Ad image

Bolsonaro denunciado: O que está em jogo é o futuro da democracia brasileira

7 Leitura mínima
Bolsonaro denunciado: O que está em jogo é o futuro da democracia brasileira

O professor de Direito Constitucional Emílio Peluso, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), afirmou, em entrevista ao The Intercept, que a Suprema Corte brasileira tem agora uma missão similar à da Alemanha pós-nazista ao julgar Jair Bolsonaro pela tentativa de golpe de Estado.

À primeira vista, a comparação pode parecer forte, mas é esclarecedora. Seu argumento é o de que o julgamento de Bolsonaro não é apenas sobre um ex-presidente, mas sobre o próprio futuro da democracia no Brasil. Ou seja, o que está em jogo, segundo Peluso, não é só a punição de um indivíduo, ou de um grupo de pessoas, mas a definição de até onde vai a tolerância institucional diante de um movimento político que tentou a ruptura democrática.

Os contextos são diferentes e quase um século separa os casos da Alemanha e do Brasil. Mas, no pós-guerra, a Alemanha precisou lidar com a ameaça de grupos neonazistas se reorganizando no interior da democracia e tomou decisões que estabeleceram barreiras institucionais contra a tentativa de reconstrução daquele regime. De forma similar, a justiça brasileira tem a oportunidade de estabelecer princípios que minimizem os riscos de que condutas golpistas sejam normalizadas e ampliem a margem de tolerância para ações que testam os limites do que é considerável aceitável em um regime democrático.

Além dos desafios jurídicos, o Brasil enfrenta ainda o desafio social e político de como lidar com um amplo espectro de apoiadores e simpatizantes de Bolsonaro, conforme tenho analisado nas pesquisas que realizo sobre esses eleitores. Nesse âmbito estão aqueles que tendem a manter seu apoio ao ex-presidente, mesmo após a divulgação dos documentos do indiciamento pela Polícia Federal e da denúncia da Procuradoria Geral da República que dão conta de que a trama golpista chegou a prever o assassinato do presidente e vice-presidente eleitos, de um juiz da Suprema Corte e a prisão do presidente do Senado.

Diferentemente do contexto alemão, em que o pós-guerra significou um marco de ruptura, o bolsonarismo segue ativo e mobilizado, sustentado por uma base popular que não vai simplesmente desaparecer com as decisões judiciais. Ao contrário, há o risco ainda de que o seu julgamento seja instrumentalizado para fortalecer o argumento de perseguição judicial já há muito repetido por Bolsonaro. Isso significa que a resposta ao golpismo não pode se limitar à esfera jurídica. Ela precisa ser compreendida e legitimada socialmente para evitar que a narrativa de perseguição política ganhe ainda mais tração entre sua base de apoio.

Assim, o primeiro desafio não está apenas em garantir que a responsabilização ocorra dentro das regras do Estado de Direito, mas no modo como essa responsabilização será percebida por diferentes segmentos da sociedade. Se por um lado a Justiça tem o papel de assegurar que tentativas de ruptura democrática tenham consequências, por outro, a forma como essa resposta será comunicada determinará se ela contribuirá para o fortalecimento do sistema político ou se alimentará novas formas de radicalização e ressentimento.

A experiência internacional nos mostra que respostas institucionais não podem ser apenas punitivas, mas também acompanhadas da construção de um consenso sobre os limites democráticos. A Alemanha, por exemplo, não apenas baniu partidos neonazistas, mas investiu em uma cultura política que reforçasse a rejeição ao autoritarismo. No Brasil, o desafio se traduz em encontrar formas de enfrentar o legado do bolsonarismo sem fortalecer sua retórica de vitimização.

População precisa compreender a natureza do crime

Um dos desafios mais específicos desse processo é a compreensão pública sobre os tipos de crimes que estão em questão. O crime de tentativa de golpe de Estado se diferencia, em muitos aspectos, dos crimes comuns com os quais a população está mais familiarizada, em que a materialidade costuma ser mais evidente, como em casos de roubo ou homicídio. No caso de um golpe de Estado, a própria tentativa já configura crime, ainda que não tenha se concretizado na derrubada do governo. Essa lógica, no entanto, pode parecer abstrata para uma parte da população, que tende a associar crime a consequências tangíveis e imediatas.

Esse aspecto torna a comunicação do julgamento ainda mais delicada. Uma parte do público pode interpretar a responsabilização como exagerada ou movida por interesses políticos. Sem uma explicação clara sobre a natureza desse crime, há o risco de que a decisão do STF seja percebida como uma punição excessiva para um ato que não chegou a acontecer, como tem sido defendido pela família Bolsonaro.

Se o entendimento sobre crimes comuns já é permeado por interpretações moralizantes no debate público, um crime contra o Estado democrático e não que teria se consumado plenamente exige um esforço maior para que sua gravidade seja amplamente comunicada e reconhecida.

Outro desafio é a mobilização internacional, especialmente nos Estados Unidos, algo que ganhou força com o engajamento de figuras influentes como Elon Musk. Desde a suspensão temporária do X no Brasil, Musk tem utilizado sua plataforma para amplificar narrativas bolsonaristas, incluindo a alegação de que o Brasil não tem liberdade de expressão. Assim, Elon Musk não só amplificou as narrativas bolsonaristas, mas deu a elas uma plataforma global e um verniz de credibilidade. Essa retórica, embora baseada em uma distorção dos fatos, serve a um propósito estratégico: apresentar Bolsonaro e seus aliados como vítimas de um regime autoritário e, assim, buscar apoio externo para a deslegitimação das instituições brasileiras.

Esse tipo de intervenção é parte de um fenômeno mais amplo de redes transnacionais da extrema direita operando no ambiente digital. O desafio da mobilização, portanto, não se restringe à resposta interna, mas à capacidade de o Brasil comunicar esse processo de forma clara também no cenário internacional. Se a ofensiva digital não for contraposta com uma estratégia institucional também no campo da comunicação, o risco é que a mobilização bolsonarista se fortaleça em redes fora do país que podem pressionar contra as decisões da justiça brasileira.

Compartilhe este artigo
Sair da versão mobile