Na reunião deste ano, marcada para julho no Rio de Janeiro, o BRICS celebrará 16 anos desde a realização de sua primeira cúpula, em 2009. De lá para cá, a trajetória do grupo tem alimentado o imaginário de modernização e desenvolvimento no Sul Global. Criou-se muitas expectativas de que o bloco pudesse tornar-se uma alternativa viável à ordem internacional hegemonizada pelo Ocidente. Mas essa capacidade tem se mostrado até agora limitada por desafios internos e externos.
No plano externo, a intensificação das rivalidades geopolíticas e o retorno ao poder de Donald Trump nos Estados Unidos, tendem a acirrar a fragmentação do sistema internacional e a restringir os espaços de atuação de coalizões do Sul Global. No plano interno, persistem assimetrias significativas entre os membros do BRICS+ em termos de capacidades econômicas, projeção geopolítica e modelos de desenvolvimento. Essas discrepâncias dificultam a consolidação de uma agenda comum coesa e orientada para os interesses das maiorias sociais.
Para que o BRICS+ avance em direção a uma real reconfiguração das hierarquias internacionais, é imprescindível fortalecer a coordenação entre seus membros e aprofundar os vínculos de cooperação com outros países em desenvolvimento. Isso implica reforçar o multilateralismo em áreas estratégicas como comércio, investimentos, tributação, endividamento e financiamento climático. Também é necessário garantir que suas iniciativas sejam voltadas à promoção do desenvolvimento social, ambiental, econômico e tecnológico inclusivo.
A construção de uma governança alternativa requer, sobretudo, que o bloco opere a partir de uma lógica contra-hegemônica que privilegie os interesses coletivos do Sul Global e promova justiça internacional em suas múltiplas dimensões.
Comércio e investimentos Sul-Sul
O BRICS+ têm potencial para fomentar o comércio e os investimentos Sul-Sul em consonância com estratégias nacionais de desenvolvimento voltadas à melhoria do bem-estar social. Mas suas relações comerciais ainda se caracterizam por importantes assimetrias. O comércio intra-BRICS+ é majoritariamente direcionado à China, principal potência econômica do grupo. Excluindo-se a China — e, em certa medida, as trocas entre Rússia e Índia — os fluxos comerciais entre os demais membros permanecem limitados. Além disso, enquanto os países do BRICS exportam majoritariamente commodities agrícolas e minerais para a China, esta, por sua vez, exporta bens industriais de maior valor agregado, como maquinário e equipamentos tecnológicos.
É nesse contexto que a criação de mecanismos de incentivo à facilitação do comércio entre os países do BRICS+ deve buscar ampliar os fluxos comerciais Sul-Sul para além do eixo centrado na China, que já tem consolidada a sua posição como principal parceiro comercial. Para isso, é fundamental promover a transparência e o compartilhamento de informações sobre marcos regulatórios, políticas públicas e instrumentos de apoio estatal. Desta forma será possível favorecer um comércio mais complementar, com potencial de impulsionar cadeias produtivas industriais e tecnológicas entre os países membros do grupo. Um enfoque especial deve ser conferido às pequenas e médias empresas, com o objetivo de fomentar um comércio inclusivo, gerador de emprego e renda.
Em relação ao investimento direto estrangeiro, o BRICS tem desempenhado papel relevante no cenário global. Dados da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD) mostram que, em 2020, a China liderou os fluxos de investimento externo, e, ao longo dos últimos anos, China, Brasil, Índia e Rússia figuram de forma recorrente entre os dez principais países em termos de entrada e de saída de investimentos.
Embora os investimentos Sul-Sul tenham potencial para promover um desenvolvimento mais equitativo e sustentável, empresas multinacionais do BRICS — principalmente nos setores de mineração, petróleo, agronegócio e infraestrutura — reproduzem frequentemente práticas de exploração intensiva de recursos naturais e da força de trabalho. O resultado disso é a criação de impactos socioambientais adversos.
Salvaguardas em relação aos direitos sociais e ambientais
Diante deste cenário, é imprescindível que os países do BRICS+ adotem salvaguardas robustas em relação aos direitos sociais e ambientais nos territórios onde os projetos de investimento são implementados. Além disso, os bancos nacionais de desenvolvimento e o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB) _ criado pelo grupo _ devem incorporar indicadores socioambientais, de gênero e de raça nos processos de avaliação, monitoramento e financiamento de projetos.
As políticas nacionais e os programas multilaterais voltados à facilitação dos fluxos de investimento estrangeiro direto entre os países do BRICS+ devem priorizar o investimento produtivo, o fortalecimento de iniciativas conjuntas em pesquisa e desenvolvimento, a transferência de tecnologia e a geração de empregos qualificados. A cooperação deve incluir, ainda, a troca estruturada de informações sobre regimes tributários, compras governamentais, marcos regulatórios sobre concessões públicas e legislações trabalhista e ambiental. Assim será possível estabelecer uma governança do investimento que promova justiça social, sustentabilidade e soberania dos países do Sul Global.
No campo dos acordos de investimento, Brasil, Índia e África do Sul têm promovido reformas significativas em seus modelos de tratados. Um exemplo importante disso é a redução ou eliminação da cláusula de arbitragem internacional entre investidor e Estado. Nossas pesquisas indicam, entretanto, que os tratados bilaterais de investimento firmados entre os países do BRICS, da América Latina e da África tendem a reproduzir o modelo tradicional. Trata-se de um padrão que assegura amplos direitos aos investidores estrangeiros em detrimento, frequentemente, do espaço de formulação de políticas públicas (policy space) dos Estados nacionais, sobretudo em áreas de interesse público, como saúde e meio ambiente.
Assim, é fundamental que o BRICS+ reafirme o direito soberano dos Estados de desapropriar e nacionalizar bens e ativos estrangeiros por motivos de interesse público e social. É preciso garantir que medidas governamentais voltadas à proteção da saúde pública e do meio ambiente sejam expressamente excluídas da definição de desapropriação passível de compensação.
Zonas Econômicas Especiais
Durante a Cúpula de Kazan, realizada na Rússia em 2024, foi proposta a criação de um Fórum de Zonas Econômicas Especiais (ZEEs) com o objetivo de intensificar a cooperação comercial e industrial entre os membros do BRICS. A experiência chinesa das ZEEs é considerada bem-sucedida na atração de investimentos para capacidades industriais e tecnológicas. Mas a transposição desse modelo para o continente africano não tem ocorrido de forma linear ou com os mesmos resultados.
Em pesquisas recentes, comparamos a experiência da Zona Franca de Manaus com uma ZEE na África do Sul: identificamos a necessidade de estabelecer critérios claros que assegurem a inclusão significativa de insumos nacionais, a contratação de mão de obra local com direitos trabalhistas garantidos, e o respeito às normas ambientais vigentes. A realização de consultas públicas junto às comunidades locais deve ser uma condição indispensável à implementação de quaisquer zonas econômicas ou projetos de investimento vinculados à cooperação Sul-Sul.
Ao exercer uma liderança propositiva nas agendas de comércio e investimentos, o BRICS+ podem contribuir para a construção de uma ordem internacional mais democrática, inclusiva e responsiva às urgências do Sul Global.