo que o SNHG1 parece ter um papel importante no câncer de próstata, embora não da maneira que o artigo suspeito sugeria. Mas esse era um tópico difícil de estudar. Zielske examinou todos os estudos sobre SNHG1 e câncer – cerca de 150 artigos, quase todos de hospitais chineses – e concluiu que “a maioria” deles parecia falsa. De acordo com Zielske, alguns relataram o uso de reagentes experimentais, conhecidos como primers, que eram “totalmente sem sentido”, ou tinham como alvo um gene diferente do que o estudo dizia. Ele entrou em contato com vários dos periódicos, recebeu poucas respostas. “Simplesmente parei de acompanhar”.

Os muitos artigos questionáveis na área também dificultaram a obtenção de financiamento para suas pesquisas, contou Zielske. A primeira vez que enviou um pedido de recursos para estudar o SNHG1, foi rejeitado, com um revisor dizendo que “o campo estava lotado”, lembrou. No ano seguinte, ele explicou em seu pedido que a maior parte da literatura provavelmente vinha de fábricas de artigos. Ele conseguiu o financiamento.

Hoje Zielske aborda novas pesquisas de forma diferente do que costumava fazer: “Não se pode simplesmente ler o resumo (abstract) e acreditar nele. Eu meio que presumo que tudo está errado”.

Periódicos acadêmicos legítimos avaliam os artigos antes de serem publicados fazendo com que outros pesquisadores da área os leiam cuidadosamente. Esse processo conhecido como “revisão por pares” foi projetado para impedir a disseminação de pesquisas com falhas, mas está longe de ser perfeito.

Os revisores doam seu tempo voluntariamente, normalmente presumem que a pesquisa é real e, portanto, não procuram por sinais de fraude. E algumas editoras podem tentar selecionar revisores que considerem mais propensos a aceitar artigos, pois rejeitar um manuscrito pode significar a perda de milhares de dólares em taxas de publicação.

“Mesmo revisores bons e honestos se tornaram apáticos” devido ao “volume de pesquisas ruins que passa pelo sistema”, conta Adam Day, que dirige a Clear Skies, uma empresa de Londres que desenvolve métodos baseados em dados para ajudar a identificar artigos e revistas acadêmicas falsos. “Qualquer editor pode dizer que recebeu relatórios em que era óbvio que o revisor não tinha lido o artigo.”

Com a IA, eles não precisam fazer isso: Uma nova pesquisa mostra que muitas revisões passaram a ser escritas pelo ChatGPT e ferramentas semelhantes.

Para agilizar a publicação do trabalho uns dos outros, alguns cientistas corruptos formam “cartéis” de revisão por pares. Já as fábricas de artigos podem até criar falsos revisores fazendo-se passar por cientistas reais para garantir que seus manuscritos sejam publicados. Outras subornam editores ou infiltram agentes seus nos conselhos editoriais de periódicos.

María de los Ángeles Oviedo-García, professora de marketing da Universidade de Sevilha, na Espanha, dedica seu tempo livre à busca de revisões por pares suspeitas em todas as áreas da ciência, centenas das quais ela sinalizou no PubPeer. Algumas dessas revisões têm o tamanho de um tweet, outras pedem que os autores citem o trabalho do revisor, mesmo que não tenha nada a ver com a pesquisa em questão, e muitas se assemelham a outras revisões por pares para estudos muito diferentes – evidência, a seu ver, do que ela chama de “fábricas de revisão” (review mills, no original em inglês).

Captura de tela mostrando relatórios destacados

Comentário do PubPeer de María de los Ángeles Oviedo-García apontando que um relatório de revisão por pares é muito semelhante a dois outros relatórios. Ela também indica que os autores e as citações de todos os três são anônimos ou a mesma pessoa – ambas marcas registradas de artigos científicos falsos. Captura de tela feita pelo The Conversation, CC BY-ND

“Uma das lutas mais desafiantes para mim é manter a fé na ciência”, conta Oviedo-García, que diz a seus alunos para buscarem pelos artigos no PubPeer antes de confiarem demais neles. Seu trabalho de pesquisa ficou mais lento, acrescenta ela, porque agora ela se sente obrigada a procurar pelos relatórios de revisão por pares dos estudos que usa em seu trabalho. Muitas vezes não há nenhum, porque “pouquíssimos periódicos publicam esses relatórios de revisão”, diz Oviedo-García.

