Assim como ocorreu com México e Canadá, o tarifaço do presidente norte-americano Donald Trump contra o Brasil, decretado no dia 9, veio acompanhado de motivação política. A medida estabelece a nova tarifa de 50% sobre a importação de produtos brasileiros.
No caso mexicano, o pretexto era a entrada de drogas nos Estados Unidos. No canadense, chegou-se ao delírio da ameaça de anexação territorial. Em ambos os episódios, ao se imiscuir em temas internos, Trump terminou por prejudicar seus próprios aliados locais.
No Canadá, o Partido Liberal de Justin Trudeau subiu 25 pontos nas pesquisas entre janeiro e abril, vencendo as eleições daquele mês contra os conservadores — algo tido como improvável antes da entrada de Trump em cena.
No México, a presidenta Claudia Sheinbaum, já popular, viu sua aprovação crescer ainda mais. O mesmo ocorreu na Austrália, onde o trabalhista Anthony Albanese superou seu rival aliado a Trump numa virada entre o início do ano e as eleições de maio. E até na Dinamarca, o interesse intempestivo de Trump pela Groenlândia fortaleceu o governo local.
No caso brasileiro, o viés político do tarifaço aparece nas menções ao Supremo Tribunal Federal (STF): seja pela regulação das Big Techs, seja pelo julgamento de Bolsonaro. A retórica eleitoral de Trump está, mais uma vez, a serviço de desestabilizar instituições democráticas estrangeiras em benefício de sua própria narrativa interna. O pano de fundo é o incômodo do ocupante da Casa Branca com o fortalecimento do BRICS e a discussão sobre a possibilidade de seus integrantes transacionarem fora do padrão dólar.
Balança comercial descompensada
O que o Brasil pode aprender com os casos anteriores? Talvez o principal ensinamento esteja na postura de altivez serena. A presidenta do México, Claudia Sheinbaum, foi exemplar. Falou ao povo mexicano, recusando-se a subir ao picadeiro de Trump. Defendeu a soberania de seu país, recusou qualquer tentativa de humilhação e apropriou-se do discurso patriótico — sem agressividade, mas com firmeza. Demonstrou disposição para o diálogo, sem abrir mão dos interesses nacionais. E com isso, conquistou respeito — até mesmo do próprio Trump.
Lula tem, além disso, uma vantagem adicional: os argumentos econômicos usados por Trump são frágeis. Ao contrário da maioria dos grandes países, o Brasil tem déficit comercial com os Estados Unidos, não superávit há mais de 15 anos. Isso abre espaço para um discurso econômico consistente — e, no plano simbólico, uma posição legítima de vítima de uma retaliação injusta. Quanto ao BRICS, o Governo brasileiro deverá recordar aos negociadores norte-americanos que o país não entrou na nova Rota da Seda da China para não melindrar os Estados Unidos, mas as novas tarifas poderão empurrar-nos nesse sentido.
Tarifaço atinge setores chave
Politicamente, também é evidente que o alvo real de Trump são as decisões da Justiça brasileira, não do Executivo. Isso dificulta para o bolsonarismo culpar Lula pelo conflito, embora já estejam tentando. Caberá ao Governo não escorregar nessa narrativa e deixar-se responsabilizar. Ao Executivo caberá defender o Judiciário. Assim, se aproxima o STF do governo federal na defesa da soberania nacional, enquanto atrai a opinião pública não polarizada — além de setores econômicos estratégicos que serão diretamente prejudicados pela tarifa desmesurada.
Não se trata apenas de uma questão simbólica. A tarifa atinge setores-chave da economia brasileira — aço, celulose, carnes, máquinas — que empregam milhões e irrigam cadeias produtivas inteiras. Ela afeta o câmbio, pressiona o dólar, eleva o custo de vida. Mexe com a estabilidade.
Pode também mexer com a percepção pública. Ao atacar o Brasil com um argumento falso, Trump ajuda Lula a reposicionar sua imagem: de líder polarizador a estadista atacado injustamente por um rival estrangeiro. O episódio une, por necessidade, Executivo e Judiciário, governo e indústria, nacionalistas de várias matizes.
O verdadeiro desafio do governo será resistir à provocação barata de Trump. Com os Estados Unidos, o Brasil deve negociar com discrição, altivez, serenidade e respeito, deixando claro que as questões judiciais cabem ao Judiciário — que, no Brasil, é autônomo, independente e atua dentro dos limites constitucionais.
Se Lula souber dosar firmeza com diplomacia, enfrentamento com fleuma, e retórica com prudência, pode sair maior. Pode transformar a crise numa oportunidade e ter, de quebra, créditos eleitorais. E, acima de tudo, pode mostrar ao mundo — e aos brasileiros — que o país não aceita ser tratado como republiqueta.