A liberdade de expressão e de imprensa é elemento constitutivo das democracias. Sem imprensa livre, enfraquece-se a fiscalização do poder e dissolve-se o espaço de crítica que sustenta a esfera pública. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, estabelece essa liberdade como direito inalienável. Nos Estados Unidos, a Constituição a protege desde sua fundação por meio da Primeira Emenda.
Nos últimos anos, evidencia-se a deterioração progressiva dessas garantias, especialmente nos Estados Unidos sob Donald Trump, seguindo práticas já observadas na Hungria de Viktor Orbán. Ambos os casos ilustram estratégias de captura institucional e concentração de poder, tensionando as bases democráticas e abrindo espaço para dinâmicas autocráticas.
O pensamento constitucional que estruturou as democracias modernas reconheceu a propensão do poder à expansão quando não adequadamente limitado. O filósofo inglês John Locke via a liberdade de crítica como anterior à formação do Estado, enquanto Montesquieu argumentava que a separação de poderes e a proteção da liberdade de expressão eram barreiras necessárias à contenção da tirania.
O político e advogado James Madison, ao formular a Primeira Emenda, defendeu não apenas a inexistência de censura, mas a criação de condições materiais que garantissem a existência de uma esfera pública crítica e informada. Assim, apoiou políticas que estimularam a ampla circulação de jornais, compreendendo que o acesso à informação era indispensável para o funcionamento da cidadania.
A teoria política clássica, entretanto, não previu com clareza os mecanismos de erosão indireta que caracterizam as democracias contemporâneas. A manipulação estratégica das normas jurídicas, a utilização seletiva de instrumentos legais e a criação de barreiras institucionais não explícitas constituem formas eficazes de minar a liberdade de imprensa sem romper formalmente com a ordem constitucional.
Essas práticas se manifestam por meio de assédio judicial sistemático contra veículos de imprensa, pressões financeiras destinadas a inviabilizar a sustentabilidade econômica dos meios independentes, instrumentalização de órgãos reguladores para perseguir adversários e campanhas públicas destinadas a deslegitimar jornalistas e plataformas críticas.
O objetivo principal não é censurar diretamente, mas reconfigurar o espaço público de modo a controlar o fluxo de informações disponíveis para a sociedade, minando progressivamente a capacidade de deliberação livre e o pluralismo informativo. A erosão não se dá em grandes rupturas, mas em ajustes sucessivos que reduzem a capacidade da imprensa de cumprir seu papel fiscalizador.
Hungria: A Reconfiguração do Espaço Político
Desde 2010 ocupando o cargo de primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán promoveu uma reconfiguração estrutural do sistema político húngaro. A centralização do controle sobre a mídia foi acompanhada pela criação de órgãos reguladores subordinados ao governo, pela concentração dos veículos de comunicação em mãos de aliados e pela transformação da mídia pública em instrumento de propaganda.
Em 2024, o Parlamento húngaro aprovou uma legislação permitindo a revogação da cidadania de críticos que possuam dupla nacionalidade, aprofundando o alinhamento político obrigatório como critério de cidadania. Portanto, a Hungria mantém formalmente processos eleitorais, mas opera segundo dinâmicas de autocratização institucionalizada.
Estados Unidos: Restrição da Imprensa e Remodelagem Institucional
Durante o segundo mandato de Donald Trump, práticas semelhantes estão sendo observadas. Jornalistas críticos estão sendo excluídos de eventos oficiais e veículos como Associated Press, CBS, NPR e PBS passaram a ser alvos de processos judiciais e investigações da Federal Communications Comission (FCC). Simultaneamente, promove-se a substituição de fontes tradicionais de informação por mídias alinhadas e a rotulagem da imprensa crítica como “inimiga do povo”.
As alterações no sistema também alcançaram agências como a U.S. Agency for Global Media, que teve seu funcionamento comprometido, expondo jornalistas estrangeiros a riscos de perseguição em seus países de origem. Esse movimento não apenas restringiu a liberdade de imprensa interna, mas comprometeu o papel internacional dos Estados Unidos como agente de promoção da liberdade de expressão. Além da imprensa, universidades e centros de pesquisa também foram submetidos a pressões políticas e cortes de financiamento, ampliando o padrão de ataque às instituições autônomas.
Padrões de Captura Democrática
Em ambos os casos, o ataque inicial à imprensa precede a transformação mais ampla dos arranjos institucionais. A centralização do poder executivo, o enfraquecimento dos mecanismos de fiscalização e a manipulação da arquitetura regulatória configuram trajetórias claras de autocratização.
Embora sistemas federativos possam retardar essas dinâmicas, a efetividade dos freios institucionais depende da adesão substantiva dos atores políticos aos princípios democráticos. A fragmentação de competências, embora relevante, não é suficiente para impedir a degradação quando o comprometimento normativo se dissolve.
A sobrevivência das democracias, portanto, não depende apenas de sua arquitetura formal, mas da integridade dos atores que operam seus mecanismos.
A comparação entre Estados Unidos e Hungria demonstra que a erosão democrática não exige a ruptura explícita das instituições, mas pode ser conduzida pela progressiva corrosão dos instrumentos de controle, da liberdade de imprensa e do pluralismo informativo.
A liberdade de imprensa não é um adorno das democracias, mas condição para o funcionamento de seu processo deliberativo. Sem acesso livre e crítico à informação, a deliberação pública se torna disfuncional e o consentimento popular perde legitimidade.
A tradição política que remonta a John Locke, Montesquieu e James Madison reafirma que o poder só se mantém legítimo quando submetido ao escrutínio contínuo da opinião pública. Além disso, a Carta das Nações Unidas de 1948 consagra a liberdade de expressão como pilar da dignidade humana e da estabilidade internacional.
A defesa da liberdade de imprensa não é contingente nem acessória: é requisito para a preservação da democracia enquanto regime de governo baseado na limitação do poder e na soberania popular informada.