Um problema absolutamente enorme

Não se sabe ao certo quando as fábricas de artigos começaram a operar em grande escala. O artigo mais antigo retratado devido à suspeita de envolvimento dessas entidades foi publicado em 2004, de acordo com informações do Retraction Watch Database, que contém detalhes sobre dezenas de milhares de retratações. (O banco de dados é operado pelo The Center for Scientific Integrity, organização sem fins lucrativos controladora do Retraction Watch). Também não está claro exatamente quantos artigos de baixa qualidade, plagiados ou inventados foram gerados pelas fábricas de artigos.

Mas é provável que o número seja significativo e esteja crescendo, dizem os especialistas. Uma fábrica de artigos ligada à Rússia na Letônia, por exemplo, afirma em seu site ter publicado “mais de 12.650 artigos” desde 2012.

Uma análise de 53.000 artigos enviados a seis editoras – mas não necessariamente publicados – constatou que a proporção de artigos suspeitos variou de 2% a 46% entre os periódicos. E a editora americana Wiley, que retirou mais de 11.300 artigos falsos e fechou 19 periódicos altamente afetados em sua antiga divisão Hindawi, informou recentemente que sua nova ferramenta de detecção de artigos vindos destas paper mills emite alertas de até 1 em cada 7 submissões.

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Anúncio do Facebook de uma fábrica de artigos indiana vendendo coautoria de um artigo. Screenshot by The Conversation

Day, da Clear Skies, estima que cerca de 2% dos vários milhões de trabalhos científicos publicados em 2022 vieram de fábricas de artigos. Alguns campos são mais problemáticos do que outros. O número está próximo de 3% em biologia e medicina e, em alguns subcampos, como o câncer, pode ser muito maior, revela Day. Apesar da maior conscientização atual, “não vejo nenhuma mudança significativa na tendência”, disse ele. Com métodos aprimorados de detecção, “qualquer estimativa que eu fizer agora será para mais”.

O problema das paper mills é “absolutamente enorme”, avaliou Sabina Alam, diretora de Ética e Integridade Editorial da Taylor & Francis, uma grande editora acadêmica. Em 2019, nenhum dos 175 casos de problemas éticos que os editores encaminharam à sua equipe versou sobre fábricas de artigos, disse Alam. Estes casos incluem tanto submissões quanto artigos já publicados. Em 2023, “tivemos quase 4.000 casos”, disse ela. “E metade deles era sobre fábricas de artigos”.

Jennifer Byrne, uma cientista australiana que dirige um grupo de pesquisa para melhorar a confiabilidade da pesquisa médica, apresentou testemunho em uma audiência do Comitê de Ciência, Espaço e Tecnologia da Câmara dos Deputados dos EUA em julho de 2022. Ela destacou que 700, ou quase 6%, dos 12.000 artigos de pesquisa sobre câncer examinados tinham erros que poderiam indicar o envolvimento de fábricas de artigos. Byrne fechou seu laboratório de pesquisa sobre câncer em 2017 porque os genes sobre os quais ela passou duas décadas pesquisando e escrevendo tornaram-se alvo de um número enorme de artigos falsos. Um cientista desonesto que falsifica dados é uma coisa, disse ela, mas uma fábrica de artigos poderia produzir dezenas de estudos falsos no mesmo tempo que sua equipe levaria para publicar um único estudo legítimo.

“A ameaça das fábricas de artigos à publicação científica e à integridade não tem paralelo em meus 30 anos de carreira científica. Só no campo da ciência genética humana, o número de artigos potencialmente fraudulentos pode exceder 100.000 trabalhos originais”, escreveu ela aos legisladores, acrescentando: “Essa estimativa pode parecer chocante, mas provavelmente é conservadora”.

Em uma área de pesquisa genética – o estudo de RNA não codificante em diferentes tipos de câncer – “estamos falando que mais de 50% dos artigos publicados são de paper mills”, disse Byrne. “É como nadar no lixo”.

Em 2022, Byrne e seus colegas, incluindo dois de nós, descobriram que pesquisas genéticas suspeitas, apesar de não terem impactado imediatamente no atendimento ao paciente, ainda informam o trabalho de outros cientistas, incluindo aqueles que realizam ensaios clínicos. As editoras, no entanto, costumam demorar a retratar os artigos fraudados, mesmo quando alertadas sobre sinais óbvios de fraude. Descobrimos que 97% dos 712 artigos de pesquisa genética problemáticos que identificamos permanecem sem correção na literatura.

