O manejo sustentável de plantas daninhas é um dos principais desafios da agricultura global. No Brasil, cerca de 15% da produção agrícola, especialmente na cultura de grãos, se perde devido à ação dessas plantas invasoras, conforme a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Elas competem por luz, água e nutrientes, podendo comprometer colheitas e elevando custos com manejo que podem variar de R$120 a R$285,98 por hectare. Como resultado, as plantas daninhas são responsáveis por 58,45% dos defensivos agrícolas utilizados no país, segundo o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), sendo grande parte desses produtos associada à poluição ambiental.
A busca por soluções eficazes e ambientalmente seguras tem mobilizado nossa equipe multidisciplinar, formada por pesquisadores nas áreas de agronomia, química, biologia e ciência de materiais em diferentes institutos, na Universidade de São Paulo (USP) e Universidade Estadual Paulista (Unesp) e pertencentes ao Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Nanotecnologia para Agricultura Sustentável (INCT NanoAgro). Nós aproveitamos os avanços em nanotecnologia, alcançados principalmente nas áreas de fármacos e alimentos, para explorar sua aplicação na agricultura. Hoje, após mais de 20 anos de pesquisa, sabemos que ela pode proporcionar o uso mais eficiente dos pesticidas e fertilizantes convencionais, que são insumos utilizados em larga escala na agricultura brasileira.
Estudos com glifosato
O glifosato, herbicida mais utilizado globalmente, tem sido alvo de debates sobre os impactos à saúde e ao ambiente. Em nosso estudo mais recente, utilizamos nanotecnologia para adaptar esse herbicida, possibilitando o combate eficaz a plantas daninhas e ao mesmo tempo garantindo a segurança ambiental.
Criamos um sistema baseado em nanocápsulas de polímeros naturais, combinando glifosato com zeína — uma proteína de baixo custo obtida de resíduos do milho — e um “reticulador poloxâmero”, que funciona como uma ponte entre as substâncias e a água. Essa mistura promove uma espécie de encapsulamento do herbicida em água, permitindo aplicarmos dosagens mínimas e com eficácia maximizada.
Os resultados recentemente foram publicados em artigo na ACS Publications, uma das editoras científicas mais prestigiadas no campo das ciências químicas. Vimos que a solução é eficaz contra a ação das espécies Amaranthus hybridus, Ipomoea grandifolia e Eleusine indica, com ação maximizada principalmente para A. hybridus, sem apresentar toxicidade ao solo, às plantas próximas, ou aos microrganismos e enzimas.
Desafios na formulação de nano-herbicidas
Desenvolver e validar novos nano-herbicidas não é uma tarefa fácil. Existem vários desafios a serem superados, particulares de cada nanoformulação. Muitos estudos anteriores utilizaram herbicidas como a atrazina, devido à facilidade desse tipo de ingrediente ativo ser encapsulado por substâncias oleosas.
Já o glifosato, tem características complexas e se liga muito fortemente à água, o que dificulta sua encapsulação. No entanto, conseguimos desenvolver um sistema de baixa toxicidade que tem como base a água. Isso facilita a aplicação, distribuição uniforme e trás benefícios como redução na dose aplicada e consequentemente o potencial de contaminação ambiental.
Além disso, o processo de produção é bastante simples, o que possibilita o seu escalonamento e possível produção industrial. Diferentemente de outras nanoformulações, que exigem sínteses complexas e consumo elevado de energia, nossa abordagem utiliza poucos passos: diluição do glifosato, adição da proteína e evaporação do solvente (no caso, etanol). Um desafio foi otimizar o processo de forma que o glifosato permanecesse encapsulado, mas alcançamos isso por uma rota diferente de outras nanoformulações e formulações convencionais.
Segurança e regulamentação
Embora nano-pesticidas tragam benefícios ambientais, é importante ressaltar que seu uso deve seguir os mesmos cuidados que outros pesticidas, tanto nas aplicações e manuseio quanto nas etapas regulatórias de registro, liberação e comercialização. Afinal, eles contêm ingredientes ativos que podem ser tóxicos dependendo da dose e do grau de exposição. A desregulação do uso, com doses altas e frequentes, ou sem proteção ao aplicador, são as principais causas de danos à saúde e ao ambiente. Portanto, é de extrema importância que agrônomos e produtores sigam as boas práticas agrícolas, para herbicidas e nano-herbicidas, sem exceções.
Além disso, para que chegue ao mercado, ainda precisamos de parceiros responsáveis por testes pilotos na produção dessas formulações em maior escala, através do licenciamento da tecnologia. Em seguida, a formulação pode ser aprovada pelo processo de registro, através dos ministérios da Agricultura e Pecuária (MAPA) e do Meio Ambiente (IBAMA), além da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Isso é essencial para garantir a eficácia agronômica, a segurança ao ambiente e a saúde humana para qualquer formulação.
Porém, ainda não existe legislação vigente para o registro de nano-pesticidas no Brasil ou no exterior. Autoridades e organizações responsáveis por estas etapas vêm discutindo estes aspectos ao redor do mundo e caminhando para protocolos de registro que considerem as nanopartículas contidas nas formulações de pesticidas e outros insumos agrícolas.
Próximos passos
Nossa pesquisa faz parte da tese de doutorado de Gustavo V. Munhoz Garcia, com o apoio do INCT NanoAgro e do Centro de Pesquisa em Biodiversidade e Mudanças do Clima da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), além de outras agências. Pretendemos investigar mais sobre a interação do nano-herbicida com diferentes plantas daninhas, para entender por que estas são mais eficazes contra algumas espécies, como o caruru (Amaranthus hybridus), e menos eficiente contra outras, como o capim-pé-de-galinha (Eleusine indica).
Também exploramos formas de aprimorar a absorção e a translocação do nano-herbicida dentro das plantas. Para isso, testamos outras moléculas acopladas às nanopartículas, para permitir que a planta o reconheça e capture para dentro das células, como uma armadilha. Esse estudo está em desenvolvimento na França, em parceria com a Dra. Astrid Avellan, pesquisadora do CNRS (Centre National de la Recherche Scientifique), no Laboratório Géosciences Environnement Toulouse, em Toulouse, com o apoio da FAPESP.
A busca por insumos mais eficientes é uma tendência muito forte para a agricultura e corrobora com ações mundiais para a promoção de produção sustentável, como as ações propostas pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). Acreditamos que o nano-herbicida desenvolvido neste estudo seja uma alternativa promissora para o uso sustentável de herbicidas, combinando maior eficiência no controle de plantas daninhas na agricultura com menor impacto ambiental. A continuidade das pesquisas e o avanço na regulamentação dos nano-pesticidas serão fundamentais para garantir uma agricultura mais segura e sustentável no futuro.