O bombardeio americano às instalações nucleares iranianas de Fordow, Natanz e Isfahan representa um dos episódios mais críticos da política internacional recente. Realizada sem a autorização do Congresso dos EUA e à revelia do Conselho de Segurança das Nações Unidas, a operação evidenciou, por um lado, profundas contradições internas na política externa dos Estados Unidos e, por outro, expôs fragilidades na governança global, no respeito ao direito internacional e na arquitetura econômica mundial.
A Carta das Nações Unidas é o instrumento central para a regulação do uso da força nas relações internacionais. Seu artigo 2(4) veda o uso da força contra a integridade territorial ou a independência política de qualquer Estado, salvo em legítima defesa (art. 51) ou por autorização expressa do Conselho de Segurança (arts. 39 a 42).
No caso em questão, nenhuma dessas condições estava presente: os EUA agiram sem respaldo do Conselho de Segurança e sem clara situação de legítima defesa, sendo imediatamente criticados por Teerã, pela ONU (com muita contenção) e por vários governos como Emirados Árabes Unidos, Catar e Japão de violar a ordem jurídica internacional.
O Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP), que obriga as partes a buscarem meios diplomáticos e inspeções sob supervisão da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), também foi citado por autoridades iranianas e internacionais como mais uma norma violada — sobretudo porque as instalações atacadas estavam sob monitoramento internacional (salvaguardas internacionais).
Um paradoxo em relação à retórica não-intervencionista
A decisão de Trump representou um paradoxo em relação à sua retórica de campanha e início de mandato, que priorizava o não-intervencionismo e o lema “America First”. O ataque foi realizado sem autorização do Congresso dos EUA, contrariando a War Powers Resolution de 1973, legislação criada justamente para limitar o poder unilateral do Executivo em ações militares. Internamente, democratas e parte dos republicanos apontaram a inconstitucionalidade da medida, enquanto setores neoconservadores celebraram a demonstração de força.
No plano internacional, a reação foi imediata. O Irã denunciou o ataque como agressão e prometeu retaliação, lançando mísseis sobre cidades israelenses como Tel Aviv e Haifa. O secretário-geral da ONU, António Guterres, descreveu o episódio como “uma escalada perigosa”, qualificando-o como ameaça à paz global, e convocou uma sessão de emergência do Conselho de Segurança para avaliar a crise.
Países europeus, juntamente com emergentes como China e Rússia, exigiram a retomada do diálogo diplomático e reafirmaram o respeito à ordem multilateral. Mesmo aliados tradicionais dos EUA, como França e Alemanha, manifestaram preocupação com o precedente estabelecido e com a erosão da legitimidade das instituições multilaterais. Organizações internacionais e analistas alertaram para o risco de uma escalada militar generalizada na região, enquanto o impacto imediato no plano econômico seguramente se traduzirá em uma alta significativa no preço do petróleo, com reflexos que podem desencadear uma nova crise econômica mundial.
A dimensão econômica está sendo pressionada desde o inicio do conflito. O preço internacional do petróleo subiu fortemente, refletindo o risco de interrupção no fornecimento do Golfo Pérsico, fundamental para o abastecimento energético mundial. O Brasil, que importa grande parte dos fertilizantes (assim como gasolina, diesel e petróleo leve) e depende das oscilações internacionais do petróleo para definir preços internos de combustíveis e alimentos, sofrerá impactos diretos: aumento nos custos produtivos, pressão inflacionária e elevação do preço dos combustíveis nas bombas. O cenário de instabilidade, naturalmente, também reduz a confiança de investidores e ampliam a volatilidade nos mercados globais, dificultando a recuperação econômica e aumentando os custos do crédito para o país.
Ataque evidencia mais uma vez os limites da ONU
O ataque dos EUA ao Irã evidencia os limites da ONU e dos principais marcos jurídicos internacionais, enfraquecendo tanto o princípio da contenção nuclear quanto o sistema de não proliferação. Para o Brasil — país historicamente comprometido com a legalidade internacional, o multilateralismo e a solução pacífica de conflitos —, a crise impõe o desafio de conciliar a defesa das instituições globais com seus interesses econômicos, mantendo ao mesmo tempo uma postura independente.
Agrava esse quadro o fato de o Irã ser um novo membro do BRICS, grupo em que o Brasil exerce papel influente. Além dos impactos econômicos diretos, sobretudo em setores como agricultura e energia, o episódio alerta para o risco de enfraquecimento das normas internacionais, favorecendo o unilateralismo e o uso da força. Nesse cenário de instabilidade, torna-se ainda mais relevante o protagonismo brasileiro na promoção de uma ordem baseada em regras, diálogo e cooperação — valores centrais defendidos pelo Brasil tanto no BRICS quanto na própria ONU.
O bombardeio das instalações nucleares do Irã pelos EUA, sem autorização do Conselho de Segurança da ONU e do Congresso americano, constitui um divisor de águas para a ordem internacional. Ao desafiar normas fundamentais — como a Carta da ONU e, provavelmente, o próprio TNP —, a ação evidencia a fragilidade das instituições multilaterais diante do uso unilateral da força. Para o Brasil e o mundo, fica a lição de que estabilidade, segurança e prosperidade dependem não só do equilíbrio de poderes, mas do respeito efetivo às normas e ao diálogo internacional.