Embora a produção global de alimentos seja mais do que suficiente para alimentar a população mundial, a fome e a insegurança alimentar persistem.
Em 2024, cerca de 8% das pessoas enfrentavam a fome, enquanto cerca de 28% estavam em situação de insegurança alimentar (sem acesso consistente a alimentos seguros e nutritivos). As cadeias globais de suprimento são importantes para alimentar e nutrir pessoas em todo o mundo.
Nesse sentido, o Banco Mundial financia projetos que facilitam o comércio de alimentos e insumos agrícolas, como agroquímicos, tanto dentro quanto entre países e regiões.
Mas minha pesquisa mostra como riqueza e pobreza são dois lados da mesma moeda. A riqueza e a pobreza podem resultar do crescimento de cadeias de suprimento alimentar complexas e globalizadas. Embora essas cadeias de suprimento possam beneficiar os grandes exportadores de produtos de valor relativamente elevado, elas podem prejudicar os sistemas alimentares locais.
À medida que os volumes de exportação aumentam, a expansão dos setores alimentares para as cadeias globais de suprimento reduz significativamente a segurança alimentar. Por outro lado, estabelecer o direito à alimentação no âmbito nacional representa uma forma viável de combater a insegurança alimentar.
O Brasil é um destaque de como ambas as questões se desenrolam. Apesar de ser um grande produtor mundial de alimentos, a insegurança alimentar e, muitas vezes, a fome, são problemas de longa data no Brasil.
Após a eleição do Partido dos Trabalhadores (PT) em 2002, uma década de políticas pró-pobres — incluindo o emblemático programa Fome Zero, o Bolsa Família e o aumento real do salário mínimo — reduziram a fome e a insegurança alimentar. O país foi retirado do Mapa Mundial da Fome da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) em 2014.
No entanto, o Brasil voltou ao Mapa em 2022, após aumentos de preços causados pela Pandemia da COVID-19 e o abandono, pelo governo Bolsonaro, de grande parte da agenda política anterior em favor dos pobres. Então, após a vitória do Partido dos Trabalhadores nas eleições presidenciais de 2022, o restabelecimento das políticas pró-pobres e a consequente queda nos níveis de fome, o país saiu novamente do Mapa da Fome em 2025.
Essa recente saída é uma boa notícia, mas a insegurança alimentar ainda assola o país, onde 28 milhões de brasileiros – predominantemente mulheres e crianças – ainda enfrentam insegurança alimentar.
Embora as políticas sociais influenciem os índices de insegurança alimentar, os sistemas agrícolas também o fazem. É aqui que se tornam evidentes as diferenças entre a integração em cadeias globais de suprimento de alto valor e as tentativas de formular redes alimentares alternativas.
O Brasil costumava ter uma economia nacional relativamente diversificada. Desde a década de 1990, sob governos de diferentes tendências políticas, sua integração às cadeias globais de suprimento ocorreu por meio da exportação de poucos produtos primários.
O Brasil responde por mais da metade do comércio mundial de soja. Cerca de 70% desse volume é destinado à China para uso como ração animal. O país também é o segundo maior exportador mundial de milho, principalmente para ração animal e biocombustíveis.
Essas exportações enriqueceram o agronegócio brasileiro, mas prejudicaram a produção doméstica de alimentos. E isso está afetando negativamente a segurança alimentar das comunidades mais pobres no país. Entre 2010 e 2022, a produção de soja aumentou mais de 100%, enquanto a produção de arroz caiu 30%. A produção de outras culturas alimentares básicas também caiu.
Com isso, os preços internos dos alimentos aumentaram mais rápido do que a inflação geral, e as famílias de baixa renda têm enfrentado insegurança alimentar e reduzido seu consumo de alimentos.
A luta por uma alternativa
Mas existem alternativas a esse modelo. Em 1993, o recém-eleito prefeito do Partido dos Trabalhadores em Belo Horizonte, Patrus Ananias, declarou o direito à alimentação para sua população de 2,5 milhões de habitantes, e o dever do governo municipal de garanti-lo. Seu sucesso influenciou a formação do programa nacional Fome Zero no início dos anos 2000.
Desde então, com algumas variações dependendo do partido no poder, a prefeitura da cidade tem dedicado entre 1% e 2% de seu orçamento anual – menos de US$ 10 milhões (cerca de R$ 54 milhões) por ano – ao programa.
Os efeitos a longo prazo incluem uma redução de 25% das pessoas que vivem na pobreza, um aumento significativo no consumo de frutas e vegetais entre os pobres e 75% menos crianças menores de cinco anos hospitalizadas por desnutrição do que antes do programa.
O sistema abrange produção, distribuição e consumo. A Secretaria de Política Alimentar do governo local supervisiona e é responsável pela implementação do direito à alimentação em toda a cidade. Ela facilita a participação local de pequenos agricultores e empresas, trabalhadores e consumidores.
Os objetivos incluem usar o poder de compra do governo municipal para estimular a produção local de alimentos agroecológicos, vinculada aos consumidores de forma a reduzir os preços e, ao mesmo tempo, manter a renda dos pequenos agricultores.
Restaurantes públicos, abertos a todos, fornecem 20.000 refeições saudáveis por dia – organizadas por chefs e nutricionistas locais – por menos de US$ 1 (R$ 5,35) por refeição. O almoço (a principal refeição do dia dos brasileiros) consiste normalmente em arroz, feijão, carne, saladas, frutas e suco.
No âmbito do programa, as refeições dos restaurantes públicos são vendidas a preço de custo – que inclui os custos da produção, distribuição e manutenção dos restaurantes. Os sem-teto registrados comem de graça, e os beneficiários do programa Bolsa Família têm um desconto de 50%. Outras 40 milhões de refeições são servidas a mais de 150.000 estudantes por ano no âmbito do programa de merenda escolar do sistema. O governo municipal tem parceria com mercearias selecionadas para vender uma variedade de produtos, muitas vezes de origem local, a preços 25% abaixo dos preços de mercado.
No âmbito do programa “direto do campo” do esquema, a cidade compra alimentos diretamente dos produtores para seus restaurantes públicos. A cidade fornece insumos aos agricultores de baixa renda e os empodera com a posse segura da terra. As fazendas familiares locais e regionais são incentivadas a produzir alimentos básicos e outras culturas para venda na cidade por meio de mercados de produtores e os convencionais.
As cadeias globais de suprimento são projetadas e operam como sistemas de produção e comércio que recompensam exportações lucrativas em vez de combater a insegurança alimentar. Frequentemente, elas direcionam recursos para longe de onde são necessários, rumo de onde são lucrativos.
Quando sistemas de direito à alimentação são estabelecidos para combater a insegurança alimentar, como em Belo Horizonte, eles devem atender ao contexto local. Políticas como o consumo e a produção subsidiados de alimentos, além da distribuição coordenada, são ingredientes necessários para combater a insegurança alimentar.
