Nas últimas décadas, o Brasil tem assistido à intensificação dos desastres ambientais. Das inundações no Sul às secas na Amazônia, dos deslizamentos na Serra do Mar aos rompimentos de barragens em Minas Gerais. Esses eventos, cada vez mais frequentes e complexos, evidenciam o esgotamento de respostas emergenciais isoladas e a necessidade de uma política nacional de gestão de riscos e de desastres, com mecanismos mais eficazes de prevenção, mitigação, preparação, resposta e recuperação. Transformar esse diagnóstico em políticas efetivas exige coordenação entre governo, institutos de pesquisa e sociedade civil, sustentada por uma base sólida de dados e indicadores. Foi com esse propósito que ajudamos a desenvolver o Plano Nacional de Proteção e Defesa Civil (PN-PDC 2025–2035), instituído em outubro de 2025.
Coordenado pelo Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional (MIDR), por meio da Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil (Sedec), o plano marca uma mudança de paradigma na gestão de riscos e desastres no país. É um esforço de longo prazo para substituir a lógica reativa por uma política preventiva, sustentável, equitativa e orientada por evidências.
Construção coletiva e integração entre saberes
A elaboração do plano envolveu mais de 4.200 pessoas, de 1.187 municípios. Ele foi conduzido com metodologia participativa e interinstitucional, envolvendo representantes dos três níveis de governo, centros de pesquisa, organizações sociais e comunidades locais.
A coordenação técnica coube à nossa equipe: um consórcio liderado por pesquisadores da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), com participação da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e da Universidade Metodista de São Paulo (UMESP), em cooperação com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).
Por meio de oficinas regionais, reuniões técnicas, consultas públicas e comitês temáticos, o PN-PDC consolidou uma ampla base de conhecimento compartilhado. Integrou evidências e expertises técnico-científicas, experiências institucionais e saberes locais. Essa rede de cooperação tornou-se um espaço dinâmico de aprendizado coletivo, onde gestores, pesquisadores e moradores de áreas mais vulneráveis deliberaram juntos sobre prioridades e soluções para reduzir riscos e fortalecer a resiliência em um país de dimensões continentais e realidades heterogêneas.
De ações emergenciais a uma política de Estado
Historicamente, a maior parte dos recursos públicos destinados à defesa civil no Brasil é aplicada após as tragédias. O governo federal repassa verbas a municípios que obtêm o reconhecimento oficial de situação de emergência ou calamidade, usados em ações imediatas – como a compra de cestas básicas, gás, materiais de limpeza e geradores de energia. Embora essenciais, essas medidas refletem uma inversão de prioridades: a prevenção ainda recebe pouca atenção, o que tem custado caro em vidas e recursos.
Para enfrentar esse quadro, o novo PN-PDC adota uma abordagem baseada em cenários de risco, construídos a partir de dados históricos e diversos indicadores. São utilizadas informações do Atlas Digital de Desastres e do Indicador de Capacidade Municipal (ICM) – uma ferramenta importante de autodiagnóstico para gestores locais. Uma das principais inovações é o Índice de Risco Qualitativo (IRQ), que incorpora os prejuízos econômicos causados por desastres, ampliando a análise para além dos impactos humanos (óbitos, feridos, desabrigados e desalojados). Esse é um passo importante para dimensionar não apenas as perdas imediatas, mas também os efeitos de longo prazo.
Essas bases de dados alimentam modelos climáticos regionais, desenvolvidos em cooperação com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), que projetam tendências até 2040. O resultado é um mapeamento inédito das vulnerabilidades do território brasileiro, classificando cada município e bacia hidrográfica em quatro níveis de risco: de baixo a muito alto.
Durante a elaboração do plano, realizamos simulações de alocação de recursos em defesa civil, avaliando alternativas de investimento em diferentes escalas — municipal, estadual e nacional. Os resultados foram claros: investir em prevenção salva mais vidas e reduz custos públicos. Com base nessas evidências, o PN-PDC propõe a transição para um modelo de gestão de riscos preventivo, sustentável e territorialmente equitativo.
Comunicação de riscos e engajamento social
A diversidade de atores envolvidos foi decisiva para ampliar o alcance, a legitimidade e o sentimento de pertencimento em torno da gestão de riscos e de desastres. Essa abordagem valorizou a escuta ativa e a coparticipação social, com linguagem acessível e múltiplos canais de interação: oficinas presenciais, encontros virtuais, questionários, consultas públicas e campanhas digitais. O objetivo foi democratizar o debate sobre riscos e estimular o engajamento social nas políticas de proteção e defesa civil.
Portanto, um dos pilares do PN-PDC é o Plano Integrado de Divulgação, Comunicação de Riscos e Intervenções Midiáticas, que busca aproximar a gestão de riscos da vida cotidiana da população. A ideia é romper com a lógica tecnocrática que historicamente afastou o tema do debate público.
Mais do que um instrumento técnico, o plano constitui um processo de mobilização nacional, fortalecendo o pertencimento social e a legitimidade das decisões. Nesse contexto, a comunicação deixa de ser apenas uma ferramenta informativa para ser um instrumento de prevenção e cidadania.
Alinhamento internacional
O PN-PDC está alinhado a compromissos internacionais como o Marco de Sendai para a Redução de Riscos de Desastres, o Acordo de Paris e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 da ONU – além do marco regulatório nacional. Ao articular esses referenciais à realidade brasileira, o plano reforça o papel do país nas discussões globais sobre adaptação climática e resiliência. Também consolida uma agenda nacional que reconhece a redução de riscos de desastres como política de desenvolvimento sustentável, não apenas de segurança pública.
Sua aprovação representa um marco técnico e político. O plano reúne evidências científicas, métodos participativos e visão de longo prazo, mas também expressa uma escolha ética: tratar a proteção da vida como prioridade de Estado. Ele define seis princípios, nove diretrizes e vinte objetivos estratégicos, orientados por resiliência, equidade, sustentabilidade e integração.
Mais do que metas administrativas, esses eixos delineiam um novo contrato social diante do risco, que reconhece as desigualdades territoriais e busca corrigi-las com políticas baseadas em ciência e justiça ambiental.
A construção do PN-PDC mostra que o Brasil possui capacidade técnica, científica e institucional para formular políticas complexas e participativas. O desafio, agora, é garantir sua implementação contínua e articulada entre estados, municípios e com o engajamento permanente da sociedade civil.
A divulgação deste artigo contou com o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Nível Superior (Capes).
