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Cobre, capital e consequências: a aposta da China na mineração no Afeganistão governado pelo Talibã

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Cobre, capital e consequências: a aposta da China na mineração no Afeganistão governado pelo Talibã

Este artigo foi enviado como parte da Global Voices Climate Justice Fellowship, que reúne jornalistas de países sinófonos e da maioria global para investigar os efeitos dos projetos de desenvolvimento chineses no exterior. Leia mais histórias aqui.

À medida que o Afeganistão se aproxima do início da extração de cobre em sua maior mina, Mes Aynak, aumentam as dúvidas sobre os impactos econômicos, sociais e ambientais do projeto. Localizada na província de Logar, no leste do país, a mina é considerada a segunda maior reserva de cobre do mundo e tem potencial para impulsionar o desenvolvimento econômico do Afeganistão, além de iniciar o tão esperado processo de exploração em larga escala de suas vastas reservas minerais, avaliadas em um trilhão de dólares.

Em julho de 2024, diplomatas chineses, líderes do Talibã e representantes da China Metallurgical Group Corporation (MCC) participaram de uma cerimônia de inauguração e acompanharam o momento em que escavadeiras começaram a abrir a estrada que leva à mina. Foi um marco para todas as partes envolvidas.

A MCC vinha se preparando para este momento havia quase duas décadas. O grupo venceu a licitação para extrair cobre de Mes Aynak em 2007, mas os trabalhos foram adiados por problemas de segurança, disputas contratuais com o antigo governo afegão e preocupações arqueológicas. O Talibã espera que as receitas do cobre ajudem a revitalizar a economia do Afeganistão, abaladas pelas sanções ocidentais.

Levará pelo menos mais um ano para que a MCC comece a extrair e processar o cobre, o que, em um cenário otimista, colocaria o início das operações em 2026. As preocupações com os impactos sociais e ambientais do projeto, no entanto, já começam a crescer.

As populações que vivem nos vilarejos próximos ao local serão deslocadas, colocando em risco seu bem-estar. O esgotamento dos recursos hídricos e a poluição do ar, do solo e da água nas proximidades podem agravar as condições de vida de milhões de afegãos. Além disso, a exploração da mina inevitavelmente levará à destruição do antigo sítio budista de Mes Aynak, localizado sobre ela.

A empresa estatal chinesa de mineração MCC construiu um acampamento em Mes Aynak. Imagem: Flicker, license CC BY-SA 3.0

Evolução do envolvimento da China com o Talibã

Desde que o Talibã assumiu o controle do Afeganistão, em agosto de 2021, após a retirada abrupta e desastrosa dos Estados Unidos, a China se tornou um dos principais parceiros e investidores estrangeiros da economia afegã. A relação entre os dois países, no entanto, começou antes disso: a liderança política chinesa iniciou seu engajamento oficial com o Talibã em julho de 2021, quando o ministro das Relações Exteriores, Wang Yi, recebeu uma delegação do grupo em Tianjin, na China, e os descreveu como “uma força política e militar crucial”.

O embaixador da China no Afeganistão, Zhao Xing, na cerimônia de assinatura do acordo de cooperação para o projeto hidrelétrico Baghdara da mina de cobre de Aynak. Imagem: Ministério das Relações Exteriores da República Popular da China. Uso justo.

As relações entre Cabul e Pequim só se fortaleceram desde então. Em março de 2022, Wang Yi esteve em Cabul, tornando-se a autoridade estrangeira de mais alto escalão a visitar o Afeganistão sob o domínio do Talibã na época. Em setembro de 2023, a China se tornou o primeiro país a nomear um novo embaixador para o Afeganistão, que apresentou suas credenciais oficiais ao Talibã, reconhecendo de fato o novo regime.

