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Cem anos da Mecânica Quântica: uma história de ciência, inovação e geopolítica

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Cem anos da Mecânica Quântica: uma história de ciência, inovação e geopolítica

Em julho de 1925, o jovem físico Werner Heisenberg, então com apenas 23 anos, chega à pequena ilha alemã de Heligoland. Ele buscava alívio para sua forte alergia ao pólen, a “febre do feno”. A vegetação rasteira da ilha, livre de pólen, oferecia as condições ideais. Longe da agitação urbana, caminhando pelas trilhas e imerso no silêncio, Heisenberg encontrou o ambiente perfeito para refletir sobre as ideias revolucionárias que começavam a transformar nossa compreensão do mundo microscópico.

Desde o início do século XX, cientistas como Max Planck, Albert Einstein e Niels Bohr haviam mostrado que, no universo das partículas elementares, a natureza se comporta de maneiras surpreendentes. A luz podia se apresentar como onda ou como partícula — os “quanta” de luz, batizados de fótons — e os átomos eram descritos como elétrons em órbitas de energia bem definidas, capazes de saltar de uma órbita para outra, emitindo ou absorvendo fótons.

Em 9 de julho de 1925, Heisenberg escreve ao colega Wolfgang Pauli: “Todos os meus miseráveis esforços são dedicados a destruir completamente o conceito de órbitas — que não podem ser observadas de qualquer maneira”. Para ele, somente grandezas mensuráveis deveriam constar na descrição do mundo quântico. Vinte dias depois, em 29 de julho, Heisenberg envia para publicação um artigo que mudaria para sempre a ciência: a mecânica quântica nasce, rompendo de forma decisiva com os conceitos da física clássica.

Ano Internacional das Ciências Quânticas

Celebrando o centenário desse momento histórico, a ONU declarou 2025 como o Ano Internacional das Ciências e Tecnologias Quânticas, estimulando eventos, conferências e atividades em todo o mundo.

Poucos meses após a descoberta de Heisenberg, em janeiro de 1926, o austríaco Erwin Schrödinger apresenta uma nova formulação da teoria quântica, baseada em ondas, inspirada em uma ideia de Louis de Broglie, que, em sua tese de 1924, propôs que não só a luz, mas também elétrons e átomos poderiam se comportar como ondas. Mais tarde, mostrou-se que a teoria de Schrödinger era equivalente à de Heisenberg, embora este inicialmente a tenha desprezado.

A mecânica quântica nasceu desse esforço coletivo de jovens movidos pela curiosidade e pela paixão de desvendar os segredos da natureza. Nenhum deles poderia imaginar as transformações que essa teoria traria ao cotidiano da humanidade. Dela surgiram o laser, o transistor, a ressonância magnética, células fotoelétricas, novos medicamentos e relógios atômicos de altíssima precisão, fundamentais para o funcionamento do GPS.

No final do século XX e no início do XXI, desponta uma nova área: a informação quântica. Ela aprofunda a compreensão das propriedades quânticas e abre caminho para tecnologias totalmente novas. Laboratórios ao redor do mundo demonstraram o controle da interação entre um único átomo e um único fóton (Nobel de 2012), a observação direta do emaranhamento quântico (Nobel de 2022) e a criação de circuitos supercondutores de alguns centímetros capazes de manifestar fenômenos quânticos (Nobel de 2025).

Supremacia quântica

Sensores quânticos permitem medir variações do campo gravitacional na Terra com uma precisão de um bilionésimo da aceleração da gravidade, útil para localizar água ou petróleo no subsolo; detectar o campo magnético produzido por correntes elétricas no cérebro com extrema sensibilidade, permitindo imagens de alta resolução; orientar veículos por navegação autônoma sem depender do GPS; detectar ondas gravitacionais produzidas por colisões entre astros distantes, revelando como era o universo bilhões de anos atrás — uma verdadeira viagem no tempo.

