Apesar de oficialmente possuir pouco mais de 100 mil habitantes, Cambridge — na área metropolitana de Boston, Estados Unidos — é um verdadeiro berço de inovação, consolidando sua posição como uma das cidades mais influentes do mundo em ciência e tecnologia. É a sede de duas das universidades mais renomadas do mundo: o MIT, fundado em 1861; e Harvard, a mais antiga dos EUA, criada em 1636.
Ambas estão no topo dos principais rankings universitários mundiais e da lista de laureados com Nobel: juntas acumulam 265 prêmios – fazendo de Cambridge a cidade com a maior concentração destes no mundo.
E o que separa este berço de inovações do potencial existente no Brasil? Enquanto MIT e Harvard ocupam o topo das principais listas, nossa melhor colocada, a Universidade de São Paulo (USP), ainda luta para estar entre as 100 primeiras – ocupando em 2025 a 92ª posição do ranking QS.
Embora a USP tenha decolado na pontuação de sustentabilidade e na rede internacional de pesquisa, ainda possui índices muito mais baixos que as duas norte-americanas na proporção de estudantes internacionais (2% na USP contra 30% no MIT e Harvard), proporção de alunos por docentes (11 x 5) e citações por docente (28 x 100).
Tradição em inovação
Icônicos nomes da ciência passaram por essas universidades norte-americanas. No MIT estudaram ou trabalharam Richard Feynman (Nobel de 1965), Buzz Aldrin (segundo astronauta a pisar na Lua), Margaret Hamilton (a programadora que salvou a missão à Lua) e o filósofo linguista Noam Chomsky. Assim como Kofi Annan (ex-secretário-geral da ONU e Nobel da Paz).
Em Harvard, Robert Oppenheimer (líder científico do Projeto Manhattan) e Neil deGrasse Tyson (astrofísico e divulgador científico). Além de nomes célebres como Henry David Thoreau (autor de Walden), John F. Kennedy, Barack Obama, Al Gore, Bill Gates e Mark Zuckerberg. Além de Martin Luther King, que cursou seu PhD em teologia na Boston University.
O ambiente inovador da região propiciou o surgimento de produtos populares, como o micro-ondas e o aspirador-robô! Ambos contrariando o estereótipo da invenção que se torna uma arma de guerra.
O forno micro-ondas foi inventado em 1945, a partir da pesquisa de um equipamento para localizar aeronaves inimigas, que por uma “serendipidade” derreteu um chocolate em seu bolso. E o primeiro aspirador-robô popularmente comercializado, foi inventado por uma startup fundada por alumni do MIT (iRobot), que também produzia robôs para uso militar e espacial. E além destes exemplos, Cambridge hospeda uma ampla indústria de biotecnologia, com grandes laboratórios farmacêuticos como Takeda, Novartis, Pfizer e outras.
Mas, enquanto Harvard e MIT se beneficiam de séculos de história e orçamentos bilionários, o Brasil precisa de políticas consistentes para transformar o seu potencial em reconhecimento global.
Falta de reconhecimento interno
Além do desafio em se mostrar para o mundo, o Brasil ainda luta para se provar para os seus. Embora os brasileiros reconheçam a importância da ciência e tecnologia, a maioria não consegue lembrar nomes de cientistas nacionais ou instituições científicas.
O Brasil possui diversos nomes de amplo destaque nacional e internacional, apesar de os brasileiros ainda conhecerem pouco seus cientistas. Com dezenas de publicações e milhares de citações, temos nomes como Helena Nader, Adalberto Luis Val, Carlos Nobre, Paulo Artaxo e Marcia Barbosa – os três últimos, por coincidência, com doutorados ou pós-doutorados no MIT, Harvard e Boston University.
Muito antes deles, tivemos César Lattes, que quase trouxe um Nobel ao Brasil, e nomes como Oswaldo Cruz e seu pupilo Carlos Chagas, que tiveram redes e impacto internacionais.
Oswaldo Cruz nasceu em 1872, na pequena São Luiz do Paraitinga, no Vale do Paraíba paulista. Curiosamente, mesma cidade natal do geógrafo Aziz Ab’Saber (1924-2012) – pioneiro em geomorfologia e preservação ambiental. Cruz posteriormente desenvolveu sua carreira no Rio de Janeiro, estudando na atual UFRJ, e Ab’Saber fez seus estudos na USP.
Estas e outras mentes brilhantes o Brasil já possui, indubitavelmente. Porém, sem as condições adequadas para retenção, os talentos continuarão sendo tão exportados quanto as commodities brasileiras. É necessário infraestrutura, financiamento contínuo e valorização destes cientistas. É preciso transformar potencial em oportunidade.
Investimento em talentos
Uma extensa tradição não cria sozinha todas condições necessárias. A universidade mais antiga das Américas, no Peru, e a mais antiga do mundo, na Itália, são relativamente pouco conhecidas. E as primeiras faculdades da UFRJ e da USP foram fundadas há dois séculos – sendo mais antigas que o MIT.
Mas, da mesma forma que não há mais dúvidas sobre a precedência do ovo ou da galinha, é quase impossível inverter a ordem do investimento e dos resultados decorrentes. Não existe pesquisa de alta qualidade com investimento de baixa quantidade.
Mesmo com os atuais cortes governamentais norte-americanos, o orçamento destas universidades ainda segue muito acima das brasileiras. E é com a crise que precisamos aprender a nos adaptar.
É fundamental incentivar o investimento privado em pesquisas e a colaboração entre academia, indústria e governo. E é preciso garantir o financiamento estável de projetos.
Se as verbas federais não são suficientes, é papel das agências estaduais atuar neste investimento – como vêm desempenhando há anos a Fapesp, que atualmente consegue captar e reter talentos com bolsas de pós-doutorado com os maiores valores do Brasil, além de compensar o pagamento da aposentadoria desses profissionais.
Inovação com jeitinho brasileiro
As conquistas, contudo, não surgem apenas de investimentos. Elas dependem também de ambientes que incentivam as condições necessárias para isto. Os talentos já estão por aí, nos corredores das universidades, apenas aguardando uma oportunidade.
Apesar de dezenas de parques tecnológicos e a constante tentativa de criação de um “Vale do Silício” brasileiro, é preciso inovar à brasileira: na terra do PIX e urnas eletrônicas, é necessário valorizar as jabuticabas e o jeitinho brasileiro.
A grande maioria dos grandes cientistas não nasceu em Cambridge, mas encontrou lá um ambiente capaz de transformar suas ideias em conquistas. O que nos faltam são as condições para que nossos talentos floresçam por aqui.