O núcleo rico em ferro no centro do nosso planeta tem sido uma parte crucial da evolução da Terra. O núcleo não só alimenta o campo magnético que protege a nossa atmosfera, superfície e oceanos da radiação solar, como também influencia a tectônica de placas que remodela continuamente os continentes.
Mas, apesar de sua importância, muitas das propriedades mais fundamentais do núcleo da Terra são desconhecidas. Não sabemos exatamente qual é sua temperatura, de que é feito ou quando começou a se solidificar. Felizmente, uma descoberta recente feita por mim e meus colegas nos aproxima muito mais da resposta para esses três mistérios.
Sabemos que a temperatura do núcleo interno da Terra é de, aproximadamente, 5.000 Kelvin (K) (4.727 °C). Ele já foi líquido, mas esfriou e se tornou sólido com o tempo, expandindo-se para fora nesse processo. À medida que esfria, ele libera calor para o manto acima, impulsionando as correntes de magma responsáveis tectônica de placas.
Esse mesmo resfriamento também gera o campo magnético da Terra. Atualmente, a maior parte da energia do campo vem do esfriamento da parte líquida do núcleo e do crescimento do núcleo interno sólido em seu centro.
Mas como não podemos acessar o núcleo, temos que estimar suas propriedades para entender como ele está esfriando.
Uma parte fundamental para compreender o núcleo é saber sua temperatura de fusão. Sabemos onde fica a fronteira entre o núcleo interno sólido e o núcleo externo líquido graças à sismologia (o estudo dos terremotos). A temperatura do núcleo deve ser igual à sua temperatura de fusão nesse local, pois é onde ele está se solidificando. Portanto, se soubermos exatamente qual é a temperatura de fusão, poderemos descobrir mais sobre a temperatura exata do núcleo – e de que ele é feito.
Química misteriosa
Tradicionalmente, temos duas maneiras de descobrir de que o núcleo é feito: meteoritos e sismologia. Ao examinar a química dos meteoritos — que se acredita serem pedaços de planetas que nunca se formaram ou pedaços dos núcleos de planetas semelhantes à Terra que foram destruídos —, podemos ter uma ideia do que nosso núcleo pode ser composto.
O problema é que isso nos dá apenas uma ideia aproximada. Os meteoritos nos mostram que o núcleo deve ser feito de ferro e níquel, e talvez alguns por cento de silício ou enxofre, mas é difícil ser mais específico do que isso.
A sismologia, por outro lado, é muito mais específica. Quando as ondas sonoras dos terremotos viajam pelo planeta, elas aceleram e desaceleram dependendo dos materiais pelos quais passam. Comparando o tempo de viagem dessas ondas, do terremoto ao sismômetro, com a velocidade com que as ondas viajam através de minerais e metais identificada em experimentos, podemos ter uma ideia do que compõe o interior da Terra.
Observamos que estes tempos de viagem exigem que o núcleo interno da Terra seja cerca de 10% menos denso do que o ferro puro e que o núcleo externo líquido seja mais denso do que o núcleo interno sólido. Apenas algumas propriedades químicas conhecidas do núcleo podem explicar estas características.
Mas mesmo entre uma pequena seleção de possíveis constituintes, as temperaturas potenciais de fusão variam em centenas de graus — deixando-nos sem saber nada sobre as propriedades precisas do núcleo.
Novos limites
Em nossa nova pesquisa, utilizamos a física mineral para estudar como o núcleo pode ter começado a se solidificar, descobrindo uma nova maneira de compreender a química do núcleo. E essa abordagem parece ser ainda mais específica do que a sismologia e os meteoritos.
Pesquisas que simulam como os átomos em metais líquidos se unem para formar sólidos descobriram que algumas ligas requerem um “super-resfriamento” mais intenso do que outras. Super-resfriamento é quando um líquido é resfriado abaixo de sua temperatura de fusão. Quanto mais intenso for o super-resfriamento, mais frequentemente os átomos se unirão para formar sólidos, fazendo com que o líquido congele mais rapidamente. Uma garrafa de água no congelador pode ser super-resfriada a -5 °C por horas antes de congelar, enquanto o granizo se forma em minutos quando as gotículas de água são resfriadas a -30 °C nas nuvens.
Ao explorar todas as temperaturas de fusão possíveis do núcleo, descobrimos que o máximo de super-resfriamento que o núcleo poderia ter sofrido é de cerca de 420 °C abaixo da temperatura de fusão — qualquer coisa além disso e o núcleo interno seria maior do que a sismologia constata. Mas o ferro puro requer um super-resfriamento impossível de ~1000 °C para se solidificar. Se resfriado tanto assim, todo o núcleo teria virado sólido, contrariando as observações sismológicas.
Adicionar silício e enxofre, que tanto os meteoritos quanto a sismologia sugerem que poderiam estar presentes no núcleo, só piora esse problema – exigindo ainda mais super-resfriamento.
Nossa nova pesquisa explora o efeito da presença de carbono no núcleo. Se 2,4% da massa do núcleo fosse carbono, seria necessário um super-resfriamento de cerca de 420 °C para começar a solidificar o núcleo interno. Esta é a primeira vez que se demonstra que a solidificação do núcleo é possível. Se o teor de carbono do núcleo fosse de 3,8%, seria necessário apenas um super-resfriamento de 266 °C. Isso ainda é muito, mas muito mais plausível.
Esta nova descoberta mostra que, embora a sismologia possa limitar a química possível do núcleo a várias combinações diferentes de elementos, muitas delas não conseguem explicar a presença do núcleo interno sólido no centro do planeta.
O núcleo não pode ser composto apenas por ferro e carbono, porque as propriedades sísmicas do núcleo requerem pelo menos mais um elemento. A nossa investigação sugere que é mais provável que contenha um pouco de oxigênio e, possivelmente, também silício.
Isso representa um passo significativo para entender do que o núcleo é feito, como ele começou a resfriar e como moldou nosso planeta de dentro para fora.