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China, Rússia e Índia projetam um novo mapa de poder: onde entra o Brasil?

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China, Rússia e Índia projetam um novo mapa de poder: onde entra o Brasil?

A realização da cúpula da Organização para Cooperação de Xangai (OCX) em Tianjin marca um ponto de inflexão na geopolítica deste ano. O encontro reuniu líderes de vinte países, entre eles Xi Jinping, Vladimir Putin e Narendra Modi, e foi apresentado por Pequim como um dos eventos diplomáticos mais relevantes de 2025. Também esteve presente o Irã, que ingressou como membro pleno da OCX em julho de 2023 e passou a integrar o BRICS Plus em janeiro de 2024 (movimento que o retira parcialmente do isolamento e amplia a rede de Estados que desafiam a hegemonia de Washington).

O evento funcionou como plataforma para projetar uma visão alternativa da ordem internacional, menos dependente dos Estados Unidos e cada vez mais ancorada na Eurasia. A questão que emerge para o Brasil é se existe espaço político e jurídico para assumir posição diante dessa dinâmica.

Xi Jinping buscou projetar a China como fonte de estabilidade em um mundo fragmentado por tensões comerciais e disputas militares. Ao lado de Putin, destacou a necessidade de um multilateralismo pragmático e da cooperação em segurança, energia e logística.

OCX representa 42% da população mundial e 23% da economia global

Os números reforçam a ambição do projeto: os membros da OCX representam cerca de 42% da população mundial e 23% da economia global (PIB). Para Putin, a reunião foi também uma oportunidade de escapar ao isolamento imposto pelo Ocidente desde a invasão da Ucrânia. O líder russo exaltou Xi como um “verdadeiro estadista” e apresentou a OCX como o núcleo de uma arquitetura de segurança indivisível na região eurasiática.

A presença de Modi deu outro significado ao encontro. Pela primeira vez em sete anos, o primeiro-ministro indiano viajou à China, em meio a tarifas de 50% impostas por Washington às exportações indianas. A Índia, grande compradora de petróleo russo, torna-se peça estratégica no jogo de equilíbrios entre potências euroasiáticas e países ocidentais. O gesto de Modi indica interesse em manter a autonomia de sua política externa, mesmo após confrontos fronteiriços com Pequim e tensões comerciais persistentes. A disposição de dialogar com Xi e Putin sinaliza que Nova Delhi não deseja ficar presa ao eixo norte-americano em tempos de crescente protecionismo.

Diante desse cenário, qual é o espaço para o Brasil? O país compartilha com os membros da OCX a defesa da multipolaridade, do respeito ao direito internacional e da rejeição a sanções unilaterais. O artigo 4º da Constituição brasileira, que orienta a política externa pela independência, pela cooperação e pela solução pacífica de controvérsias, permite uma aproximação política sem necessidade de alteração legal imediata. Um comunicado diplomático reafirmando esses princípios já seria suficiente para marcar presença no debate global. Essa atitude preservaria coerência com a tradição do Itamaraty de buscar equilíbrio entre potências e ampliar margens de manobra.

Brasil pode ser observador e aproximar o Brics

No plano institucional, há alternativas concretas. A OCX admite figuras como “observador” e “parceiro de diálogo”, status que já foi concedido a países de fora da Ásia Central, incluindo Turquia, Egito e Arábia Saudita. O Brasil poderia solicitar posição semelhante, mediante assinatura de memorando e aprovação posterior pelo Congresso Nacional, conforme exigem os artigos 49 e 84 da Constituição. Esse movimento reforçaria a ligação entre OCX e BRICS, bloco em que o Brasil já é protagonista, sem implicar adesão plena nem compromisso militar.

Vale lembrar que a OCX inclui países que também participam do BRICS Plus, formato de expansão do grupo que aproximou recentemente atores como Egito (parceiro de diálogo e parceiro de desenvolvimento da OCX), Arábia Saudita (parceiro de diálogo da OCX) e Irã (membro pleno da OCX), o que amplia as interseções institucionais disponíveis. Esse entrelaçamento favorece a ideia de uma rede Sul-Sul mais densa, em que o Brasil poderia circular com naturalidade.

Além disso, há o IBAS (Fórum de Diálogo Índia-Brasil-África do Sul), criado em 2003 para fortalecer a cooperação entre as três maiores democracias do Sul global. Embora menos visível nos últimos anos, o grupo permanece como plataforma de concertação política e projetos de desenvolvimento. A presença simultânea da Índia na OCX, no BRICS e no IBAS cria pontos de convergência que poderiam facilitar a entrada do Brasil em espaços de diálogo euroasiáticos, sem abandonar sua vocação atlântica e africana. Ao valorizar essa interseção, o Brasil reforça sua identidade como articulador de pontes entre continentes e fóruns distintos.

Itamaraty teria que privilegiar áreas civis

Os benefícios potenciais incluem o acesso a fóruns de coordenação em infraestrutura, energia e comércio, além de maior protagonismo no diálogo Sul-Sul. Ao mesmo tempo, existem riscos palpáveis. Uma aproximação excessiva com Moscou ou Pequim dentro da OCX poderia expor empresas brasileiras a novas sanções impostas pelos Estados Unidos, como as previstas no CAATSA (Countering America’s Adversaries Through Sanctions Act, aprovada em agosto de 2017 pelo Congresso dos Estados Unidos), e a pressões tarifárias adicionais (semelhantes às aplicadas contra a Índia, que não são episódicas pelo assunto Bolsonaro). O Itamaraty teria de calibrar cuidadosamente os temas de cooperação, privilegiando áreas civis e evitando iniciativas que possam ser interpretadas como alinhamento militar.

A viabilidade jurídica é clara: não há conflito entre um eventual memorando com a OCX e as obrigações do Brasil em tratados já ratificados. A complexidade está na dimensão política. A Casa Branca demonstrou disposição em usar tarifas de forma agressiva contra aliados e parceiros, e a União Europeia segue alinhada às sanções contra a Rússia. Qualquer sinal de aproximação brasileira será observado com lupa em Washington e Bruxelas.

A cúpula de Tianjin mostra que o eixo do poder mundial se desloca cada vez mais para Eurásia, com a China assumindo a dianteira, a Rússia reforçando laços de sobrevivência e a Índia exercendo diplomacia de equilíbrio. O Brasil tem base constitucional e instrumentos jurídicos para se posicionar, explorando a via de observador ou parceiro de diálogo. A oportunidade está em ampliar sua inserção internacional sem abdicar da tradição de autonomia. O desafio será encontrar a medida certa entre cooperação e prudência diante de um cenário em que as sanções e os arroubos tarifários se tornaram armas centrais da política global.

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