Quando as retratações acontecem, geralmente são graças aos esforços de uma pequena comunidade internacional de “detetives amadores” como Oviedo-García e aqueles que publicam no PubPeer.

Jillian Goldfarb, professora associada de engenharia química e biomolecular da Universidade de Cornell e ex-editora da revista Fuel, da editora científica Elsevier, lamenta a forma como a editora lidou com a ameaça das fábricas de artigos.

“Eu estava avaliando mais de 50 artigos todos os dias”, disse ela em uma entrevista por e-mail. Embora tivesse tecnologia para detectar plágio, envios duplicados e alterações suspeitas de autoria, isso não era suficiente. “Não é razoável pensar que um editor, que normalmente não tem esse trabalho em tempo integral, possa detectar essas coisas lendo 50 artigos ao mesmo tempo. A falta de tempo, além da pressão das editoras para aumentar as taxas de submissão e citações e diminuir o tempo de revisão, coloca os editores em uma situação impossível”.

Em outubro de 2023, Goldfarb pediu demissão de seu cargo de editora do periódico Fuel. Em uma postagem no LinkedIn sobre sua decisão, ela citou o fato de a empresa não ter removido dezenas de artigos potencialmente produzidos por paper mills que ela havia sinalizado; a contratação de um editor principal que supostamente “se envolveu em esquemas de artigos e citações falsas”; e sua proposta de candidatos a cargos editoriais “com fichas longas no PubPeer e mais retratações do que a maioria das pessoas tem de artigos em seus currículos, e cujos nomes aparecem como autores em sites de venda de artigos”.

“Isso diz a mim, à nossa comunidade e ao público que eles valorizam mais a quantidade de artigos e o lucro do que a ciência”, escreveu Goldfarb.

Em resposta a perguntas sobre a demissão de Goldfarb, um porta-voz da Elsevier disse ao The Conversation que “leva muito a sério todas as alegações sobre má conduta de pesquisa em nossas revistas” e está investigando as alegações de Goldfarb. O porta-voz acrescentou que a equipe editorial do Fuel tem “trabalhado para fazer outras mudanças no periódico para beneficiar autores e leitores”.

‘Não é assim que funciona, amigo’

As ofertas de negócios se acumulam há anos na caixa de entrada de João de Deus Barreto Segundo, editor executivo de seis periódicos publicados pela Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública em Salvador, Brasil. Várias delas vinham de editoras suspeitas que estavam à caça de novos periódicos para adicionar a seus portfólios. Outras vieram de acadêmicos sugerindo negócios suspeitos ou oferecendo suborno para publicar seus artigos.

Em um e-mail de fevereiro de 2024, um professor assistente de economia na Polônia explicou que dirigia uma empresa que trabalhava com universidades europeias. “Você estaria interessado em colaborar com a publicação de artigos científicos de cientistas que colaboram comigo?”, perguntava Artur Borcuch. “Em seguida, discutiremos possíveis detalhes e condições financeiras.”

Um administrador de universidade no Iraque foi mais franco: “Como incentivo, estou preparado para oferecer um “subsídio” de US$ 500 para cada artigo aceito enviado ao seu estimado periódico”, escreveu Ahmed Alkhayyat, diretor do Centro de Pesquisa Científica da Universidade Islâmica, em Najaf, e gerente do “ranking mundial” da escola.

“Não é assim que funciona, amigo”, rebateu Barreto Segundo.

Em um e-mail enviado ao The Conversation, Borcuch negou qualquer intenção inadequada. “Minha função é mediar os aspectos técnicos e processuais da publicação de um artigo”, disse Borcuch, acrescentando que, ao trabalhar com vários cientistas, ele “solicitava um desconto ao escritório editorial em nome deles”. Informado de que a editora brasileira não cobra taxas de publicação, Borcuch disse que ocorreu um “erro” porque um “funcionário” enviou o e-mail por ele “para diferentes revistas”.

Os periódicos acadêmicos têm diferentes modelos de negócio. Muitos são baseados em assinaturas e não cobram dos autores pela publicação, mas cobram taxas pesadas pela leitura dos artigos. Bibliotecas e universidades também pagam grandes quantias pelo acesso.

