Quem nunca se presenteou com um mimo fora de hora? Pode ter sido aquele ovo de Páscoa do seu chocolate favorito, ou uma viagem “imperdível” que estourou o orçamento. O que, afinal, nos leva a agir assim? E até que ponto esse comportamento merece atenção? É muito fácil julgar essas compras como uma forma de descontrole, futilidade ou manipulação da publicidade. No entanto, pesquisas em psicologia social e comportamento do consumidor aprofundam esse debate e mostram que há muito mais por trás de uma compra não planejada.
As Pesquisas Transformativas Sobre o Consumidor (do inglês, Transformative Consumer Research) buscam compreender como o consumo impacta a vida das pessoas, com o objetivo de promover bem-estar e qualidade de vida. O foco está tanto na identificação de problemas quanto na exploração de oportunidades, com a finalidade de melhorar a qualidade de vida diante dos efeitos do consumo. Ao mapear as motivações por trás de padrões de consumo problemáticos ou compulsivos, criamos caminhos para intervenções psicoeducativas ou clínicas mais eficazes, sem recorrer a julgamentos morais.
Escalas e instrumentos para entender o comportamento
Em nosso Laboratório de Pesquisas em Psicologia Social da PUC-Rio, desenvolvi diversos estudos com esse objetivo. A maioria deles foi quantitativo, feito com amostras amplas e variadas de voluntários adultos de todas as regiões do Brasil – e, às vezes, de outros países também. Qualquer pessoa a partir de 18 anos podia participar. Geralmente, os participantes são convidados a responder questionários online com perguntas desenhadas cuidadosamente para medir o propósito específico de cada trabalho. Então, as análises estatísticas Consumonos permitem identificar padrões e relações entre variáveis psicológicas e comportamentais.
Por exemplo, em um dos nossos estudos, desenvolvemos uma escala para medir impulsividade de compra, adaptada ao contexto brasileiro. Com dados de 1.296 participantes, foi possível validar um instrumento robusto. Vimos que, entre os participantes, a tendência de comprar por impulso teve correlações positivas com características de hedonismo no consumo e influência social normativa – um tipo de influência social que nos faz mudar de comportamento para nos enquadrar em um determinado grupo. Além disso, o instrumento foi capaz de diferenciar pessoas que seguem ou não comportamentos como fazer listas de compras ou preferir ir às compras acompanhado. Mas o principal resultado foi a disponibilização da escala em si: uma ferramenta que pode ser útil para identificar tendências de comportamentos de consumo desregulado.
Outro instrumento validado por nossa equipe foi a escala de motivações hedônicas – ou seja, movidas pelo prazer – para compras. Ela mede seis dimensões: 1) comprar para suprir uma sensação de aventura; 2) por gratificação para se distrair de um problema; 3) para cumprir um papel social, como por exemplo, de achar um presente ideal; 4) pela satisfação de um bom preço; 5) como uma forma de socialização; 6) ou para obter uma novidade. O estudo realizado com 429 adultos indicou que o instrumento tem confiabilidade para uso no Brasil. Os resultados mostram que mecanismos de autogratificação, como justificar uma compra desnecessária com “eu mereço”, atuam fortemente no consumo impulsivo – mais do que a própria personalidade. Assim, o consumidor mantém uma autoimagem positiva.
Personalidade e emoções positivas
Outros modelos de mensuração e características individuais também são úteis para estudar os comportamentos do consumidor. Por exemplo, o modelo Big Five, ou dos Cinco Grandes Fatores, que descreve a personalidade humana através de cinco dimensões: Abertura à experiência, Conscienciosidade, Extroversão, Afabilidade e Neuroticismo. Vimos que esse modelo permite prever diferentes padrões de consumo, indicando que traços como neuroticismo e extroversão estão fortemente relacionados à compra por impulso. Análises similares indicam que pessoas mais abertas e extrovertidas tendem a consumir mais por prazer, enquanto as conscienciosas são – como era de se esperar – mais racionais e controladas. Além disso, emoções e busca por novidades também têm se mostrarado grandes estímulos para as compras.
