Aprovada em agosto de 2025, a Lei nº 15.190/2025, oficialmente denominada Lei Geral do Licenciamento Ambiental, mas popularmente conhecida como “Lei da Devastação”, altera profundamente as regras de proteção ambiental no Brasil.
Apresentada sob o argumento de “simplificar” e “modernizar” os processos de licenciamento, a norma acaba por fragilizar os principais instrumentos de controle, reduzindo a transparência, a participação pública e a capacidade do Estado de prevenir danos ambientais.
Um estudo recém-publicado na revista Perspectives in Ecology and Conservation, intitulado “Shortcuts to degradation: environmental consequences of Brazil’s general environmental licensing law”, reúne dezenas de pesquisadoras e pesquisadores de todas as regiões do país e de diferentes biomas.
O grupo discute que as mudanças promovidas pela nova lei podem consolidar práticas permissivas já existentes, institucionalizando mecanismos de autolicenciamento, renovações automáticas e amplas isenções para parcela de setores, como o agronegócio e a infraestrutura.
O grupo ressalta, contudo, que não se opõe à redução de burocracias quando redundantes ou desnecessárias, nem à automatização de processos e à incorporação de tecnologias capazes de conferir maior agilidade e eficiência à administração pública. Da mesma forma, apoia a ampliação e o fortalecimento dos órgãos de controle ambiental.
Entretanto, o grupo chama a atenção para diversas nuances da nova lei que podem gerar fragilidades institucionais e ampliar os riscos de impactos cumulativos e sinérgicos. Também destaca que os potenciais efeitos negativos não recaem sobre os setores como um todo, mas sobre determinadas parcelas e práticas que podem se beneficiar indevidamente de flexibilizações.
Isso resulta em desequilíbrios socioambientais e em potenciais impactos econômicos, mesmo em setores que, à primeira vista, pareceriam favorecidos pelas mudanças introduzidas pela legislação.
Neste trabalho, o grupo chama a atenção para mudanças que consolidam práticas permissivas já existentes, institucionalizando mecanismos de autolicenciamento, renovações automáticas e amplas isenções para setores de alto impacto, como o agronegócio e a infraestrutura.
Nosso estudo aprofunda análises anteriores publicadas pelo The Conversation: no artigo “O que acontece com o licenciamento ambiental se o PL 2159/21 for sancionado?”, antecipávamos os riscos de enfraquecimento das normas ambientais; já o texto “Proteção ambiental passa por retrocesso histórico em toda a América Latina”, contextualizamos esse fenômeno em nível continental.
Ao ampliarmos essa discussão, mostramos como a nova lei brasileira representa um caso emblemático de retrocesso institucional em plena década decisiva para o clima e a biodiversidade.
O que muda com a nova lei
A lei fragiliza o processo técnico e preventivo de licenciamento por meio de um modelo de autodeclaração, no qual o próprio empreendedor declara que cumpre as normas ambientais e recebe a licença automaticamente. Essa modalidade, conhecida como Licença por Adesão e Compromisso (LAC), dispensa avaliação técnica prévia por órgãos ambientais e reduz drasticamente o papel da fiscalização. Além disso, a norma:
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Isenta de licenciamento algumas atividades agropecuárias, sem definir claramente limites de produção ou área;
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Permite renovações automáticas de licenças, enfraquecendo o acompanhamento de condicionantes ambientais;
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Restringe a participação social, tornando simbólica a consulta a povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais;
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Descentraliza responsabilidades aos estados e municípios sem estrutura técnica, criando um mosaico desigual de regras ambientais.
Essas medidas representam um “atalho para a degradação”: reduzem a capacidade do país de prevenir desastres, podem gerar efeitos sinérgicos de mudanças no uso do solo, aumentando a degradação e o ganho de escala de pequenos desmatamentos, e comprometem a qualidade de vida de milhões de brasileiros.
Como já discutido no artigo “PL da Devastação simboliza perigosa contradição entre discurso e prática na política ambiental brasileira”, há uma dissonância entre o discurso de modernização e a prática legislativa que desmantela políticas ambientais conquistadas ao longo de décadas. Nosso posicionamento chama a atenção para essa contradição, que se aprofunda com a nova lei, que institucionaliza uma política de riscos ao meio ambiente e à sociedade.
Consequências para cada bioma
Os efeitos da lei não serão homogêneos. Cada bioma sofrerá de maneira distinta:
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Na Amazônia, a dispensa de licenças para atividades agropecuárias e a retomada de grandes obras, como a BR-319, tendem a acelerar o desmatamento, a grilagem e a invasão de terras indígenas.
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No Cerrado, a flexibilização ameaça as nascentes e pode reduzir a disponibilidade de água, afetando a agricultura e o abastecimento urbano.
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Na Mata Atlântica, o texto facilita a supressão de florestas em regeneração e de fragmentos remanescentes, essenciais para o abastecimento de água e para a estabilidade climática.
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No Pantanal, Campo Sulinos e nas Zonas Costeiras, o afrouxamento da Lei pode favorecer a conversão de áreas naturais abertas (e.g., campos nativos e áreas úmidas) para outros usos, particularmente o uso de forragens invasoras, o turismo predatório e empreendimentos com potencial de impacto hidrológico cumulativo.
Representando um retrocesso institucional e social, a nova lei fragiliza os instrumentos técnicos de licenciamento, ao mesmo tempo em que enfraquece as instituições ambientais, como IBAMA e ICMBio, reduzindo sua autonomia e seu poder de decisão. Ao transferir competências para municípios e estados sem estrutura adequada, o país corre o risco de criar “paraísos da degradação”, onde regras frouxas favorecem atividades poluidoras e ilegais.
Alternativas e caminhos possíveis
Os pesquisadores apontam medidas urgentes para mitigar os impactos da nova lei:
1) Criação de uma coalizão nacional de monitoramento ambiental;
2) Judicialização e controle constitucional.
3) Ações civis públicas e mecanismos de reparação ambiental.
4) Pressão nacional e internacional e transparência nas cadeias produtivas.
O tema é urgente, uma vez que a promulgação da Lei nº 15.190/2025 ocorreu no mesmo ano em que o Brasil sedia a COP 30. Essa contradição compromete o discurso de liderança ambiental do país e mina sua credibilidade internacional.
Proteger o licenciamento ambiental não é um obstáculo ao desenvolvimento, mas uma condição essencial para assegurar a justiça social, a segurança hídrica e a sustentabilidade ecológica.
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