Um modelo de acesso aberto de rápido crescimento – em que qualquer pessoa pode ler o artigo – inclui taxas de publicação caras cobradas dos autores para compensar a perda de receita na venda do acesso aos artigos. Esses pagamentos não devem ter o objetivo de influenciar a aceitação ou não de um manuscrito.

A Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, entre outras, não cobra dos autores nem dos leitores, mas a editora empregadora de Barreto Segundo é uma pequena participante do grande negócio de publicações acadêmicas, que gera cerca de US$ 30 bilhões por ano com margens de lucro de até 40%. As editoras acadêmicas ganham dinheiro, em grande parte, com as taxas de assinatura de instituições como bibliotecas e universidades, pagamentos individuais para acessar artigos e taxas de acesso aberto pagas pelos autores para garantir que seus artigos sejam gratuitos para qualquer pessoa ler.

O setor é lucrativo o bastante para atrair atores inescrupulosos ansiosos por encontrar uma maneira de desviar parte dessa receita.

Ahmed Torad, professor da Universidade de Kafr El Sheikh, no Egito, e editor-chefe do Egyptian Journal of Physiotherapy, pediu uma comissão de 30% por cada artigo que repassou à editora brasileira. “Essa comissão será calculada com base nas taxas de publicação geradas pelos manuscritos que eu enviar”, escreveu Torad, observando que ele se especializou “em conectar pesquisadores e autores com periódicos adequados para publicação”.

Captura de tela do texto com fundo amarelo

Trecho do e-mail de Ahmed Torad sugerindo uma propina. Captura de tela feita pelo The Conversation, CC BY-ND

Aparentemente, ele não percebeu que a Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública não cobra taxas dos autores.

Assim como Borcuch, Alkhayyat negou qualquer intenção imprópria. Ele disse que houve um “mal-entendido” por parte do editor, explicando que o pagamento que ele ofereceu era para cobrir supostas taxas de processamento de artigos. “Algumas revistas pedem dinheiro. Portanto, isso é normal”, disse Alkhayyat.

Torad explicou que enviou sua oferta como fonte de artigos em troca de uma comissão para cerca de 280 periódicos, mas forçou ninguém a aceitar os manuscritos. Algumas recusaram sua proposta, disse ele, apesar de cobrarem regularmente dos autores milhares de dólares para publicar. Ele sugeriu que a comunidade científica não se sentia confortável em admitir que a publicação acadêmica se tornou um negócio como qualquer outro, mesmo que isso seja “óbvio para muitos cientistas”.

Todas as ofertas indesejadas tiveram como alvo um dos periódicos editados por Barreto Segundo, The Journal of Physiotherapy Research, logo depois que ele foi indexado no Scopus, um banco de dados de resumos e citações de propriedade da editora Elsevier.

Juntamente com o Web of Science da Clarivate, o Scopus se tornou um importante selo de qualidade para publicações acadêmicas em todo o mundo. Os artigos em periódicos indexados são dinheiro no banco para seus autores: eles ajudam a garantir empregos, promoções, financiamentos e, em alguns países, até receber recompensas em dinheiro. Para acadêmicos ou médicos de países mais pobres, eles podem ser uma passagem para o Norte Global.

Considere o Egito, um país atormentado por duvidosos ensaios clínicos. As universidades desse país geralmente pagam aos funcionários grandes quantias por publicações internacionais, com o valor dependendo do fator de impacto da revista. Uma estrutura de incentivo semelhante está embutida nas regulamentações nacionais: Para obter o título de professor titular, por exemplo, os candidatos devem ter pelo menos cinco publicações em dois anos, de acordo com o Conselho Supremo de Universidades do Egito. Os estudos em periódicos indexados no Scopus ou no Web of Science não apenas recebem pontos extras, mas também são isentos de um exame mais minucioso quando os candidatos são avaliados. Quanto maior o fator de impacto do periódico da publicação, mais pontos os estudos recebem.

Com esse foco em métricas, tornou-se comum que os pesquisadores egípcios cortem caminho e tomem atalhos, conta um médico do Cairo que pediu anonimato por medo de retaliação. A autoria é frequentemente presenteada a colegas que depois retribuem o favor, ou estudos podem ser criados do nada. Às vezes, um artigo legítimo existente é escolhido da literatura e os principais detalhes, como o tipo de doença ou cirurgia, são alterados e os números ligeiramente modificados, explicou a fonte.