A comunicação quântica, liderada experimentalmente pela China, tem sido demonstrada por meio da transmissão por satélite e da detecção de fótons individuais. Sua grande vantagem decorre de um princípio simples: qualquer tentativa de espionagem altera o estado dos fótons e pode ser identificada prontamente.

Os computadores quânticos, por sua vez, têm avançado rapidamente. Alegações de “supremacia quântica”, segundo as quais um computador quântico superaria qualquer supercomputador clássico, têm sido alvo de intenso debate e de uma saudável competição entre algoritmos quânticos e clássicos.

Em 2019, em artigo publicado na Nature, a Google afirmou que seu processador Sycamore realizara, em 200 segundos, um cálculo que exigiria 10 mil anos de um supercomputador clássico. Mas pesquisadores da IBM contestaram, mostrando que o mesmo cálculo poderia ser realizado em dois dias e meio com algoritmos aprimorados.

Apesar dessas disputas, o progresso é extraordinário. A computação híbrida, que combina máquinas quânticas e clássicas, ganha força. Entre as conquistas mais recentes estão: a primeira aplicação comercial de um computador quântico, publicada na Nature — a geração de números aleatórios certificados, realizada em 2025 com um processador baseado em armadilha de íons da empresa Quantinuum; o novo chip quântico da Google, chamado Willow, que promete realizar tarefas impossíveis para computadores clássicos (exigiriam mais tempo que a idade do universo); algoritmos quânticos aplicados à descoberta de medicamentos, uma colaboração entre a IonQ e a AstraZeneca.

Aumentos e restrições de investimentos

De acordo com a McKinsey & Company, o volume de investimento em start-ups de tecnologia quântica aumentou em 2024, globalmente, 50% em relação ao ano anterior, passando de US$ 1,3 bilhão em 2023 para US$ 2 bilhões em 2024.A criação de startups de tecnologia quântica — predominantemente na União Europeia e na Ásia — aumentou 42% no mesmo período, refletindo a constante proliferação de ideias inovadoras e das empresas resultantes.

Segundo o Centro Europeu para Economia Política Internacional (ECIPE), até o ano de 2024, o investimento público dominava nessa área nos principais países, exceto nos Estados Unidos e Canadá, onde ele tem sido menor que o investimento privado (gráfico abaixo).

Investimento público e privado total em tecnologia Quântica por países selecionados até 2024.

Entretanto, esse futuro promissor enfrenta ameaças. Desde 2024, os Estados Unidos, Canadá e diversos países europeus, além da Coreia do Sul e do Japão, impuseram restrições à exportação de componentes principais de computadores quânticos para países “não parceiros” — excluindo, assim, a América Latina e diversos países da Ásia e da África.

Embora se argumente que computadores quânticos poderiam quebrar sistemas de criptografia, os dispositivos disponíveis ainda são muito incipientes e sujeitos a erros, o que não representa um risco real. As restrições parecem ter outro efeito: limitar o avanço tecnológico em países capazes de alterar o atual equilíbrio geopolítico. De fato, elas estão afetando até mesmo a cooperação em ciência básica, essencial ao progresso científico da humanidade.

Pesquisa quântica no Brasil

No Brasil, iniciativas do governo federal, como o Instituto do Milênio para Informação Quântica, iniciado em 2001, e que deu origem ao Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Informação Quântica, a partir de 2009, contribuíram para formar um contingente importante de cientistas nessa área em vários estados da federação.

Esses cientistas participam agora de novos institutos, iniciados em 2025, dedicados à computação quântica e a dispositivos quânticos. Iniciativas quânticas do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação e de fundações estaduais de apoio à pesquisa prometem recursos para essa área nos próximos dez anos.

Diante do atual cenário de restrições às exportações e às parcerias internacionais, torna-se urgente fomentar a cooperação científica e tecnológica e ampliar a capacidade de fabricação de componentes essenciais para tecnologias avançadas, como chips e placas de computação, nos países afetados por essas barreiras. Essa ação é fundamental para assegurar que a ciência e as tecnologias de fronteira continuem a se desenvolver em benefício de toda a humanidade.

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