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Busca por corpos musculosos nas redes sociais fomenta o ‘comer transtornado’

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Busca por corpos musculosos nas redes sociais fomenta o ‘comer transtornado’

De celebridades e influenciadores a pessoas comuns, as redes sociais estão repletas de conteúdo que exibe corpos musculosos e perfeitamente tonificados – e como alcançá-los. Ter um físico musculoso não é mais exclusividade de atletas de elite e fisiculturistas – tornou-se uma aspiração amplamente popular.

Mas, juntamente com a crescente popularidade desse tipo de conteúdo, houve um aumento na pressão que homens e mulheres estão sentindo para obter um físico mais atlético e musculoso. Essa tendência aparentemente saudável coincidiu com a detecção de uma nova forma desordenada de alimentação.

O Comer transtornado orientado para a muscularidade (em inglês, Muscularity oriented disordered eating, ou Mode) refere-se a um conjunto de hábitos alimentares desordenados motivados por um foco excessivo no ganho de massa muscular magra.

Isso inclui o consumo excessivo de suplementos e bebidas proteicas, padrões rígidos de dieta, controle meticuloso de macronutrientes (proteínas, carboidratos e gorduras nos alimentos) e verificação frequente da massa muscular.

Diferente de transtornos alimentares como anorexia e bulimia, o Mode está especificamente relacionado à muscularidade e afeta predominantemente homens jovens. Mas, assim como outras formas de transtornos alimentares, o Mode pode atrapalhar a vida diária, prejudicar os relacionamentos sociais e diminuir o bem-estar emocional.

As mídias sociais desempenham um papel significativo e multifacetado no Mode. Embora às vezes ofereçam informações úteis sobre saúde e condicionamento físico, seus algoritmos também ampliam o conteúdo sobre corpos extremos ou visualmente impressionantes que chamam a atenção.

Plataformas como Instagram e TikTok estão saturadas com conteúdo de “fitspiration” (jogo de palavras em inglês que une inspiração e fitness), que são, em tese, imagens e mensagens para motivar pessoas a adotarem hábitos saudáveis para alcançar um corpo “em forma”. Porém, fotos posadas e de antes e depois sugerem que o conteúdo de “fitspiração” pode ser mais sobre aparência do que saúde.

Essas representações altamente selecionadas de corpos idealizados e musculosos não apenas reforçam ideais corporais irrealistas, como também podem fomentar insatisfação com a imagem corporal, aumentar a fixação muscular e levar a distúrbios alimentares.

Muitos influenciadores das redes sociais também promovem padrões corporais inatingíveis, estilos de vida insustentáveis e hábitos alimentares extremos. Isso inclui o uso diário de suplementos proteicos, monitoramento rigoroso de macronutrientes, treinos extremos e o uso de drogas (incluindo esteróides anabolizantes) para melhorar o desempenho.

Alguns influenciadores chegam a fazer parcerias com empresas de suplementos fitness, tornando-se a imagem de uma marca específica ou produto alimentício. Isso pode incentivar os usuários das redes sociais a comprar esses produtos e seguir hábitos alimentares semelhantes sem buscar aconselhamento profissional ou avaliar os riscos.

Embora nem todos os entusiastas do mundo fitness corram o risco de desenvolver ao Mode, essa preocupação intensa com o crescimento muscular está crescendo. De acordo com um estudo de 2019, 22% dos homens e 5% das mulheres entre 18 e 20 anos relataram apresentar comportamentos compatíveis com o Mode.

Estudantes universitários podem estar particularmente sob risco de desenvolver o Mode devido ao seu alto uso de redes sociais e porque muitas vezes estão controlando sua dieta pela primeira vez.

O Mode tem sido intimamente associado à preocupação com imagem corporal, que é conhecida por estar ligada a comportamentos prejudiciais à saúde e que alteram o corpo.

Monitorar obsessivamente a ingestão de proteínas, consumir suplementos e seguir uma dieta rígida estão todos associados ao Mode. George Rudy/ Shutterstock

Vários outros fatores também foram associados ao Mode. Entre eles, estão a prática de exercícios específicos para ganhar peso, a percepção de estar abaixo do peso, um índice de massa corporal (IMC) mais baixo, a prática de levantamento de peso e o uso de esteroides anabolizantes. Entre os homens, o consumo de álcool está associado ao Mode, enquanto os sintomas depressivos foram um fator notável entre as mulheres.

O Mode também foi relatado em taxas comparáveis em muitos países ao redor do mundo – incluindo Estados Unidos, Canadá e Irã.

Risco de dano

Há muitos danos físicos e mentais que podem estar associados ao Mode.

Por exemplo, a condição está associada a uma variedade de padrões alimentares desordenados. A fixação no desenvolvimento muscular pode desencadear ou exacerbar transtornos alimentares, principalmente compulsão alimentar. A Ortorexia nervosa – um foco patológico e potencialmente prejudicial na “alimentação saudável” – também é frequentemente registrada em comunidades fitness.

Embora as mulheres já tenham sido o público principal do mercado de alimentos saudáveis, os suplementos alimentares e os produtos proteicos são cada vez mais direcionados aos homens.

De acordo com um estudo americano, mais de 80% dos estudantes universitários do sexo masculino relataram o uso de whey protein em pó ou shakes, e mais de 50% usaram o suplemento de creatina monoidratada para aumentar a massa muscular e a força. De forma alarmante, 82% dos usuários de esteroides anabolizantes androgênicos no estudo também pertenciam a esse grupo demográfico. O uso de esteroides está associado a efeitos colaterais graves, incluindo alterações de humor e disfunção sexual.

O consumo excessivo de produtos proteicos pode ser prejudicial à saúde. Embora seja verdade que seu corpo necessita de mais proteína quando você está mais ativo, nem todos os produtos para ganho de massa muscular são necessariamente saudáveis. Shakes de proteína, por exemplo, podem ser altamente processados.

Alguns produtos contêm adoçantes e espessantes artificiais. Eles também podem conter substâncias químicas potencialmente nocivas, como metais pesados (incluindo chumbo e alumínio).

O consumo excessivo de produtos proteicos também tem sido associado a perturbações instestinais e metabólicas. É importante que shakes e barras de proteína não sejam usados como substitutos de fontes naturais de proteína, como leguminosas, carne, peixe ou laticínios.

Em nível social e emocional, o Mode está associado a interrupções na vida cotidiana e ao isolamento social, com a pessoa priorizando dieta e planos de condicionamento físico em detrimento do trabalho, da escola e dos relacionamentos. Em um estudo, fisiculturistas do sexo masculino que seguiam uma dieta extrema focada em músculos relataram que se sentiam culpadas e decepcionadas consigo mesmas se desviassem de seu estilo de vida – com suas necessidades alimentares afetando seu trabalho.

Mulheres com Mode relataram níveis significativos de depressão e ansiedade, e eram mais propensas a se sentirem socialmente isoladas.

Reconhecer o Mode como uma preocupação legítima de saúde pública é essencial para cultivar uma cultura fitness mais inclusiva e saudável. Ao mesmo tempo em que apoiam os esforços para se exercitar mais e se manter saudável, escolas, faculdades, academias e instrutores de fitness devem estar cientes do potencial do Mode entre pessoas excessivamente focadas na aparência física ou que frequentam a academia em excesso.

Mais esforços precisam ser feitos para identificar os fatores de risco do Mode e evitar uma escalada ainda maior. A indústria fitness também deve ser mais responsabilizada pelos produtos e estilos de vida que promove.

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