Isso afeta as diretrizes clínicas e o atendimento médico, “portanto, é uma pena”, disse o médico.

A ivermectina, um medicamento usado para tratar parasitas em animais e humanos, é um exemplo disso. Quando alguns estudos mostraram que era eficaz contra a COVID-19, a ivermectina foi aclamada como um “medicamento milagroso” no início da pandemia. As prescrições aumentaram e, junto com elas, as ligações para os centros de intoxicação dos EUA; um homem passou nove dias no hospital depois de ingerir uma formulação injetável do medicamento destinada a gado, de acordo com os Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA (CDC). No fim, quase todas as pesquisas que mostraram um efeito positivo da ivermectina sobre a COVID-19 tinham indícios de falsificação, informou a BBC e outros – incluindo um estudo egípcio agora retratado. Sem nenhum benefício aparente, os pacientes ficaram apenas com os efeitos colaterais.

A má conduta em pesquisas não se limita às economias emergentes, tendo recentemente derrubado reitores de universidades e cientistas de alto nível em agências governamentais nos Estados Unidos. A ênfase na publicação também não. Na Noruega, por exemplo, o governo aloca verbas para institutos de pesquisa, hospitais e universidades com base em quantos trabalhos acadêmicos os funcionários publicam e em quais periódicos. O país decidiu interromper parcialmente essa prática a partir de 2025.

“Há um enorme incentivo acadêmico e um motivo de lucro”, diz Lisa Bero, professora de medicina e saúde pública no Campus Médico Anschutz da Universidade do Colorado e editora sênior de integridade de pesquisa da Colaboração Cochrane, uma organização internacional sem fins lucrativos que produz análises de evidências sobre tratamentos médicos. “Vejo isso em todas as instituições em que trabalhei”.

Porém, no Sul Global, a prática do “publicar ou perecer” esbarra em infraestruturas de pesquisa e sistemas educacionais subdesenvolvidos, deixando os cientistas em uma situação difícil. Para um Ph.D., o médico do Cairo que pediu anonimato conduziu um estudo clínico inteiro sozinho – desde a compra da medicação do estudo até a randomização dos pacientes, coleta e análise de dados e pagamento de taxas de processamento de artigos. Em países mais ricos, equipes inteiras trabalham em tais estudos, com a conta chegando facilmente a centenas de milhares de dólares.

“A pesquisa é bastante desafiadora aqui”, disse o médico. É por isso que os cientistas “tentam manipular e encontrar maneiras mais fáceis de realizar o trabalho”.

Instituições também manipularam o sistema com o objetivo de obter melhores posições em classificações internacionais. Em 2011, a revista Science descreveu como pesquisadores prolíficos dos Estados Unidos e da Europa receberam ofertas de pagamentos elevados para listar universidades sauditas como afiliações secundárias em artigos. E, em 2023, a Science, em colaboração com o Retraction Watch, descobriu um enorme esquema de autocitação de uma escola de odontologia de alto nível na Índia que forçava os alunos de graduação a publicar artigos fazendo referência ao trabalho do corpo docente.

A raiz do problema, e as soluções

Esses esquemas podem ser rastreados até a adoção de métricas baseadas em desempenho no meio acadêmico, impulsionada pelo movimento “New Public Management” (“Nova Administração Pública”, em tradução livre que varreu o mundo ocidental na década de 1980, de acordo com o sociólogo da ciência canadense Yves Gingras, da Université du Québec à Montréal. Quando universidades e instituições públicas adotaram a gestão no estilo corporativo, os artigos científicos se tornaram “unidades contábeis” usadas para avaliar e recompensar a produtividade científica, em vez de “unidades de conhecimento” que promovem nossa percepção do mundo ao nosso redor, escreveu Gingras.

Essa transformação levou muitos pesquisadores a competir com base em números em vez de conteúdo, o que tornou as métricas de publicação métricas ruins de proezas acadêmicas. Como Gingras demonstrou, o controverso microbiologista francês Didier Raoult, que agora tem mais de uma dúzia de retratações em seu nome, tem um índice h – uma medida que combina números de publicações e citações – que é duas vezes mais alto do que o de Albert Einstein – “prova de que o índice é absurdo”, disse Gingras.

Pior ainda, ocorreu uma espécie de inflação científica, ou “bolha cientométrica”, em que cada nova publicação representa um incremento cada vez menor no conhecimento. “Publicamos artigos cada vez mais superficiais, publicamos artigos que precisam ser corrigidos e pressionamos as pessoas a cometerem fraudes”, disse Gingras.