Embora muitas vezes se associe compras por impulso a emoções negativas, como ansiedade ou frustração, estudos mostram que emoções positivas também têm um papel relevante, com emoções como alegria e entusiasmo podendo impulsionar decisões menos racionais. Um trabalho nosso com mais de 1.238 brasileiros apontou que estados positivos de humor estão diretamente ligado ao aumento da intenção de consumo de bens materiais, ou seja, itens tangíveis que podem ser vistos, tocados e medidos.
É importante lembrar que nem todas as compras impulsivas são prejudiciais. Em um artigo de opinião, publicado na revista Nature Reviews Psychology, relato resumidamente o que a literatura da área tem encontrado com frequência e consistência: compras de experiências vividas tendem a produzir mais bem-estar do que as materiais ou utilitárias. No geral, muitos estudos têm apontado que a percepção subjetiva da compra é mais relevante do que o tipo e o valor investido.
Compras em tempos de crise: pânico, escape e retomada
Acho particularmente interessante um estudo que fiz com meu colaborador Samuel Lins, psicólogo do consumidor e professor da Universidade do Porto, em Portugal, durante a pandemia de COVID-19. Na época, muitos consumidores, pressionados por medo e incerteza, adquiriram alguns produtos de forma excessiva, causando a escassez de itens como papel higiênico em diversas cidades do mundo.
O contexto era extremamente desafiador para as pessoas, para o planeta e inclusive para a pesquisa em consumo, mas gerou uma produção riquíssima. Nós construímos o primeiro instrumento psicológico que mede a tendência de comprar por pânico em situações de crise, a partir de uma amostra de brasileiros e, posteriormente, também testada em portugueses.
Depois disso, investigamos outros efeitos da crise sanitária sobre padrões de consumo. Com a participação de 1897 voluntários brasileiros, observamos que fatores como ansiedade, estresse e desinformação influenciaram compras excessivas durante o primeiro ano da pandemia. Nesse caso, as compras funcionaram como uma estratégia de enfrentamento, uma tentativa de aliviar emoções negativas e diminuir o medo.
Após a fase mais aguda da crise, outro fenômeno emergiu: o chamado revenge buying – compras motivadas por vingança, na tentativa de se auto-recompensar pelos longos períodos de privação e isolamento. Fizemos uma breve reflexão da literatura sugerindo que, ao término da pandemia, o consumo de itens luxuosos e experiências únicas aumentaria, com forte componente emocional e hedônico. O consumo, porvezes, torna-se uma forma de reencontro com o prazer, autoestima e sensação de retomada da vida normal.
Uma jornada de autoconhecimento
Pode parecer estranho, mas minha trajetória profissional começou na publicidade e marketing, onde trabalhei por 13 anos, em meio a campanhas e estímulos cuidadosamente planejados para promover o consumo. Porém, enquanto eu me inquietava com a responsabilidade de hiper-estimular compras, eu também percebia que a propaganda sozinha não monopolizava o poder de fazer as pessoas comprarem qualquer coisa de que não precisem, a qualquer preço. Eu observava que as pessoas eram estimuladas ao consumo de maneiras distintas, descobri que o que me intriga e fascina é justamente entender essas variáveis psicológicas e sociais que nos fazem mais suscetíveis e que interferem nas decisões e preferências. O que teria, afinal, dentro da nossa caixa-preta do comportamento?
O próximo avanço dessas pesquisas é comparar dados de diferentes países e contextos, e com uma projeção ao longo do tempo. Também será relevante olhar mais para dados qualitativos que analisem em profundidade a experiência subjetiva dos consumidores. Por enquanto, em 2025 estamos iniciando uma pesquisa sobre consumo ambiental, buscando entender como o comportamento de compra pode ser afetado pela crise climática e pelas interações digitais. Pretendo comparar resultados em diferentes regiões, culturas e perfis demográficos, portanto, vamos precisar de muitos participantes. Os interessados podem entrar em contato pelo e-mail [email protected].
Ao final, espero que conhecer as variáveis emocionais, cognitivas e sociais que nos tornam mais propensos ao consumo seja um convite à consciência e autoconhecimento. Entender por que compramos é tão importante quanto saber o que compramos. Essa consciência pode ser útil tanto em contextos terapêuticos quanto em estratégias de educação financeira. E, quem sabe, nos ajude a fazer escolhas cada vez mais alinhadas aos nossos valores – sem abrir mão do prazer, mas com equilíbrio.