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Biografia: A vida de Evanira Mendes, nome pouco reconhecido do movimento folclórico brasileiro

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Biografia: A vida de Evanira Mendes, nome pouco reconhecido do movimento folclórico brasileiro

Evanira Mendes (1929-2022) viveu uma vida repleta de paixão pela música e cultura brasileiras. Como membro da Comissão Paulista de Folclore entre 1949 e 1959, ela ajudou a documentar e preservar tradições musicais, incluindo o batuque, o samba, grupos de congados e muitos outros. Em meados da década de 1950, escreveu mais de 75 artigos semanais no jornal Correio Paulistano sobre, como ela descreve, “o que estava acontecendo em São Paulo na época”, sob a perspectiva da música clássica, filosofia, modernismo, seguindo os ideais de identidade artística brasileira lançados na Semana de Arte Moderna de 1922. Recebeu vários prêmios, incluindo uma medalha nacional por serviços prestados ao folclore, uma bolsa de estudos para estudar na França, entre outros, mas o nome de Evanira não foi reconhecido nos relatos históricos do movimento folclórico brasileiro.

Evanira Mendes nas comemorações pelo IV Centenário da cidade de São Paulo, em 1954. Arquivo de família

Filha de pais adventistas do sétimo dia, seu pai, Alfredo Perreira Mendes, era superintendente da Casa Publicadora Brasileira, a editora da igreja. Durante sua juventude, Evanira aprendeu todas as facetas do processo de publicação, incluindo redação, edição, composição, impressão, corte e encadernação. Essas habilidades a prepararam para atuar como editora da página do “Correio Folclórico” no jornal Correio Paulistano como uma de suas responsabilidades na Comissão Paulista de Folclore.

Em meados da década de 1930, por volta dos sete anos de idade, Evanira passava os verões na fazenda de seu tio, perto de Tremembé e Taubaté, no estado de São Paulo, onde desenvolveu um fascínio pelas pessoas que andavam pelo campo com uma carroça puxada por bois.

Todos os dias, cerca de três grupos de viajantes visitavam a fazenda, compartilhando canções, lendas e fofocas das fazendas vizinhas – quem estava morando com quem, quem estava noivo ou quem havia sido morto por um touro – em troca de comida ou abrigo, dependendo da hora do dia. Evanira e seus primos aguardavam a chegada de cada grupo e criaram apelidos exclusivos para identificar os viajantes com base em características físicas distintas.

Evanira disse que passar o tempo na fazenda “era um paraíso! Acho que foi a fazenda que me fez apaixonar pelo folclore e seu povo e perceber o quanto eles eram interessantes e importantes. Tudo o que eles diziam era poético”. Ela lembrou que cada grupo visitava cerca de uma vez por mês, o que indica que havia aproximadamente 100 grupos circulando pela região.

Pesquisas folclóricas

Depois de se formar em contabilidade pela Escola Técnica de Comércio “Álvares Penteado” em 1947, matriculou-se como aluna de piano no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo no ano seguinte. No final de seu primeiro ano, Evanira foi convidada pelo professor de História de Música e do Folclore Nacional do conservatório, Rossini Tavares de Lima, para trabalhar no arquivo de folclore do conservatório.

O Centro de Pesquisas Folclóricas “Mário de Andrade” recebeu esse nome em homenagem ao falecido folclorista brasileiro, Mário de Andrade, que havia sido professor do Conservatório por vários anos. Quando Evanira começou a trabalhar nessa função, uma onda de lembranças dos verões na fazenda com os viajantes ajudou a moldar a forma como ela abordava seu trabalho no folclore. Como parte dessa experiência, Evanira conheceu o mímico francês de renome internacional Marcel Marceau, com quem mais tarde desenvolveu uma amizade duradoura que se estendeu por várias décadas.

Capa do livro sobre a folclorista brasileira.

Em 1951, Evanira apresentou sua pesquisa sobre Dorme-Nenês (canções de ninar) no 1º Congresso Brasileiro de Folclore, no Rio de Janeiro, evento que contou com a presença do presidente Getúlio Vargas. Nessa e em outras reuniões, ela desenvolveu amizades duradouras com colegas e figuras seminais da época, incluindo Renato Almeida, Oswald de Andrade Filho, Théo Brandão, Luís da Câmara Cascudo, Edison Carneiro, Camargo Guarnieri e Cecília Miereles, entre outros.

Evanira também participou de expedições de pesquisa, incluindo uma visita a Atibaia, no estado de São Paulo, onde passaram alguns dias documentando várias manifestações musicais. Por exemplo, a equipe de pesquisa era convidada a participar de um jantar, então começava o batuque, seguido da dança, e logo os pesquisadores se juntavam à dança e, durante os intervalos, eles acompanhavam os participantes, pedindo significado e esclarecimento de detalhes associados à sua experiência com a música e a dança. Ela lembra que “eles não sabiam muito bem por que estávamos interessados, mas tinham certeza de que havia um lugar em São Paulo para onde tudo isso iria – arquivado, onde eles seriam lembrados”.

Quarto centenário de São Paulo

Em 1954, a cidade de São Paulo comemorou seu 400º aniversário, resultando em uma ampla comemoração do IV Centenário da cidade de São Paulo, combinada com o Congresso Internacional de Folclore em agosto daquele ano. Evanira ajudou a organizar um pavilhão do folclore e uma grande procissão folclórica, apresentando música e dança em todo o país. Como resultado, o arquivo de folclore do Conservatório tornou-se um dos primeiros museus de folclore do país. O Museu de Folclore Rossini Tavares de Lima esteve localizado no Parque do Ibirapuera, em São Paulo, até 1999, quando o museu foi retirado do prédio da Oca, projetado por Oscar Niemeyer, para dar lugar à ampla Mostra do Redescobrimento do Brasil, em 2000, que comemorou os 500 anos da chegada dos portugueses ao litoral do país.

Em meados da década de 1950, Evanira escreveu vários artigos semanais no jornal Correio Paulistano sobre as obras de compositores como Bach, Mozart, Satie e outros, ópera, modernismo, filosofia e outros. Em 1958, recebeu a Medalha Sílvio Romero pelos serviços prestados ao folclore, ao lado do compositor Heitor Villa-Lobos, dos folcloristas mencionados anteriormente e outros.

Em 1959, Evanira recebeu uma bolsa de estudos do Ministério da Educação e Cultura para estudar na Europa, onde estudou na Sorbonne com o professor Marcel Beaufils e fez aulas de mímica com Marcel Marceau. Ela também se encontrou com Luiz Heitor Correia de Azevêdo e depois viajou para a Itália, onde conheceu Jerome Birdman, um soldado americano estacionado na Itália, o que efetivamente encerrou seu trabalho com o folclore brasileiro.

As realizações de Evanira Mendes e de várias outras mulheres que trabalharam com as comissões de folclore em todo o Brasil merecem reconhecimento por suas contribuições ao movimento. Sua história, juntamente com traduções em inglês de seus escritos, aparecem em Evanira Mendes: A voice from the Brazilian Folklore Movement(University Press of Mississippi 2025). Espera-se que essa seja a primeira de várias vozes a serem recuperadas daquela época.

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