O Cerrado cobre cerca de 2.036.448 quilômetros quadrados ou 22% do território nacional, o que é equivalente a 22% do país, mas ainda é pouco conhecido e valorizado. Chamado de ‘caixa d’água do Brasil’, o bioma abriga oito das doze maiores bacias hidrográficas do país e três grandes aquíferos — Guarani, Urucuia e Bambuí.
A vegetação típica, composta por árvores de raízes profundas e adaptadas à seca, garante a infiltração da água no solo e alimenta rios que correm para diferentes regiões. Essa característica torna o bioma essencial para o abastecimento de grandes centros urbanos e para a manutenção da agricultura irrigada no país, funcionando como um elo entre a Amazônia, o Pantanal, a Caatinga e a Mata Atlântica. Essa posição intermediária faz dele um dos principais reguladores do sistema hídrico da América do Sul.
Porém, nas últimas décadas, o Cerrado vem sofrendo um processo de conversão acelerada de áreas naturais em pastagens e monoculturas. De acordo com estudo publicado na revista Sustainability, o bioma já perdeu cerca de 50% da vegetação nativa original. Essa redução drástica compromete a recarga dos aquíferos, a formação de chuvas e o equilíbrio climático regional.
Modelos hidrológicos indicam que, se a tendência de degradação se mantiver, os rios que nascem no Cerrado e alimentam outros biomas poderão perder até 35% da vazão até 2050. Hoje, o Cerrado responde por mais da metade do desmatamento total registrado no Brasil. A perda de cobertura vegetal também impacta a biodiversidade do bioma que possui mais de 12 mil espécies de plantas nativas, das quais cerca de 40% são exclusivas dessa savana tropical.
Por tudo isso, durante a COP 30, em Belém, o Cerrado deverá estar no centro do debate sobre conservação e clima. Transformar diagnósticos científicos em políticas efetivas é o principal desafio.
Reconhecimento dos modos de vida e territórios tradicionais
O caminho da preservação desse bioma envolve o reconhecimento de seus territórios e comunidades tradicionais. A região concentra diversas comunidades humanas que mantêm modos de vida estreitamente ligados à paisagem, como geraizeiros, vazanteiros, quebradeiras de coco-babaçu, fundo e fecho de pasto,, veredeiros,quilombolas e indígenas. Todos esses grupos desenvolvem práticas de manejo sustentável que ajudam a conservar a vegetação e as nascentes. No entanto, a maioria dessas populações ainda vive sem o reconhecimento jurídico de seus territórios, o que as torna vulneráveis à grilagem, à expulsão e à violência.
Na tentativa de reverter a situação, uma minuta de decreto para a titulação de territórios tradicionais, elaborada com a participação do Conselho Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais (CNPCT), está sendo discutida pelo governo federal. A proposta prevê a titulação definitiva das áreas ocupadas historicamente por essas comunidades, indo além das modalidades já existentes — como reservas extrativistas e projetos de desenvolvimento sustentável.
O texto propõe também a autodeclaração como instrumento essencial de registro e proteção, reconhecendo o papel das próprias comunidades na gestão territorial. Estudos em políticas socioambientais indicam que territórios tradicionalmente ocupados apresentam menores índices de desmatamento e maior capacidade de regeneração natural. Assim, a regularização fundiária é vista como parte de uma política pública baseada em evidências científicas e voltada à segurança hídrica e climática do país.
Especialistas ressaltam que a conservação do Cerrado também depende de mecanismos complementares, como as Áreas de Servidão Voluntária (ASVs) — que permitem a proteção de áreas privadas sem perda da posse — e incentivos à restauração ecológica. Essas iniciativas integram o esforço de equilibrar produção agrícola, conservação e abastecimento de água, pilares centrais do desenvolvimento sustentável brasileiro.
Campanha pelo Cerrado
A valorização do Cerrado tem ganhado força em campanhas e projetos de comunicação científica. A iniciativa “Cerrado, Coração das Águas”, coordenada pelo Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN) em parceria com redes e organizações da sociedade civil, busca ampliar a compreensão sobre a importância do bioma. A campanha utiliza dados técnicos de monitoramento ambiental para demonstrar como a perda de vegetação reduz a infiltração de água no solo e aumenta a frequência de secas extremas.
Essa abordagem combina ciência e educação ambiental, mostrando que a preservação do Cerrado depende tanto de políticas públicas quanto de práticas locais sustentáveis. A campanha também destaca a convergência entre conhecimento científico e saberes tradicionais — ambos fundamentais para conservar os recursos hídricos que sustentam o país.
O reconhecimento jurídico de territórios tradicionais, aliado à criação de incentivos à conservação e à restauração, pode fortalecer a resiliência ecológica do bioma. O futuro do Cerrado — e da segurança hídrica nacional — depende da capacidade do país de integrar ciência, governança e participação social em uma mesma política de conservação. Sem Cerrado, não há água. E sem água, não há futuro.





