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BRICS firma-se como força de mudança na arquitetura financeira internacional e como novo bloco geopolítico

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BRICS firma-se como força de mudança na arquitetura financeira internacional e como novo bloco geopolítico

O Brasil receberá a cúpula do BRICS+ em julho desde ano, completando 16 anos desde a primeira reunião de líderes em 2009. Naquele momento, o mundo enfrentava a crise financeira global, iniciada em 2008 nos EUA. A percepção de que as instituições financeiras internacionais não refletiam a distribuição de poder na economia global uniu os países do BRICS.

Sua demanda comum foi, portanto, a de reformar essas instituições, com destaque para o Fundo Monetário Internacional (FMI), que havia demonstrado limitações na prevenção da crise financeira de 2008. Assim, o BRICS, em sua fase inicial, adotou uma agenda reformista, buscando maior representatividade e influência nas instituições existentes, sem necessariamente confrontá-las. Porém, essa agenda reformista foi perdendo força à medida que as tensões geopolíticas se intensificaram.

Atualmente, mais de 20 países solicitaram adesão ao grupo, incluindo grandes produtores e exportadores de petróleo. Nesse contexto, fatores como as crescentes tensões entre Estados Unidos e a China, a ocupação da Crimeia seguida pela invasão da Ucrânia pela Rússia, o debate sobre alternativas monetárias ao dólar norte-americano e a ampliação do bloco para países regionalmente relevantes, têm contribuído para a transformação do BRICS em uma coalizão geopolítica.

Promoção de reformas estruturais

Apesar dessa inflexão para a geopolítica, os países do BRICS continuam a desempenhar um papel estratégico na promoção de reformas estruturais da arquitetura financeira internacional, sobretudo se atuarem de forma coordenada e articulada com outros países em desenvolvimento. Conforme debatemos no âmbito do G20, a estrutura financeira vigente, moldada no pós-Segunda Guerra Mundial, mostra-se crescentemente disfuncional frente aos desafios contemporâneos do desenvolvimento.

Segue sendo prioritário que o BRICS+ atue conjuntamente em prol da reforma do sistema de cotas e de governança do Fundo Monetário Internacional (FMI), assegurando uma representação mais equitativa dos países do Sul Global.

Paralelamente, é necessário que pressionem pela revisão da política de empréstimos do FMI, especialmente no que tange à definição de limites para as taxas de juros dos Direitos Especiais de Saque (SDRs), de modo a proteger os países tomadores do encarecimento excessivo da dívida durante crises financeiras. Adicionalmente, deve-se fomentar um modelo anticíclico para o sistema de sobretaxas, que funcione como um mecanismo de proteção — e não de penalização — em períodos de vulnerabilidade fiscal.

Torna-se urgente, assim, um redesenho profundo dos instrumentos financeiros multilaterais. O atual Common Framework do G20, por exemplo, carece de mecanismos efetivos para obrigar a participação dos credores privados nos processos de reestruturação da dívida, e tampouco incorpora critérios associados às responsabilidades climáticas ou sociais dos países devedores.

Melhoria de quadros fiscais e busca de recursos para o clima

Hoje o BRICS+ é composto tanto por países credores (a China), quanto por devedores (Egito, Etiópia e África do Sul). A Etiópia, novo membro do BRICS+, está em negociação sobre tratamento da dívida no G20 desde 2021. Se o BRICS quiser “liderar pelo exemplo”, a China deve aliviar de forma significativa a dívida mantida com países do BRICS, de forma apoiá-los a melhorar seu quadro fiscal e aumentar recursos disponíveis para o investimento em desenvolvimento e clima.

Outra frente essencial de ação diz respeito à reforma da Análise de Sustentabilidade da Dívida (DSA) conduzida pelas instituições financeiras internacionais. Os métodos atualmente utilizados ignoram as necessidades de investimento em áreas críticas como adaptação climática, transição energética e inclusão social.

É imperativo incorporar objetivos de desenvolvimento de longo prazo nos critérios de avaliação da sustentabilidade das dívidas soberanas. O BRICS+ deve agir de forma concertada, em diálogo com outros países em desenvolvimento e com o sistema das Nações Unidas, para estabelecer as bases de um marco multilateral de governança da dívida. Tal arcabouço pode incluir novos parâmetros de DSA; incentivos à participação dos credores privados; ampliação do leque de países elegíveis; mecanismos de transparência — como um registro internacional de dívidas soberanas — e compromissos com direitos humanos, equidade de gênero e salvaguardas ambientais.

Presidência brasileira

A presidência brasileira dos BRICS+ pode acelerar a implementação do Arranjo Contingente de Reservas (ACR) para apoiar países com dificuldades na balança de pagamentos. O mecanismo precisa ser fortalecido por meio de um redesenho que amplie a parcela desvinculada do Fundo Monetário Internacional (atualmente limitada a 30% dos recursos). O ACR deve incorporar uma cesta de moedas que contemple os novos membros dos BRICS e operar empréstimos em moedas locais, reduzindo a exposição ao dólar americano. Sempre que possível, os empréstimos devem ser concedidos na moeda do país beneficiado, mitigando os impactos do endividamento externo.

É igualmente relevante destacar que, em 2024, os países do BRICS reconheceram a importância estratégica da recém-estabelecida Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Cooperação Tributária Internacional (UNFCITC). A criação dessa convenção foi uma demanda histórica dos países em desenvolvimento, que enxergam na ONU um fórum mais democrático e representativo do que a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), tradicionalmente dominada pelos interesses das economias centrais.

A OCDE tem liderado as negociações sobre a agenda de combate à erosão da base tributária e à transferência de lucros (BEPS), culminando na proposta dos Dois Pilares para a reforma da tributação internacional. Contudo, o acordo formulado nesse âmbito tem se mostrado insuficiente para responder às necessidades dos países do Sul Global.

Nesse contexto, o BRICS+ tem um papel crucial a desempenhar na consolidação da UNFCITC como novo lócus institucional para o avanço de normas tributárias globais. Além disso, durante o G20 realizado em 2024, foi apresentada a proposta de criação de um imposto global sobre indivíduos de alto patrimônio líquido — proposta reiterada na Declaração de Kazan.

Para que essa agenda avance de maneira, os países do BRICS+ precisam construir um consenso interno em torno da proposta e agir de forma coordenada com outros países em desenvolvimento no fortalecimento da UNFCITC, de modo a garantir que os novos mecanismos tributários sejam moldados por princípios de justiça fiscal e solidariedade internacional.

Construir uma arquitetura financeira internacional alternativa requer adotar uma perspectiva contra-hegemônica voltada aos interesses coletivos do Sul Global. Se o BRICS quiser se tornar uma força transformadora, é necessário reforçar a coordenação interna e ampliar parcerias com outros países em desenvolvimento.

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