O mais significativo foi que, em 2023, a China expandiu para o Afeganistão o Corredor Econômico China-Paquistão (CPEC, na sigla em inglês), um dos principais projetos da iniciativa “Um Cinturão, Uma Rota” (BRI, na sigla em inglês), seu megaprograma de desenvolvimento internacional. Além disso, empresas chinesas assinaram diversos contratos de investimento com o Talibã e manifestaram interesse em explorar as reservas de petróleo, gás e minerais do país.

O acordo para retomar a extração de cobre em Mes Aynak é um exemplo emblemático dos megaprojetos implementados pelo Talibã e por autoridades chinesas. Em 2008, a MCC assinou um contrato com o antigo governo afegão, comprometendo-se a investir US$ 3,4 bilhões em projetos de desenvolvimento e a pagar royalties em troca do direito de explorar o cobre por 30 anos.

Os ataques mortais do Talibã contra o pessoal de segurança da mina e as disputas contratuais, que motivaram a MCC a recuar em sua promessa de construir uma ferrovia e uma usina de energia, além de solicitar a redução dos royalties de 19,5% para 9,5%, levaram à suspensão do projeto por tempo indeterminado. A empresa também enfrentou pressão internacional ao optar por um método de mineração a céu aberto, que destruiria o sítio budista de Mes Aynak, situado sobre a jazida de cobre, o que complicou ainda mais as negociações.

Ganhos rápidos e perdas de longo prazo     

Quando o Talibã voltou ao poder no Afeganistão, o grupo rapidamente deixou de atacar a mina e passou a pressionar a MCC a retomar as atividades em Mes Aynak. Após negociações, as autoridades talibãs convenceram a corporação a retornar, e a pressa ficou evidente durante a cerimônia de inauguração, em julho de 2024. No evento, o vice-ministro para Assuntos Econômicos, Abdul Ghani Baradar, declarou: “O tempo perdido na execução do projeto deve ser compensado com um ritmo mais acelerado de trabalho”.

A pressa é compreensível, dada a grave situação da economia afegã, causada por sanções e décadas de instabilidade política. Explorar as riquezas subterrâneas pode ajudar o país em seu caminho rumo à estabilidade. As reservas de cobre de Mes Aynak são estimadas em 11,5 milhões de toneladas de minério. A mina poderia gerar entre US$ 250 e US$ 300 milhões por ano em receitas e outros US$ 800 milhões em taxas ao longo da vigência do contrato, além de criar entre 3.000 e 4.000 empregos diretos e 35.000 indiretos.

Os benefícios econômicos vêm acompanhados de impactos sociais e ambientais que podem ser devastadores para milhões de afegãos. A consequência mais imediata e visível é o deslocamento da população local. No acordo original, firmado em 2008, as autoridades planejavam realocar, de forma involuntária, os moradores de sete vilarejos próximos, oferecendo-lhes terras e compensações financeiras.

Centenas de famílias já foram deslocadas, mas não há informações sobre o pagamento de indenizações. Em 2022, as autoridades locais proibiram a entrada de pesquisadores estrangeiros que pretendiam entrevistar moradores da região. Um estudo que analisou os problemas nutricionais e de saúde decorrentes do deslocamento em Mes Aynak concluiu que “as condições de vida dessas famílias representam maiores riscos à saúde, devido à prevalência de enfermidades como malária, diarreia e dermatoses”.

A poluição da água, do solo e do ar também é inevitável. Segundo Najibullah Said, especialista afegão em recursos hídricos e meio ambiente, “o processamento de apenas uma tonelada de cobre gera 200 toneladas de resíduos, capazes de contaminar gravemente o solo, a água e o ar”. Em entrevista ao Nikkei Asia, ele explicou que os moradores locais “dependem de águas subterrâneas e, se esses resíduos não forem tratados adequadamente, podem comprometer o abastecimento local, alcançar o rio Logar e afetar metade da população de Cabul, que chega a milhões de pessoas”.

Isso ocorre porque Mes Aynak está localizada sobre os dois principais aquíferos do Afeganistão, que abastecem a província de Logar e a capital, Cabul. A extração e o processamento de cobre demandam grandes volumes de água, o que aumenta o risco de rios e poços secarem no futuro.