Em termos de perspectivas individuais de carreira dos acadêmicos, o valor médio de uma publicação também despencou, desencadeando um aumento no número de autores hiperprolíficos. Um dos casos mais notórios é o do químico espanhol Rafael Luque, que em 2023 teria publicado um estudo a cada 37 horas.

Em 2024, Landon Halloran, geocientista da Universidade de Neuchâtel, na Suíça, recebeu um pedido de emprego incomum para uma vaga em seu laboratório. Um pesquisador com Ph.D. da China havia lhe enviado seu currículo. Aos 31 anos, o candidato havia acumulado 160 publicações em periódicos indexados ao Scopus, 62 delas apenas em 2022, o mesmo ano em que obteve seu doutorado. De acordo com Halloran, embora o candidato não fosse o único “com uma produção suspeitosamente alta”, ele se destacou. “Meus colegas e eu nunca encontramos nada parecido com isso nas geociências”, disse.

De acordo com especialistas e as editoras, agora há mais conscientização sobre a ameaça das fábricas de artigos e de outros agentes mal-intencionados no setor. Alguns periódicos verificam rotineiramente fraudes de imagem. Uma imagem ruim gerada por IA que aparece em um artigo pode ser um sinal de que um cientista tomou um atalho imprudente ou de ter sido produzido por uma paper mill.

A Cochrane Collaboration tem uma política que exclui estudos suspeitos de suas análises de evidências médicas. A organização também está desenvolvendo uma ferramenta para ajudar seus revisores a identificar estudos médicos problemáticos, assim como as editoras começaram a fazer uma triagem das submissões e compartilhar dados e tecnologias entre si para combater fraudes.

Conjunto de seis imagens gráficas que se assemelham a pulmões, bolas com pontas e frascos cheios de pequenas bolas redondas

Esta imagem, gerada por IA, é uma mistura visual de conceitos sobre o transporte e a administração de medicamentos no corpo. Por exemplo, a figura superior esquerda é uma mistura sem sentido de uma seringa, um inalador e comprimidos. E a molécula transportadora sensível ao pH na parte inferior esquerda é enorme, rivalizando com o tamanho dos pulmões. Depois que os cientistas detetives apontaram que a imagem publicada não fazia sentido, a revista emitiu uma correção. Screen capture by The Conversation, CC BY-ND

Conjunto de seis imagens gráficas de pulmões e moléculas

Este gráfico é a imagem corrigida que substituiu a imagem de IA acima. Nesse caso, de acordo com a correção, a revista determinou que o artigo era legítimo, mas os cientistas haviam usado IA para gerar a imagem que o descrevia. Captura de tela feita pelo The Conversation, CC BY-ND

“As pessoas estão percebendo que isso está acontecendo na minha área, está acontecendo na sua área”, disse Bero, da Colaboração Cochrane. “Portanto, precisamos realmente nos coordenar e desenvolver um método e um plano geral para acabar com essas coisas”.

O que fez com que a Taylor & Francis prestasse atenção, de acordo com Alam, a diretor de Ética e Integridade Editorial da editora, foi uma investigação de 2020 de uma fábrica de artigos chinesa feita pela “cientista-detetive” Elisabeth Bik e três de seus colegas, conhecidos pelos pseudônimos Smut Clyde, Morty e Tiger BB8. Com 76 artigos comprometidos, o Artificial Cells, Nanomedicine, and Biotechnology da editora, sediada no Reino Unido, foi identificado como o periódico mais afetado na investigação.

“Isso revelou um campo minado”, diz Alam, que também é copresidente da United2Act, um projeto lançado em 2023 que reúne editoras, pesquisadores e “cientistas-detetives” na luta contra as fábricas de artigos. “Foi a primeira vez que percebemos que imagens de arquivo estavam essencialmente sendo usadas para representar experimentos”.

A Taylor & Francis decidiu auditar as centenas de artigos em seu portfólio que continham tipos semelhantes de imagens. Ela dobrou a equipe de Alam dedicada a fazer investigações, e também começou a monitorar as taxas de submissão. As fábricas de artigos, ao que parece, não eram clientes exigentes.

