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Biocentrismo: campo de estudo emergente coloca a vida – e não os humanos – no foco das ciências que pensam o mundo

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Biocentrismo: campo de estudo emergente coloca a vida – e não os humanos – no foco das ciências que pensam o mundo

É possível investigar as possibilidades de relação dos seres humanos com a Natureza e os indícios do seu pertencimento ao grande ciclo da vida por meio de experimentos e teorias científicas, por meio do pensamento lógico desenvolvido pela filosofia ou, também, por experiências diretas com o mundo natural.

Com formação em Ciências Biológicas e 30 anos de experiência na facilitação de processos de aprendizagem com a Natureza, tenho me interessado em pesquisar sobre as relações das pessoas com o mundo selvagem e em observar os caminhos que se abrem quando encontros acontecem.

Tal aprendizagem acontece pela experiência vivida. Para descrever essa abordagem, começo fazendo um convite a cada leitora e leitor: imagine que você caminha por uma trilha no interior de uma floresta. Ao passar entre milhares de outros seres vivos, você sente seu corpo despertar. Tudo se torna mais intenso, e os cinco sentidos vão se ampliando, se fortalecendo.

Em comparação com a sua vida cotidiana, o que aconteceria com os seus sentidos? Se você mora na cidade, seu olhar passa a alcançar maiores distâncias, o olfato descobre odores desconhecidos, você consegue ouvir sons que estão muito distantes, seu corpo reconhece temperaturas e texturas variadas, você pode experimentar o sabor de folhas, flores e frutos pela primeira vez.

Aos poucos, começa a ter percepções mais sutis. Pode sentir que, ao observar mais atentamente uma planta, ela também te percebe — descobrindo que existe uma reciprocidade entre vocês. O sentido da intuição conduz a aspectos que chamam mais a sua atenção do que outros, e você descobre que ela é uma forma muito concreta de comunicação.

Esse tipo de experiência, muito simples e de fácil alcance, estimula as pessoas a refletirem sobre seus modos de vida e seus valores. Isso pode levá-las a perceber que vivem sob uma lógica diferente daquela experimentada na relação com a floresta. Dar pouca importância para a biodiversidade e desconhecer as possibilidades de relações que podemos ter com ela é o que fizemos e fazemos ao manter nosso modo de vida atual.

Natureza ou supremacia humana?

Nesses tempos intensos em que vivemos, um olhar detido sobre a questão de nosso pertencimento ao mundo natural se faz necessária e urgente. Como o tema é complexo, é preciso explorar e conhecer o que está por trás do modelo de sociedade em que as populações nacionais e mundiais estão atualmente inseridas, e quais são as possibilidades de uma atuação coerente com o fato de também sermos seres vivos.

O que prevalece hoje são os valores antropocêntricos, que entendem que os seres humanos que vivem dentro da economia de mercado são superiores a tudo mais, incluindo toda a Natureza e os povos que vivem em sintonia com ela.

Por outro lado, a visão de que nós, seres humanos, somos Natureza é contrária à ideia de supremacia humana, colocando-nos em igual posição com outros seres vivos. Assim, reconhece que os seres humanos têm características próprias, e considera o pensamento, a linguagem, a capacidade criativa como parte da natureza humana, o que não as separa das demais espécies. Essa visão é conhecida como biocêntrica, que coloca a vida no centro de suas formas de viver e pensar o mundo.

Essa visão é reforçada quando se tem a oportunidade de ter experiências diretas com o mundo selvagem, e as interações se abrem para percepções sensíveis que evidenciam a contradição entre um despertar individual e o modo de viver em sociedade. A atenção sobre o próprio corpo, que existe em íntima relação com o mundo ao redor, conduz a esse dar-se conta subjetivo. Mas é também uma percepção coletiva, no sentido de que todos os corpos humanos funcionam sobre a mesma base comum e o que um indivíduo experiencia em seu corpo é também possível para os demais.

O conhecimento que emerge dessas experiências reconhece essa conexão profunda que temos com tudo o que é vivo, e pode, a partir daí, seguir seu desenvolvimento de forma aterrada, ancorada, distante das abstrações nas quais fomos formados.

Sentir-se parte do natural

A cosmopercepção biocêntrica coloca em questão as decisões baseadas em abstrações, requerendo a participação viva e ativa do corpo e dos sentidos, não só para chegar a novas descobertas mas também para colocá-las no mundo. Ela vai questionar as formas usuais de participar da economia, vai abrir caminhos para novas relações sociais, e vai também honrar, respeitar, aprender com os saberes tradicionais dos povos originários de forma integrada.

É possível sentir-se parte do mundo natural e atuar no mundo social de forma genuína. A Natureza está plenamente aberta para acolher a nossa participação consciente em seus processos, e nos brinda com o resgate de um alinhamento interno, com vitalidade redobrada, diminuição da força opressora do ego, afeto por todos os seres e gratidão pelo privilégio dessa existência.

O sentido das coisas, as relações positivas entre as pessoas, o bem-estar físico, anímico e social são parâmetros importantes a serem considerados, indo muito além da produtividade, da reprodução em escala ou de um sucesso pessoal momentâneo.

Iniciativas nessa direção vem sendo cada vez mais abundantes. No campo da educação , da saúde, bem-estar e qualidade de vida, da psicologia, da agricultura, entre muitos outros campos de atividade humana contemporânea. Sem contar as mudanças individuais de caminho profissional, que acabam levando na direção de situações em que as pessoas encontram mais sentido no próprio processo de viver em contato e convívio com os demais seres com quem compartilhamos este planeta.

A integração de nossas naturezas por meio de relações sensoriais com o mundo selvagem conduz ao reconhecimento de uma identidade ampliada, nos tornando maiores não por sermos superiores, mas por sermos capazes, de forma consciente e coletiva, de participar do vir a ser da vida.

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