O patrimônio cultural do Afeganistão, representado pelo maior sítio budista do país, em Mes Aynak, corre o risco de sofrer destruição parcial, embora significativa, quando a mina entrar em operação. O local abriga uma antiga cidade budista, construída em torno da extração, do processamento e do comércio de cobre.

Já foram descobertos dezenas de mosteiros, estupas, fortalezas, edifícios administrativos, habitações e centenas de estátuas, afrescos, cerâmicas, moedas e manuscritos, mas a exploração completa do local deve levar cerca de 30 anos. Alguns artefatos datam de 5.000 anos atrás. O problema se agrava porque muitos desses objetos são frágeis demais para serem transportados, o que significa que só podem ser preservados se permanecerem onde estão.

Para mitigar o problema, o Talibã anunciou ter chegado a um acordo com a MCC para abandonar o método de mineração a céu aberto e adotar o subterrâneo, menos destrutivo. No entanto, isso significa que os artefatos localizados no subsolo serão destruídos mesmo assim. Além disso, não há garantias de que os objetos acima do solo consigam resistir às vibrações causadas pelas explosões. Com isso, o Afeganistão corre o risco de perder a oportunidade de explorar plenamente o local, que poderia revelar muito sobre o passado do país e se tornar uma importante atração turística.

Um modelo em que todos ganham?

As autoridades chinesas recorrem à narrativa do “ganha-ganha” para justificar os investimentos de Pequim no Afeganistão. Durante sua visita a Mes Aynak, em 2024, o embaixador da China no país, Zhao Xing, elogiou o projeto e seu potencial de revitalizar a região:

而艾娜克铜矿不仅将为矿业合作贡献力量,更将为阿富汗的经济发展注入新的活力。通过推动矿业合作发展,开发瓦罕走廊等通道,阿富汗有望成为区域互联互通的重要节点,这将为推动整个地区的繁荣与发展做出积极贡献。

A mina de cobre de Aynak não apenas fortalecerá a cooperação no setor mineral, mas também dará novo impulso à economia do Afeganistão. Com a promoção dessa parceria e o desenvolvimento de corredores como o de Wakhan, o país pode se tornar um importante elo de interconexão regional, contribuindo para a prosperidade e o progresso de toda a região.

Embora seja verdade que ambas as partes se beneficiem do projeto conjunto de extração de cobre, há uma diferença significativa no preço que cada uma terá de pagar para colher os frutos econômicos.

Para a MCC e a China como um todo, Mes Aynak ajudará a consolidar sua vantagem nos setores de energia renovável, veículos elétricos e processamento e armazenamento de dados ao garantir o fornecimento de cobre.

Do ponto de vista geopolítico, a localização do Afeganistão pode ajudar a China a impulsionar a Iniciativa Cinturão e Rota, ao conectar a Ásia Central e a Meridional, além de desempenhar um papel fundamental em projetos inter-regionais de comércio, energia e transporte.

Em termos de segurança, investir em Mes Aynak significa promover estabilidade e paz no Afeganistão, onde há diversos grupos separatistas e militantes, como o Tehreek-i-Taliban Pakistan (Talibã paquistanês), o Estado Islâmico da Província de Khorasan (EI-K) e o Partido Islâmico do Turquestão Oriental (PIT), todos com históricos de ataques contra cidadãos chineses, tanto na China quanto no exterior.

Assim, o envolvimento da China com o Talibã é motivado em parte pela tentativa de conter a ameaça terrorista no Afeganistão, país com o qual faz fronteira, e de impedir sua propagação no território chinês.

Para o Afeganistão, os ganhos são significativos, mas as possíveis consequências também são consideráveis, especialmente a longo prazo. Enquanto as perdas da China são estritamente financeiras, o Afeganistão enfrentará impactos socioculturais e ambientais irreversíveis, que poderão ser devastadores.

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