“O que eles estão tentando fazer é encontrar uma porta e, se conseguirem entrar, começar a fazer as submissões”, disse Alam. Setenta e seis artigos falsos de repente parecem uma gota no oceano. Em um periódico da Taylor & Francis, por exemplo, a equipe de Alam identificou cerca de 1.000 manuscritos que tinham todas as marcas de serem provenientes de uma fábrica, disse.

E em 2023, ela rejeitou cerca de 300 propostas duvidosas para edições especiais. “Impedimos a entrada de muita coisa”, disse Alam.

Verificadores de fraude

Um pequeno setor de startups de tecnologia surgiu para ajudar editoras, pesquisadores e instituições a identificar possíveis fraudes. O site Argos, lançado em setembro de 2024 pela Scitility, um serviço de alerta sediado em Sparks, Nevada, permite que os autores verifiquem se novos colaboradores estão envolvidos em retratações ou questões de má conduta. Ele já sinalizou dezenas de milhares de artigos de “alto risco”, de acordo com a revista Nature.

Red Rejected stamped on white paper

As ferramentas de verificação de fraude fazem uma triagem dos artigos para indicar aqueles que devem ser verificados manualmente e possivelmente rejeitados. solidcolours/iStock via Getty Images

A Morressier, uma empresa de conferências e comunicações científicas com sede em Berlim, “tem como objetivo restaurar a confiança na ciência melhorando a forma como a pesquisa científica é publicada”, de acordo com seu site. Ela oferece ferramentas de integridade que visam todo o ciclo de vida da pesquisa. Outras novas ferramentas de verificação de artigos incluem o Signals, da Research Signals, sediada em Londres, e o Papermill Alarm, da Clear Skies.

Mas fraudadores também não ficaram parados. Segundo Day, em 2022, quando a Clear Skies lançou o Papermill Alarm, o primeiro acadêmico a perguntar sobre a nova ferramenta foi um fabricante de artigos. A pessoa queria acesso à ferramenta para poder verificar seus artigos antes de enviá-los aos editores, disse Day. “As fábricas de artigos provaram ser adaptáveis e também bastante rápidas”, disse.

Dada a corrida armamentista em andamento, Alam reconhece que a luta contra as fábricas de artigos não será vencida enquanto a demanda crescente por seus produtos permanecer.

De acordo com uma análise da Nature, a taxa de retratação triplicou de 2012 a 2022, chegando a quase 0,02%, ou cerca de 1 em cada 5.000 artigos. Em seguida, quase dobrou em 2023, em grande parte devido ao desastre da Hindawi da Wiley. A publicação comercial atual é parte do problema, disse Byrne. Por um lado, a limpeza da literatura científica é um empreendimento vasto e caro, sem nenhuma vantagem financeira direta. “Os periódicos e as editoras nunca conseguirão, no momento, corrigir a literatura na escala e no prazo necessários para resolver o problema das fábricas de artigos”, disse Byrne. “Ou temos que monetizar as correções de modo que as editoras sejam pagas por seu trabalho, ou esquecer as editoras e fazer isso nós mesmos”.

Mas isso ainda não resolveria o viés fundamental incorporado à publicação científica com fins lucrativos: os periódicos não são pagos por rejeitar artigos. “Nós os pagamos por aceitar artigos”, disse Bodo Stern, ex-editor da revista Cell e chefe de Iniciativas Estratégicas do Howard Hughes Medical Institute, uma organização sem fins lucrativos e grande financiadora de pesquisas científicas em Chevy Chase, Maryland. “Quero dizer, o que você acha que as revistas vão fazer? Elas vão aceitar artigos”.

Com mais de 50.000 periódicos no mercado, mesmo que alguns estejam se esforçando para fazer as coisas direito, os artigos ruins que são oferecidos por tempo suficiente acabam encontrando um lugar para serem publicados, acrescentou Stern. “Esse sistema não tem como funcionar como um mecanismo de controle de qualidade”, disse ele. “Temos tantos periódicos que tudo pode ser publicado”.

Na opinião de Stern, o caminho a seguir é parar de pagar às revistas para que aceitem artigos e começar a considerá-las como serviços públicos que atendem a um bem maior. “Deveríamos pagar por mecanismos de controle de qualidade transparentes e rigorosos”, disse ele.

