Como neurocientista e pesquisador, o amor sempre me intrigou. Ele move decisões, muda rotas e reorganiza prioridades. Essa força, tão humana quanto universal, merece compreensão para além da sua relevância poética. Motivado pela combinação entre curiosidade clínica e rigor científico, passei a investigar o que o cérebro faz — e o que ele nos leva a fazer — desde o primeiro flerte até o compromisso que resiste ao tempo. A proposta é um breve exercício de neuroalfabetização afetiva: entender para sentir melhor; compreender para decidir com mais lucidez.
O amor começa no cérebro. Longe de reduzir sua complexidade, isso a revela. Estudos com neuroimagem mostram que o amor romântico ativa intensamente o sistema de recompensa, em especial a via mesolímbica dopaminérgica, associada à motivação, energia e busca. A fase inicial, do flerte ao encantamento, é uma tormenta organizada de estímulos cerebrais.
A área tegmental ventral (ATV), rica em neurônios dopaminérgicos, dispara sinais que alcançam o núcleo accumbens, centro da expectativa e do prazer. Essa comunicação cria a sensação persistente de “quero mais”, mecanismo descrito por Helen Fisher como uma forma de “adição natural” ligada ao amor romântico. Ficamos focados, inquietos, energizados.
O cérebro muda seu modo operacional: a dopamina sobe e intensifica desejo e motivação; a serotonina tende a cair, favorecendo pensamentos repetitivos e certo grau de obsessividade, fenômeno já observado em pessoas apaixonadas. Ao mesmo tempo, o córtex pré-frontal entra em estado de hiperatenção, avaliando pistas do ambiente, intenções e riscos, enquanto a amígdala calibra medo e aproximação.
Não se trata apenas de um processo mental, mas também visceral. A taquicardia, o calor nas mãos, as pupilas dilatadas e as alterações no apetite refletem a tradução corporal dessa neuroquímica em experiência subjetiva.
As abordagens que tenho feito do processo neuroquímico e metabólico do amor estão embasadas em anos de pesquisa científica e acompanhamento clínico. Reuni e organizei esse conjunto de conhecimentos no livro “Tratado sobre o amor: como a neurociência explica o maior sentimento da experiência humana e pode ajudar você a amar e ser amado”, lançado em setembro deste ano pela Editora Planeta, onde os mecanismos aqui descritos são apresentados com mais detalhamento e contexto.
O cérebro apaixonado
Pesquisas em neuroimagem funcional indicam que o amor romântico reduz a atividade do córtex pré-frontal dorsolateral, área associada ao julgamento crítico e ao controle cognitivo. Isso ajuda a entender por que, na paixão, tendemos a perceber mais os aspectos positivos do outro do que o conjunto completo da relação.
Ao mesmo tempo, regiões relacionadas ao medo social, como partes da amígdala, apresentam menor ativação, o que facilita entrega, aproximação e vulnerabilidade. O amor inicial é, biologicamente, um estado de confiança induzida.
O encantamento também altera a percepção. A liberação combinada de dopamina, noradrenalina e ocitocina modifica temporariamente a forma como percebemos sons, cheiros e a passagem do tempo, colocando o cérebro em um estado funcional distinto.
Quanto tempo dura a paixão? Essa fase é intensa e, por definição, limitada. O cérebro humano não consegue sustentar por longos períodos níveis elevados de dopamina e noradrenalina. Essa química explosiva funciona como gatilho, não como estrutura do amor.
Quando há compatibilidade e investimento emocional, o cérebro transita para outra etapa: a construção do vínculo. Entram em cena a ocitocina e a vasopressina, neuropeptídeos produzidos no hipotálamo e centrais para comportamentos de apego, cuidado e estabilidade relacional.
Estruturas como o hipocampo, envolvido na memória emocional, a ínsula, ligada à empatia e à percepção interna, e o córtex cingulado anterior, associado à conexão emocional e à tomada de decisão afetiva, passam a ter papel mais relevante nesse estágio. O amor duradouro deixa de ser explosão e passa a ser arquitetura.
O ciúme faz parte desse sistema relacional. Funciona como um alarme cerebral diante da ameaça de perda do vínculo, envolvendo a ativação conjunta da amígdala, da ínsula e do córtex cingulado anterior — circuito associado à dor social. Quando essa resposta se desregula, sinais neutros passam a ser interpretados como perigosos. Nomear emoções e estabelecer acordos claros ajuda a reduzir essa hiperativação e a devolver ao córtex pré-frontal o comando da interpretação.
O término de um vínculo aciona um processo semelhante a um desmame neuroquímico. Encerrar uma relação significa interromper rotas de recompensa consolidadas, o que explica por que a rejeição amorosa ativa circuitos semelhantes aos observados em estados de abstinência.
As mesmas áreas envolvidas na paixão — como ATV, núcleo accumbens e ínsula — precisam se recalibrar. Esse processo leva tempo e se beneficia de estratégias concretas: reduzir gatilhos digitais, preservar o sono, praticar atividade física, reconstruir gradualmente redes sociais e redirecionar a atenção para novos propósitos. As memórias permanecem, mas a carga emocional associada a elas se transforma.
O amor no cérebro e no coração
Cérebro e coração conversam o tempo todo. Um molda a atividade do outro. O afeto esculpe circuitos neuronais. O cérebro reage a gestos, memórias e promessas. Entender essa dupla nos ajuda a amar com mais clareza e a sofrer menos, ou viver as dificuldades de um modo um pouco melhor. Aos olhos da neurociência, a dor também ensina: ela reorganiza prioridades, abre espaço para novos ciclos.
Estudos mais recentes sugerem que o amor é um estado dinâmico no cérebro. Ele também sofre influência de fatores como o estresse, qualidade do sono, saúde mental e experiências afetivas anteriores. Tudo isso interfere no funcionamento dos circuitos cerebrais ligados ao apego, à recompensa e à regulação emocional. Amar, portanto, não envolve somente química cerebral, mas também a história de vida dos indivíduos e contexto social – um processo plástico, sensível à experiência, que representa uma rota em busca de pertencimento, sentido da existência e afago neuropsíquico.
Poetas, cronistas, compositores e pesquisadores ainda têm muito a investigar sobre o amor, tão diverso e democrático. Meu desejo é que o avanço do conhecimento sobre esse sentimento possa representar uma ponte entre o que sentimos e o que podemos aprender com ele. Para amar melhor e para saber mais sobre a nossa biologia, experiências e escolhas. Com o cérebro como guia e o coração em pleno diálogo.
Com esse conhecimento neurocientífico pavimentado, pesquisas futuras poderão transitar em áreas ainda sombrias que esbarram na interface do amor com o ordenamento jurídico, como o casamento, a união estável, o divórcio, a parentalidade e tantas outras.
As taxas de divórcio mostram que o amor e uma sociedade para a vida, com escolhas e renúncias, produto da evolução humana, são fenômenos distintos. Questões financeiras, de saúde, direitos e deveres integram essa sociedade, e relacionamentos de anos se desfazem quando diferenças profundas precisam ser resolvidas no tribunal, onde a decisão muitas vezes foge do foro do amor propriamente dito.
Isso mostra que ainda há muito a ser compreendido, sobretudo quanto à profundidade neuropsiquiátrica que todas essas questões têm.





