Com o conclave que vai decidir quem será o próximo papa – previsto para começar nesta quarta-feira, dia 7 de maio -, os olhos do mundo se voltam para o pequeno Estado católico cercado de Roma e de significado religioso por todos os lados. O Vaticano, eterna casa do sumo-pontífice da Igreja Apostólica Romana, ganhou importância política nos últimos anos, graças à atuação proeminente do papa Francisco como mediador de conflitos. No artigo abaixo, os pesquisadores Vitelio Brustolin e Arthur Ambrogi detalham como o Vaticano opera como agente diplomático na geopolítica internacional.
O Estado da Cidade do Vaticano, apesar de sua reduzida extensão territorial, ocupa uma posição única no sistema internacional moderno. Criado pelo Tratado de Latrão de 1929, assinado entre o Papa Pio XI e o então primeiro-ministro italiano Benito Mussolini, possui um território de apenas 0,44 km², totalmente cercado pelo território italiano: é um enclave. Contudo, sua influência transcende limites geográficos, apoiada no soft power (ou poder brando), na diplomacia e na capacidade histórica de mediação.
Durante o papado de Francisco (2013-2025), o Vaticano ampliou seu protagonismo global, engajando-se mais a pautas contemporâneas como migração, meio ambiente e justiça social. O falecimento do Papa Francisco e os eventos diplomáticos que se desenrolaram em seu funeral trazem novas perspectivas e desafios para o futuro da diplomacia vaticana.
O Vaticano como ator geopolítico
A diplomacia vaticana apoia-se em três pilares fundamentais. O primeiro é a autoridade moral e espiritual. Com mais de 1,4 bilhão de fiéis ao redor do mundo, o Papa é reconhecido como líder espiritual, exercendo influência sobre questões éticas e sociais.
O segundo é a rede diplomática. O Vaticano mantém relações diplomáticas com 183 Estados soberanos e participa de organizações multilaterais. É, inclusive, observador permanente na Organização das Nações Unidas (ONU). E o terceiro pilar é o papel de mediação. Sua neutralidade histórica permite atuar como mediador em conflitos internacionais, geralmente com mais liberdade do que Estados tradicionais.
Essa configuração singular faz do Vaticano um ator relevante mesmo sem possuir instrumentos tradicionais de hard power. Aqui cabe distinguir que hard power é a capacidade de usar a força ou a coerção para atingir objetivos. Isso inclui o poder militar (uso ou ameaça de uso das forças armadas) e o poder econômico (sanções, bloqueios, pressões financeiras). Já soft power é a capacidade de influenciar outros pela atração e pela persuasão, em vez da coerção. Essa influência se dá por meio da cultura, dos valores políticos, da diplomacia, da educação e da imagem positiva de um ator no cenário internacional.
Também é importante esclarecer que o Vaticano congrega dois sujeitos distintos do Direito Internacional: a Santa Sé e o Estado da Cidade do Vaticano. A Santa Sé possui natureza eminentemente religiosa, enquanto o Estado da Cidade do Vaticano tem caráter político. A expressão “Santa Sé”, ou “Sé Apostólica”, representa a Igreja Católica em sua totalidade, razão pela qual sua essência é religiosa. A sede da Igreja está situada dentro dos limites do território do Vaticano, como descrito acima.
Com uma população estimada em torno de 800 habitantes, o Vaticano é liderado pelo Papa, que atua simultaneamente como líder máximo da Igreja Católica (isto é, da Santa Sé) e como Chefe de Estado da Cidade do Vaticano.
Embora seja único no Direito Internacional, o Vaticano é classificado como um Estado teocrático, uma vez que seu governo, tanto em suas ações políticas quanto jurídicas, está subordinado aos princípios de uma fé religiosa. A segurança interna do Vaticano é garantida pela Guarda Suíça Pontifícia, que funciona também como força armada oficial do Estado. Atualmente, a Guarda Suíça Pontifícia mantém cerca de 110 membros, configurando o menor exército do mundo. Com esse exército diminuto, surgiram discórdias. Em 1935, o ditador soviético Joseph Stálin questionou o Papa Pio XII por este condenar a República Soviética pela perseguição a Católicos em terras russas. “Ah, o Papa! Quantas divisões tem o Papa?”, perguntou Stálin. De fato, o Vaticano, neutro por natureza, tem abundância de soft power, mas não possui meios para sustentar hard power.
O papado de Francisco e sua diplomacia global
O Papa Francisco transformou a orientação diplomática do Vaticano. Nos esforços para mitigar os efeitos do aquecimento global, por exemplo, a encíclica “Laudato Si’” (2015) marcou a entrada vigorosa da Igreja Católica nos debates ecológicos internacionais.
Além disso, o Papa defendeu reiteradamente os migrantes e refugiados, elevando essas questões à agenda moral global, criticando políticas para a construção de muros e fechamento de fronteiras. O pontífice também intensificou o diálogo inter-religioso posicionamentos como o “Documento sobre a Fraternidade Humana” (2019), no qual destacou a importância da cooperação entre religiões.
Quanto às mediações, o Papa atuou no restabelecimento das relações diplomáticas entre EUA e Cuba. Além disso, criticou reiteradamente guerras como a da Rússia contra a Ucrânia, as guerras no Oriente Médio, no Sudão e outros conflitos internacionais.
O encontro entre o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, no funeral do Papa, além das conversas de ambos com o presidente da França, Emmanuel Macron, e o primeiro-ministro do Reino Unido, Keir Starmer, foi outra demonstração de como o Vaticano é prestigiado por líderes internacionais e como seu território continua sendo relevante para a mediação de conflitos. Zelensky deixou claro que o acordo com os Estados Unidos sobre um fundo de investimentos para reconstrução da Ucrânia ocorreu após esse encontro.
Desafios para o próximo pontificado
O panorama geopolítico atual é marcado por uma série de conflitos com impactos globais. Entre as principais guerras, destacam-se a invasão russa à Ucrânia; a guerra entre Israel e grupos financiados pelo Irã, como o Hamas em Gaza, o Hezbollah no Líbano, os Houthis no Iêmen e a Jihad Islâmica na Palestina. Há ainda a guerra no Sudão, o conflito no Sahel e a tensão crescente entre China e Taiwan, para citar apenas alguns. O contexto de sistema multipolar fragmentado, com diversas potências regionais e globais disputando influência – Rússia, China, Estados Unidos, União Europeia, Índia, entre outros, somado à corrida armamentista, evidenciam que o próximo Papa terá muito trabalho para fora dos muros da Igreja.
O Vaticano segue como ator geopolítico resiliente, cuja força não depende de poder militar, mas de sua capacidade de mediar. O funeral do Papa Francisco reafirmou essa posição, servindo de palco para importantes movimentos diplomáticos. O futuro da influência vaticana dependerá da escolha de um novo pontífice capaz de interpretar as demandas contemporâneas e manter relevante essa tradição diplomática.