A revisão por pares, por sua vez, “deve ser reconhecida como um verdadeiro produto acadêmico, assim como o artigo original, porque os autores do artigo e os revisores estão usando as mesmas habilidades”, disse Stern. Da mesma forma, os periódicos devem disponibilizar publicamente todos os relatórios de revisão por pares, mesmo para manuscritos recusados. “Quando fazem o controle de qualidade, não podem simplesmente rejeitar o artigo e depois permitir que ele seja publicado em outro lugar”, disse Stern. “Isso não é um bom serviço”.

Melhores práticas

Stern não é o primeiro cientista a lamentar o foco excessivo na bibliometria. “Precisamos de menos pesquisa, pesquisa melhor e pesquisa feita pelos motivos certos”, escreveu o falecido estatístico Douglas G. Altman em um editorial muito citado de 1994. “Abandonar o uso do número de publicações como uma medida de capacidade seria um começo”.

Quase duas décadas depois, um grupo de cerca de 150 cientistas e 75 organizações científicas divulgou a Declaração de São Francisco sobre Avaliação de Pesquisa, ou DORA, desencorajando o uso do fator de impacto de periódicos e outras medidas como indicadores de qualidade. Desde então, a declaração de 2013 foi assinada por mais de 25.000 pessoas e organizações em 165 países.

Mas, apesar da declaração, estas métricas continuam sendo amplamente utilizadas atualmente, e os cientistas dizem que há um novo senso de urgência.

“Estamos chegando a um ponto em que as pessoas realmente sentem que precisam fazer alguma coisa” devido ao grande número de artigos falsos, disse Richard Sever, diretor assistente da Cold Spring Harbor Laboratory Press, em Nova York, e cofundador dos servidores de divulgação de preprints (artigos que ainda não passaram por revisão por pares) bioRxiv e medRxiv.

Stern e seus colegas tentaram fazer melhorias em sua instituição. Há muito tempo, os pesquisadores que desejam renovar seu contrato de sete anos são obrigados a escrever um breve parágrafo descrevendo a importância de seus principais resultados. Desde o final de 2023, eles também foram solicitados a remover os nomes dos periódicos de suas candidaturas.

Dessa forma, “você nunca poderá fazer o que todos os revisores fazem – eu já fiz isso – olhar a bibliografia e, em apenas um segundo, decidir: ‘Ah, essa pessoa foi produtiva porque publicou muitos artigos e os publicou nas revistas certas’”, diz Stern. “O que importa é se isso realmente fez diferença”.

Desviar o foco das convenientes métricas de desempenho parece possível não apenas para instituições privadas ricas como o Howard Hughes Medical Institute, mas também para grandes financiadores governamentais. Na Austrália, por exemplo, o National Health and Medical Research Council lançou em 2022 a política “top 10 in 10”, visando, em parte, “valorizar a qualidade da pesquisa em vez da quantidade de publicações”.

Em vez de fornecer toda a sua bibliografia, a agência, que avalia milhares de solicitações de financiamento todos os anos, pediu aos pesquisadores que listassem no máximo 10 publicações da última década e explicassem a contribuição de cada uma delas para a ciência. De acordo com um relatório de avaliação de abril de 2024, cerca de três quartos dos avaliadores dos financiamentos disseram que a nova política permitiu que eles se concentrassem mais na qualidade da pesquisa do que na quantidade. E mais da metade disse que ela reduziu o tempo gasto em cada solicitação.

Gingras, o sociólogo da ciência canadense, defende a ideia de dar aos cientistas o tempo necessário para produzir trabalhos importantes, em vez de um fluxo intenso de publicações. Ele é signatário do Slow Science Manifesto (Manifesto pela Ciência Lenta): “Quando a ciência se torna lenta, posso prever que o número de retificações e o número de retratações diminuirão”, diz ele.

Em um determinado momento, Gingras estava envolvido na avaliação de uma organização de pesquisa cuja missão era melhorar a segurança no local de trabalho. Um funcionário apresentou seu trabalho. “Ele tinha uma frase que nunca esquecerei”, lembra Gingras. O funcionário começou dizendo: “‘Sabe, tenho orgulho de uma coisa: meu índice h é zero’. E isso foi brilhante”. O cientista havia desenvolvido uma tecnologia que evitava quedas fatais entre os trabalhadores da construção civil. “Ele disse: ‘Isso é útil, e esse é o meu trabalho’. E eu disse: ‘Bravo!’”

Saiba mais sobre como o Problematic Paper Screener descobre artigos suspeitos.

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